por Ipojuca Pontes em 15 de setembro de 2008
Resumo: Em face das eleições municipais, os políticos “progressistas”, como sempre bem intencionados, mas tirando proveito de tudo, inclusive de grossos salários e mordomias de praxe, querem solucionar o problema dos moradores de rua com promessas tão abundantes quanto utópicas.
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Fala-se muito no ingresso do Brasil no seleto clube dos países desenvolvidos, enche-se a boca com os futuros bilhões provenientes da venturosa camada pré-sal da Bacia de Santos, mas o fato concreto é que se desenvolve entre nós – em proporções alarmantes - um fenômeno solenemente ignorado pelas instituições oficiais. Refiro-me ao progresso desenfreado dos sem-teto, a crescente população marginal que vive ao relento nas periferias e centros das grandes cidades brasileiras. Segundo dados estatísticos não-oficiais (por exemplo, os do Cadastro Mensal do Movimento dos Sem-Teto, de Salvador-BA), o Brasil teria hoje cerca de 1,7 milhão de párias vegetando no desamparo das ruas.
Como os dados estatísticos no Brasil mentem ou estão sempre defasados, mesmo os não-oficiais, é muito provável que o número apontado pelo Cadastro Mensal seja otimista, e que tenhamos hoje alguma coisa entre oito e dez milhões de desabrigados – o tipo de gente que os norte-americanos chamam de “homeless”.
No Rio de Janeiro, a Secretaria municipal de Assistência Social estima em dois mil o número de moradores de rua, entre mendigos, desocupados, famílias de outros estados, delinqüentes, velhos, mulheres e crianças que fazem das ruas a sua moradia permanente. Claro, o número é ridículo. Mais que ridículo – mentiroso. Só em Copacabana, bairro onde moro há 20 anos, e conheço como a palma de minha mão, eu já contabilizei mais de 300 – uma quantidade de gente, diga-se de passagem, que aumenta diuturnamente.
Muitos deles já desfrutam dos haveres do bairro-balneário há mais de cinco anos, sob o amparo das marquises, jardins, bancos de praças, tubos de galerias fluviais e, em especial, nos meses de verão, das areias da praia à sombra dos coqueirais.
Nesta indiscutível privatização do espaço público, os moradores de rua pedem esmolas, intimidam os pedestres, debocham dos comparsas, trocam palavrões entre si, assaltam os turistas, arrancam bolsas e jóias dos transeuntes, alguns simplesmente agonizam. Como ninguém é de ferro e o ser humano sempre precisa de algum estímulo, sobretudo quando sobrevive nas ruas, os pivetes cheiram cola e os adultos entornam garrafas de cachaça e puxam a Erva do Diabo (maconha) em plena luz do dia, diante da Guarda municipal, cujo objetivo é multar os carros infratores e/ou estacionados indevidamente.
Na Avenida Atlântica, o doce encanto dos turistas nacionais e estrangeiros, os mendigos fazem a festa. De noite, à luz do luar e do néon, eles apelam para a prática prazerosa do sexo, da droga e do rock and roll – digo, do samba de pagode ou do aculturado rap. Os mais pundonorosos, cobrem-se em caixotes de papelão e, sob eles, entre arrufos e resfolegados, mandam ver o serviço completo com as suas abnegadas parceiras. A qualquer hora, fazem suas “necessidades” ao pé das árvores ou dos postes. E, quase sempre pela manhã, os mais exigentes lavam-se e estendem suas roupas em improvisados secadores.
Convém salientar que o fenômeno “moradores de rua” não é um privilégio da outrora “Cidade Maravilhosa”. Ele é universal. Na URSS de Leonid Brejnev, auge do índice de melhor qualidade de vida do regime comunista, foram contabilizados 45 milhões de miseráveis – a chamada “ralé branca”. E na Índia, país integrante do incensado BRIC, é catalogado em 400 milhões o número de pessoas que vivem aos magotes pelas ruas das suas cidades – embora, a julgar pelos observadores locais, elas sejam bem mais espiritualizados.
Nas grandes cidades brasileiras, os moradores de rua crescem em proporções galopantes. Na última vez que estive em Recife, a Avenida Guararapes, sua principal artéria, era um verdadeiro pátio dos milagres. Em Salvador, no entorno do Taboão ou da antiga Água de Meninos, outro tanto. Em São Paulo, a Praça da Sé, com as suas dezenas de pivetes puxadores de “crack”, é apenas uma pálida amostra da mendicância que tomou conta da megalópole. Em Belém, a periferia do Ver o Peso é um horror, etc., etc. – e por aí segue a nave dos desesperados.
Na prática, as providências tomadas para solucionar o problema são todas fajutas, ou insuficientes. O programa “bairrobacana”, bolado pela astúcia dos “assistentes sociais” do prefeito carioca César Maia, por exemplo, tem por objetivo recolher a população de rua para colocá-la em abrigos. Todavia, passados os dias, a exigüidade do espaço e o clima asfixiante dos asilos fazem com que os sem-teto fujam e retornem à liberdade das ruas, para eles, insubstituível.
Na capital de São Paulo, para “solucionar” o problema, Marta Suplicy (PT-SP), quando prefeita, passou a recolher os mendigos e, de ônibus, recambiá-los para os subúrbios mais distantes. Não funcionou: eles, a pé e a passo, terminavam voltando para a frege da cidade. Como solução final, a prefeita socialista fez construir a rede de “calçada anti-mendigos”, usando pedras pontiagudas na sua superfície, para desalojar os recalcitrantes debaixo dos viadutos.
Agora, em face das eleições municipais, os políticos “progressistas”, como sempre bem intencionados, mas tirando proveito de tudo, inclusive de grossos salários e mordomias de praxe, querem solucionar o problema dos moradores de rua com promessas tão abundantes quanto utópicas.
Uns falam em atenuar a questão, insolúvel, oferecendo “ensino em tempo integral e um sistema de transporte mais barato”. Outros, mais ladinos, tratam o assunto de forma genérica, prometendo “incrementar políticas públicas de habitação, saúde e educação”. Os mais modestos apenas prometem “ampliar o serviço de atendimento e expandir programas de acolhimentos”.
E em Brasília, mais realista, o Dr. Lula, muito solidário aos que passam fome, projeta para 2009 um aumento de gastos no setor de propaganda e publicidade do governo na ordem de R$ 184 milhões, entre outros objetivos, para melhorar a imagem do Brasil no exterior. Sem contar, claro, com o bilhão de reais que são torrados anualmente com a mídia nacional para provar que estamos vivendo no melhor dos mundos.
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