quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sonhando com o juiz Douglas

Mídia Sem Máscara

O que creio ser o maior erro do nobre juiz: tratar um concurso público como um sonho dourado, quando é evidente que a grande maioria procura apenas estabilidade financeira, algo muito distante do tal sacerdócio proposto em seu artigo.

A discussão entre o articulista do MSM, Leonardo Bruno, e o juiz federal Willian Douglas, trouxe à tona, ainda que timidamente, o tipo de mentalidade que impregna o já tão degradado imaginário coletivo brasileiro. Na maioria das vezes não se percebe o quão maléfico é tratar um emprego, seja público ou privado, com se fosse um sentido para a vida.

Segundo o magistrado, "passar em concurso traz uma série de prerrogativas e garantias que são boas e atraem candidatos. Em resumo, o Estado, no intuito de atrair bons quadros e também de dotar seus servidores de boas condições para servir ao público, oferece um conjunto de condições que atualmente faz o Estado competir com a iniciativa privada pelos melhores profissionais."

Muito bem, mas é preciso considerar que o Estado, em tese, não tem meios para disputar a mão de obra profissional com o mercado privado. Afinal, também em tese, o Estado é financiado por uma ínfima parte dos lucros privados. Digo em tese porque no Brasil tudo tende a estar de pernas para o ar. O resultado é termos 40% do Produto Interno Bruto tungados via impostos. Parte desse capital, aproximadamente 700 bilhões de reais, é a principal linha de crédito existente. Não há, portanto, a tal competição entre Estado e iniciativa privada pelo simples fato de que, em função do alto número de desempregos, nutridos pela diminuição da capacidade produtiva, o governo acaba se tornando a única fonte de renda disponível para grande parte de profissionais que não encontram condições para produzir riquezas. Assim, na contramão dos países desenvolvidos que remuneram muito mal os seus servidores, comparados com os altos salários do mercado privado, nós brasileiros erguemos nossos pezinhos para o alto, garantindo salários estatais com "prerrogativas e garantias" absurdas, muito superiores ao que uma empresa poderia oferecer a seus funcionários.

Em verdade, qualquer que seja o governo, o Brasil está fadado ao fracasso, embora as propagandas insinuem que o momento econômico nunca fora tão bom. E a culpa é do seu o modelo de gestão que nunca prosperou devido a esse assistencialismo vicioso. Os políticos brasileiros sempre preferiram a gratidão pela esmola do que o respeito pelo trabalho. Rende mais votos e os mantém no poder. Pior para o Brasil que não se envergonha pela genuflexão perante àqueles que têm o poder de aumentar salários e decretar um tipo de Bolsa Servidor.

Porém, a mim parece mais sério quando o juiz Douglas garante não mitificar o serviço público, ao passo que equipara um mero emprego a um sacerdócio; pois bem, divinizar o Estado não é uma forma de misticismo? Ainda que hajam servidores públicos interessados em prestar um bom serviço à sociedade, como atesta o nobre magistrado, não basta o interesse, é preciso, antes de tudo, admitir que não é um servidor público que fará o país ter mais riquezas; não é o servidor público, impotente, que mudará as leis ou imporá uma nova forma de Administração. À parte o romantismo beatífico, na realidade um servidor é, ao menos no Brasil, nada mais do que um mero serviçal que recebe ordens a esperar, nas palavras do juiz Douglas, os "degraus de cima do funcionalismo trabalhar para que os maus servidores sejam extirpados". Só há uma maneira de fazer isso, magistrado: estabelecendo o fim da estabilidade no serviço público, além de enterrar de uma vez por todas esta mentalidade servil que põe todos a olhar para o alto dos prédios públicos esperando que pessoas piores do que nós resolvam os nossos problemas.

Argumenta ainda o juiz Douglas, usando a França como exemplo de prestação de serviços, sem considerar o grandioso problema de gastos públicos que a economia daquele país enfrenta. Algo que chegou ao absurdo de jovens saírem às ruas a sonhar pelo aumento de privilégios na aposentadoria, tendo como um dos princípios, a estabilidade já no primeiro emprego. Outros de seus argumentos alega: (...) "dizer que o funcionalismo não produz renda também é equivocado. Primeiro, porque esta não é nossa função; segundo, porque nossa função contribui de forma indireta para que riquezas sejam produzidas." À parte a sutil contradição da sentença, podemos constatar na realidade que o estado é o maior obstáculo para o desenvolvimento econômico; e isentar os funcionários públicos da ineficiência estatal, jogando a responsabilidade aos políticos, faz demonstrar que, ao contrário do que afirma o senhor Douglas, prestar concurso não é uma das boas opções para a realização de sonhos, já que as aspirações oníricas de um servidor público não ultrapassam os símbolos monetários.

Desta forma, os altíssimos deveres do tal sacerdócio estatal estão fora de cogitação. Então, é razoável colocar como a questão principal saber se, no final das contas, uma mente brilhante se apagaria diante da servidão imposta pelas prerrogativas de um cargo estatal. Contudo, se assim for, não seria isso a esterilização da inteligência do país, tungando-a, tal como se tungam as riquezas nacionais a serem investidas a fundo perdido em ineficiências, corrupções e obras superfaturadas? Porque basta nos dirigirmos a uma repartição pública para facilmente constatar que a sua ineficiência não é dada pela falta de funcionários, mas, sim, pela falta de estrutura básica para que tais serviços possam ser realizados. Como podemos exigir empenho de funcionários em meio a uma desordem causada por papéis inúteis espalhados por todos os lados?; pela falta de equipamentos ou mesmo de um sistema de arquivos digitais que fazem ser preciso o uso de arcaicas máquinas de escrever e carimbos?

Prossigamos na fala do magistrado Douglas: "Um juiz, um fiscal, um policial competente, honesto e eficiente geram muito mais riqueza para o país do que o quanto eles custam." Assim é se considerarmos que o país é apenas o Estado encerrado nas suas burocracias. Burocracia, aliás, que o nobre e premiado juiz parece exaltar, chegando até a propor o estudo das suas origens. Mas não custa lembrar que nem mesmo as apostilas preparatórias para concursos tomam o modelo burocrático como exemplo de eficiência.

Talvez não seja possível excluir o fato de que mais funcionários públicos significa o aumento de gastos com pessoal. A não ser que tiremos da cartola uma nova teoria de produção de riquezas, defender o aumento de gastos com mais serviços públicos é, inevitavelmente, defender aumento de impostos. Pois é custoso ao país remunerar muito bem a prestação de serviços irrisórios que sempre necessitam de mais recursos a serem surrupiados da economia através da expansão dos poderes estatais que, queiramos ou não, são exercidos pelos funcionários públicos.

No entanto, mais importante do que tudo isto é o que creio ser o maior erro do nobre juiz: tratar um concurso público como um sonho dourado, quando é evidente que a grande maioria procura apenas estabilidade financeira, algo muito distante do tal sacerdócio proposto em seu artigo. Talvez fosse mais honesto se os aspirantes a cargos públicos buscassem, no fundo das suas almas, as razões pelas quais são levados a prestar um concurso. Se este é realmente um sonho, uma vontade patriótica de servir o país, muito bem! Mas é forçoso perguntar o que estariam dispostos a sacrificar para vivê-lo? Mas se este sonho é composto tão-somente por uma acomodação através da estabilidade financeira, há duas opções: esquecer o sonho do qual fala o juiz Douglas, e procurar algo melhor a se fazer; ou aceitar a condição de covarde que abandona seus sonhos reais para abraçar uma ideia estúpida da qual se arrependerá pelo resto da vida.

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