Mídia Sem Máscara
| 15 Novembro 2010
Artigos - Cultura
O senhor que é um guerreiro moderno e um modelo a ser seguido em suas virtudes, foi levado a duvidar de sua própria missão de vida, a perder de perspectiva o sentido de suas ações, a desejar a aniquilação de uma instituição que, ainda que tomada por corruptos, é fundamental na defesa contra a violência.
Caríssimo Tenente-Coronel Nascimento,
Todos nós testemunhamos seu corajoso depoimento acerca dos políticos corruptos envolvidos com as milícias e louvamos a sua bravura. Entretanto, tenente-coronel, não pudemos deixar de notar com preocupação, que os anos de guerra, primeiramente com armas e depois na ação política, deixaram-lhe um profundo impacto emocional.
Tal evidenciou-se nas palavras pelo senhor emitidas, e nas quais afirmava não saber responder ao seu filho porque matou, porque agiu com a violência com que agiu, já que, apesar de tudo, nada se resolveu. Muito me preocupou também o senhor ter dito, certamente num afã de desabafo, que a PM deveria acabar. Por tais preocupações é que peço a licença de dirigir-me ao senhor.
Tenente-coronel, o senhor esteve no front de batalhas e eu, como muitos cidadãos, estive e estou no outro lado, como vítima. Foi por nós tenente-coronel, que o senhor fez o que fez. Foi pela família que não foi destruída por um traficante, pela família que não foi oprimida por um miliciano.Tenente-coronel, é evidente que a ação policial não soluciona completamente o problema da violência na escala e complexidade que ela existe no Rio de Janeiro de forma especial, e no país de forma geral. A ação social que trabalhe na reintegração das comunidades, a ação política que minimize a corrupção, são todas medidas absolutamente necessárias. Mas, tenente-coronel, deve o cidadão ficar a mercê de tais violentos bandidos, excluídos, fardados e engravatados, até que se encontre essa solução total?
Imagine, tenente-coronel, o homem em seu estado primordial, em uma pequena tribo em meio a uma gigantesca e selvagem natureza milênios atrás. Imagine que sua pequena tribo é constantemente assaltada por selvagens feras vindas da floresta, e que cruzam os limites da aldeia. Tenente-coronel, será que os guerreiros da tribo devem se sentir culpados por realizarem uma luta "sem resultados", já que a floresta envia sempre novas feras, e os líderes da aldeia não conseguem imaginar um meio de evitar isso? Não tenente-coronel, com certeza que não. Neste caso, a incompetência dos líderes apenas acentua a excepcionalidade da bravura e o heroísmo dos guerreiros que se alinham corajosamente para combater tais feras. Vários destes guerreiros caem, ou sofrem mortes horríveis entre as presas e garras dos animais. E ainda assim, novos bravos se levantam para enfrentá-las. A selvageria é impotente diante de sua força.
É por isto, caríssimo tenente-coronel, que quero incentivá-lo a verbalizar esse sentimento que sei que existe no senhor e em seus comandados. Os senhores têm realizado um trabalho primoroso, necessário, pleno de sentido humano, e com grandeza. É verdade que vez por outra erros são cometidos, mas o bom não pode deixar de ser feito pela falta do perfeito. Aperfeiçoar-se sim, deter-se nunca. Erga a cabeça tenente-coronel, porque o herói é o senhor.
Gostaria de tecer algumas palavras sobre as pessoas que o cercam tenente-coronel. Algumas delas positivamente más-influências. Em primeiro lugar, lamento pela falta de compreensão de sua ex-esposa. Falta de compreensão não apenas em relação ao senhor, mas em relação à própria vida. Não suponho que ela queira coisas ruins, mas por algum motivo, falta-lhe a visão de que não podemos esperar os líderes da aldeia inventarem um modo de cessar a vinda das feras. Que aqueles que se colocam nesta batalha, mesmo quando ela parece não ter fim, são os verdadeiros bravos, que lutam não pela glória que uma paz previsível traria, mas simplesmente para deter, na medida do possível, o avanço de um grande mal. Mas refiro-me principalmente ao homem com quem ela se casou.
Este homem tenente-coronel, também está cheio de boas-intenções, e proporcionalmente equivocado. Recentemente, o senhor descobriu como as milícias estão envolvidas com políticos patrimonialistas brasileiros. E com isso abriu-se um plano maior de visão para o senhor, com não pouco choque. Tenente-coronel, eu sei que isso talvez vá surpreendê-lo ainda mais, porém a fonte do mal que o senhor combatia nas ruas encontra-se ainda mais alta, e o esquema recentemente descoberto pelo senhor é uma pequena parte dele.
Veja tenente-coronel, que assim como existem pessoas dispostas a todo tipo de crime por dinheiro, existem outras dispostas aos mesmos crimes por poder. Sim poder é maior do que dinheiro, tenente-coronel, e existem pessoas que compreendem isso. O atual parceiro de sua ex-esposa, saiba ele ou não, é um soldado desse esquema maior. O senhor descobriu que a luta política é mais ampla e fundamental que a luta nas ruas. É verdade. Porém, a luta cultural e espiritual é mais ampla que a política, e existem pessoas de bem e outras gananciosas que realizam sua luta neste outro nível, e para elas a política é que é a marionete. Tenente-coronel Nascimento, nesta luta, a ocupação de posições políticas, como fez o parceiro de sua ex-esposa, é mera questão estratégica, exatamente como os seus caveiras ocupam certas posições, não para simplesmente ficar nelas, mas para dali poder melhor atingir seus inimigos. Neste terceiro nível de luta, o que se busca atingir são mentes, almas e corações. O senhor foi atacado, tenente-coronel, por esta guerra. O senhor que é um guerreiro moderno e um modelo a ser seguido em suas virtudes, foi levado a duvidar de sua própria missão de vida, a perder de perspectiva o sentido de suas ações, a desejar a aniquilação de uma instituição que, ainda que tomada por corruptos, é fundamental na defesa contra a violência. A polícia não é para solucionar o problema da violência, mas para agir quando os que deveriam tê-la prevenido antes, falham. Tolher a polícia em nome da presença de falhas na outra ponta do serviço é piorar o problema, e não melhorá-lo. E, honestamente tenente-coronel, muitos como o parceiro da sua ex-esposa, sabem muito bem trabalhar neste nível para conseguir o poder político num nível logo abaixo.
Sendo assim, tenente-coronel Nascimento, termino aqui esta minha carta aberta, parabenizando-o mais uma vez por sua integridade de caráter, mesmo sob pressões psicológicas das mais terríveis. O senhor, assim como as forças da ordem no Brasil, assim como as virtudes tradicionais de nossa civilização, foi abandonado por quem deveria apoiá-lo, teve seu papel de pai tomado por um usurpador ideológico que educa seu filho com os valores dele, e espera que o senhor se conforme com momentos de ternura, enquanto ele possui a alma do jovem. Por estes motivos, tenente-coronel, é que o senhor se tornou um símbolo nacional, um bastião de esperança, admirado, não pela violência, não pelos equívocos, mas pela solidez de seu caráter, pela grandeza de sua alma.
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