Mídia Sem Máscara
| 11 Janeiro 2011
Artigos - Cultura
O homem precisa descobrir novamente o contato com o transcendente, com o Deus de nossos pais.
Quando li pela primeira vez, por volta dos trinta anos, o opúsculo de Jung RESPOSTA A JÓ sofri um choque soberbo. Até então me considerava ateu e nunca havia levado a sério nem a teologia e nem as Escrituras. O livro de Jung teve o poder de descortino duplo: de um lado, mostrou que meu ateísmo não passava de ignorância tola; do outro, me dava uma resposta racionalista ao drama da encarnação. Se esse pequeno livro não me viesse às mãos meus interesses intelectuais teriam sido outros e certamente eu seria hoje outra pessoa. Jung teve experiências espirituais fortíssimas e, como ele mesmo registrou, para ele a fronteira entre o transcendente e o imanente era transparente. Sua autobiografia e o formidável seminário que deu sobre o Zaratustra de Nietzsche, entre 1934 e 1939, mostram como sua alma estava atormentada pelas questões relativas a Deus e à existência moral do homem. Jung teve sonhos e visões fabulosos, alguns premonitórios. Como ninguém ele compreendeu Nietzsche na sua experiência com o Mal, mas o fascínio com o numinoso o impediu de ver o Mal como Mal. No seminário em que ele estudou o Canto Noturno do Zaratustra, por exemplo, Jung se recusou a fazer a tradução do texto do alemão para o inglês, pois, segundo ele, ali falava o próprio Deus Vivo. Quanto engano! O Deus vivo não falava pela alma de Nietzsche. O atormentado filósofo, como um Van Gogh das Letras, lidava mesmo era com a personificação do Mal. Thomas Mann fez muito bem em tomá-lo como personagem principal do magnífico DOUTOR FAUSTO, no qual relata o ocaso da Alemanha tomada por Mefisto.
No Canto Noturno falou a figura mais solitária e isolada já criada por Deus, a mais triste da criação que já existiu. Penso que o próprio Anjo Caído está presente ali.
Jung errou dramaticamente no seu livro RESPOSTA A JÓ. O drama da encarnação de Cristo foi um ato de bondade unilateral de Deus para com o homem, sua criatura preferida. Pensar que o homem, mesmo um santo como Jó, tenha algo a dar a Deus é delírio perigoso. Tudo que o homem tem, inclusive sua frágil existência, vem de Deus. Tentar uma leitura psicológica dos diálogos bíblicos para dar um sentido e mostrar uma conexão lógica de um suposto amadurecimento de Deus carece de senso de verdade. E, relendo o Livro de Jó, bem poderíamos apropriadamente imaginar que as palavras que lá estão atribuídas ao Criador podem, com alto grau de realismo, ser as do próprio Satã usando o nome de Deus em vão para confundir e desemcaminhar o santo Jó. O equívoco de Jung foi total no seu intento.
Jung viveu intensamente o ateísmo e o demonismo do seu tempo e foi testemunha ocular do poder de destruição que o Mal, solto sobre a terra, pode realizar. O mundo foi incendiado àquela época, tudo que era sagrado foi profanado, a própria fé na ação do homem e na ciência, compreendida como redentora em substituição à verdade revelada, foi abalada. O homem chegou em 1945 desamparado de Deus e de si mesmo.
Mas Jung tem o grande mérito de ter mostrado que o homem não é senhor de sua própria casa, que outras forças atuam na sua alma atormentada e, mais importante, se o homem não buscar o Bem, fatalmente estará nos braços do Mal. Como em 1945 (e nos fatídicos anos que lhe antecederam) o mundo está hoje. Com a mesma crise financeira, a desesperança, o desemprego, o emergir de potências hostis poderosas até então inexpressivas. A história está de novo em movimento e os fatores anímicos elementais estão em ação, mesmo que as massas deles não se dêem conta.
Se há uma resposta de Deus a Jó é a mesma que foi dada para mim e para você, meu caro leitor: o homem é a criatura que por ele vela o Deus Misericordioso. Mas o homem precisa descobrir novamente o contato com o transcendente, com o Deus de nossos pais. Precisa ter a humildade de saber que não é capaz de criar. O Criador é só um e o homem não pode substituí-lo. A resposta está dada e é conhecida.
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