Mídia Sem Máscara
Leonardo Bruno | 27 Janeiro 2011
Artigos - Economia
Quem quiser assumir o risco de sustentar o elefante branco, faça-o do próprio bolso e não obrigue outras pessoas, na figura do Estado, do contribuinte ou do proprietário do imóvel a pagarem a conta.
Certo dia passeava por uma avenida conhecida, próxima de minha casa, quando notei algo estranho em sua esquina: a pizzaria, que até então existia ali, foi substituída por um salão de beleza. De fato, entendi a razão de sumir daquela lanchonete. Na última vez que comprei pizza por lá, o preço era tão caro e a comida tão ruim, que provavelmente as pessoas se recusaram a pagar por aquele serviço. E o dono do lugar, percebendo que não sabia fazer ou vender pizzas, acabou por fechá-lo, dando espaço para outros que sabiam vender o seu produto. O livre mercado cumpre o seu papel, depurando e eliminando os maus serviços, através do julgamento e do voto do consumidor.
No entanto, tal regra não conta no caso muito específico que ocorreu em São Paulo. O dono de um imóvel recusou-se a renovar o contrato de aluguel e ameaçou fechar as portas de um cinema antigo, velho, cuja bilheteria não rendia (salvo para alguns gatos pingados metidos a cults) e onde o público era ínfimo. Ou na melhor das hipóteses, resolveu alugar o seu imóvel para alguém que oferecesse uma proposta mais rentável. Nada mais lógico, dentro dos direitos de propriedade, que alguém disponha de seu bem ao bel prazer. E tenha lucros e dividendos com isso. Por outro lado, criar uma loja no imóvel pode ser a perspectiva mais inteligente de um empresário, que capta a necessidade dos consumidores. Até o dado momento, ninguém dava a mínima para o cinema ali, cujo prédio estava envelhecido e o grosso do público não desembolsava um tostão pelos filmes passados ali. Na verdade, o Cinema Belas Artes, localizado na Rua da Consolação e criado em 1943, já andava mal das pernas e vivia às custas do patrocínio do Banco HSBC, uma vez que os rendimentos de bilheteria não compensavam os custos do recinto. Em março do ano passado, os patrocinadores retiraram suas verbas sobre o elefante branco e o cinema começou a sentir o abalo da falta de financiamento.
A ameaça do encerramento do cinema atingiu algumas figuras da esquerda festiva, que contrariadas, fizeram áridas objeções, junto com o coro dos funcionários, que não queriam perder o emprego. E a quem eles foram apelar para "salvar" o cinema? Aos novos patrocinadores privados? Não, ao papai Estado! Embora o imóvel não tenha nenhum valor histórico palpável, a pedidos dos manifestantes, o pomposo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) interditou o cinema com vistas de tombá-lo e impediu que o seu proprietário alugasse o imóvel para uma outra loja. Pior, o dono foi impedido de tocar no seu prédio, reformá-lo , derrubá-lo ou alugá-lo para outro por três meses. No final das contas, o dono acabou por virar refém dos ativistas e do Estado. A propriedade privada não é mais sua, salvo, é claro, no prejuízo de não alugar novamente a casa por um preço maior e um inquilino mais generoso.
O assunto desencadeou afirmações apaixonadas. O cineasta Fernando Meirelles entrou na história, dando seus pitacos: "Infelizmente não há nada parecido com o Belas na cidade. O pior de tudo foi saber que o cinema vai sair dali para dar lugar a mais uma lojinha. Caramba, São Paulo já tem tanta lojinha. Não entendo esta compulsão por compras. Acho que nasci na época errada!". Outro funcionário, o projetista do cinema, declara: "Isso é mais do que perder o emprego. É perder um pouco da minha história". O mais grotesco é que o Estado foi chamado, justamente como um possível patrocinador das sessões cinematográficas dos intelectuais de botequim. Um sociólogo simpático ao cinema cult, Carlos Dória, não escondeu o viés estatizante: "Por que os governos não se propuseram a ajudar no pagamento de um aluguel mais alto?". Não vão tombar o prédio, mas o próprio cartaz do cinema! Neste interim, houve até conjecturas de desapropriar o imóvel. Claro que isso vai custar dinheiro público. Tudo para preservar os gostos particulares de alguns poucos frequentadores, numa cidade de 11 milhões de habitantes! Em miúdos, 11 milhões de paulistanos vão pagar do seu bolso o cinema que alguns poucos iluminados cinéfilos são incapazes de desembolsar. . .
É no mínimo estranho que o sociólogo, o cineasta e demais outros admiradores dos espaços cults de cinema defendam a permanência do Belas Artes sem dar um mínimo de patrocínio de seus respectivos bolsos. Claro, quem deve pagar é o Estado, é o contribuinte, é o dono do imóvel, tudo para o belíssimo e sacrossanto gosto deles. O funcionário do cinema tem lá suas razões para defender o seu emprego e o seu bolso. Ele pode se desesperar na extinção de seu oficio de projetista, tal como o cocheiro do começo do século XX ficaria desesperado com os automóveis movidos a combustível. Mas por que o direito de resguardar o dinheiro não é garantido aos milhões de paulistanos que não desembolsam um tostão para o cinema? Por que esse privilégio só diz respeito aos cinéfilos do Belas Artes? Os gostos particulares cults e a nostalgia dos cinéfilos custam muito caro ao contribuinte.
Por outro lado, há um lado perverso revelado nessa história. No Brasil, a cultura intelectual não vive sem o Estado. Desde que surgiram Embrafilme, Ministério da Cultura ou secretarias estaduais para o mesmo fim e meia dúzia de políticos e burocratas rasteiros, o artista, o intelectual, o cineasta, não consegue viver mais sem verbas estatais. O governo subsidia tudo e enfraquece o mercado privado de cultura. Em nome de justificativas das mais espúrias, como a "defesa da cultura nacional" ou o "combate a cultura de massa", meia dúzia de intelectuais, artistas e cineastas amigos do rei Estado recebem gordos subsídios governamentais para fazer filmes que só eles mesmos e sua turma cult vêem. Filmes chatíssimos, sem pé nem cabeça e que só são idolatrados por críticos de arte em jornais, por conta de um conchavo ideológico grosseiro de intelectuais esquerdistas. E que geram prejuízos escandalosos ao contribuinte.
Eu não tiro o direito de alguém defender a permanência do Cinema Belas Artes. Acredito, inclusive, que é triste que a época nostálgica dos espetáculos dos cinemas tenha um fim tão melancólico e não empolgue as novas gerações. A televisão, o DVD, as TVs a cabo, a internet, enfim, acabaram com o privilégio e glamour dos cinemas. Deve haver muitas razões culturais elevadas para que esses manifestantes queiram a manutenção dos cartazes dos filmes. Contudo, quem quiser assumir o risco de sustentar o elefante branco, faça-o do próprio bolso e não obrigue outras pessoas, na figura do Estado, do contribuinte ou do proprietário do imóvel a pagarem a conta. O Cinema Belas Artes é tão relevante para a cidade de São Paulo quanto era pizzaria da esquina do meu bairro. Até um salão de beleza seria mais útil. Não tem a menor importância histórica, mas tão somente para àqueles que pagam para assistir seus filmes. A manifestação dos seus frequentadores é puro fetichismo e nada mais. Com o dinheiro dos outros...
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