quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mitos sobre Martin Luther King

Mídia Sem Máscara

Marcus Epstein | 19 Janeiro 2011
Artigos - Cultura

Como é que um homem que um dia foi malhado pela direita hoje é celebrado como seu herói? A resposta parcial está no fato de que a direita mainstream moveu-se gradualmente para a esquerda desde a morte de King.

Provavelmente não há uma vaca mais sagrada nos Estados Unidos do que Martin Luther King Jr. A mais leve crítica a ele ou mesmo a sugestão de que ele não merece um feriado nacional levam a acusações de racismo, fascismo e todo o resto dos insultos costumeiros da esquerda, não só dos esquerdistas, mas também de muita gente ostensivamente conservadora e libertária.

Isto é espantoso, porque durante os anos 50 e 60, a direita se opunha quase que unanimemente ao movimento por direitos civis. Ao contrário do que afirmam muitos neoconservadores, a oposição não se limitou à Sociedade John Birch e aos conservadores sulistas. Ela foi feita por políticos como Ronald Reagan* e Barry Goldwater e nas páginas da Modern Age, Human Events, National Review, e da Freeman.

Hoje, os movimentos conservador e libertário oficiais retratam King como alguém do nosso lado, que estaria combatendo Jesse Jackson e Al Sharpton se estivesse vivo. A maioria das publicações e sites conservadores trazem artigos, nesta época do ano, louvando King e discutindo como os líderes dos direitos civis de hoje estão traindo seu legado. The Triumph of Liberty [O triunfo da liberdade], de Jim Powell (que, exceto por isto, é excelente), coloca King próximo a Ludwig von Mises e Albert J. Nock como um herói libertário. Quem for a qualquer seminário do Instituto para Assuntos Humanos lerá Uma carta desde a cadeia de Birmingham como uma grande peça de sabedoria anti-racista. A Heritage Foundation tem palestras e simpósios regulares em honra a seu legado. Há quase meia dúzia de think tanks e fundações legais com nomes como "Centro para Oportunidades Iguais" e "Instituto Americano de Direitos Civis", que afirmam ter King como modelo.

Como é que um homem que um dia foi malhado pela direita hoje é celebrado como seu herói? A resposta parcial está no fato de que a direita mainstream moveu-se gradualmente para a esquerda desde a morte de King. O influxo de muitos intelectuais neoconservadores, muitos dos quais estiveram envolvidos no movimento por direitos civis, para o movimento conservador, também contribui para o fenômeno de King. Isto não explica todo o quadro, porque, em muitos assuntos, King estava muito à esquerda até dos neoconservadores e muitos admiradores de King até aderem a princípios como liberdade de associação e federalismo. A principal razão é que eles criaram um Martin Luther King Jr. todo a partir de apenas uma linha do discurso de "Eu tenho um sonho".

Neste artigo, tentarei desfazer os maiores mitos nos quais o movimento conservador incorre a respeito de King. Encontrei muitas das informações para este artigo em I May Not Get There With You: The True Martin Luther King [Talvez eu não chegue lá com vocês: o verdadeiro Martin Luther King], do esquerdista negro Michael Eric Dyson*. Dyson mostra que King apoiava o poder negro, reparações, ação afirmativa e o socialismo. Ele acredita que isto torna King ainda mais admirável. Ele também trata com franqueza de sua promiscuidade e plagiarismo, embora o desculpe. Se você não se importar em ler suas longas discussões sobre o gangsta rap* e coisas do gênero, eu recomendo vivamente este livro.

Mito # 1: King só queria direitos iguais, não privilégios especiais, e teria se oposto à ação afirmativa, quotas, reparações e as outras políticas promovidas pela liderança dos direitos civis de hoje.

Este é provavelmente o mito mais repetido sobre King. Escrevendo na National Review Online, Matthew Spalding, da The Heritage Foundation, publicou um artigo chamado A mente conservadora de Martin Luther King, no qual afirma: "Uma agenda que advogue quotas, contagens raciais e preferências raciais em contratos do governo nos afastam da visão de King."

O problema com esta opinião é que King advogava abertamente quotas e preferências raciais em contratos do governo. Ele escreveu que o "negro hoje não está lutando por direitos abstratos e vagos, mas pela melhoria concreta em seu modo de vida." Quando as leis de oportunidades iguais não conseguiram realizar isto, King buscou outros meios. Em seu livro Where Do We Go From Here [Para onde vamos, a partir daqui], ele sugeriu que "Uma sociedade que fez algo de particular contra o negro durante centenas de anos deve agora fazer algo de particular por ele, para prepará-lo para competir em pé de igualdade." Para fazer isto, ele expressou apoio por quotas. Em uma entrevista de 1968 à Playboy, ele disse: "Se uma cidade tem uma população de 30% de negros, então é lógico supor que os negros deveriam ter pelo menos 30% dos empregos em qualquer companhia em particular e empregos em todas as categorias, ao invés de apenas em atividades humildes." E King falava sério quando disse isto. Atuando por meio de sua Operação Celeiro, King ameaçou boicotar as empresas que não contratassem negros em proporção a sua população.

King foi até um dos primeiros a propor reparações. Em seu livro de 1964, Why We Can't Wait [Por que não podemos esperar], ele diz:

Nenhuma quantidade de ouro poderia servir como compensação adequada à exploração e humilhação do negro na América ao longo dos séculos... Entretanto, pode-se fixar um preço por salários não-pagos. O antigo direito comum sempre ofereceu um remediamento pela apropriação do trabalho de um ser humano por outro. Dever-se-ia fazer este direito se aplicar aos negros americanos. O pagamento deveria ser feito na forma de programas maciços do governo, envolvendo medidas especiais e compensatórias, que seriam consideradas como um acordo em concordância com a prática aceita do direito comum.

Prevendo que os críticos observariam que muitos brancos eram igualmente desamparados, King afirmou que seu programa, que ele chamou de "A Carta de Direitos dos Desamparados", também ajudaria os brancos pobres. Isto porque, quando os negros pobres recebessem reparações, os brancos pobres perceberiam que seus verdadeiros inimigos eram os brancos ricos.

Mito # 2: King foi um patriota americano, que tentou fazer os americanos corresponderem às expectativas de seus ideais fundadores.

Na National Review, Roger Clegg escreveu que "Talvez tenha havido um breve momento no qual houve algo como um consenso nacional -- uma visão eloquentemente articulada no discurso "Eu tenho um sonho", de Martin Luther King, com profundas raízes no Credo Americano, quintessenciado em nosso lema nacional E pluribus unum. A maioria dos americanos ainda o compartilha; mas nem todos, absolutamente." Muitos outros conservadores adotaram esta idéia de um Credo Americano que foi fortalecido por Jefferson e Lincoln e depois consumado por King, libertários como Clint Bolick e neoconservadores como Bill Bennet.

Apesar de suas constantes invocações à Declaração de Independência, King não tinham lá muito orgulho da fundação da América. Ele acreditava que "nossa nação nasceu pelo genocídio" e afirmou que a Declaração de Independência e a Constituição não significavam nada para os negros, porque elas foram escritas por proprietários de escravos.

Mito # 3: King era um ativista cristão, cuja luta por direitos civis é semelhante às batalhas lutadas pela direita cristã hoje.

Ralph Reed afirma que "o gênio indispensável de King" trouxe "a visão e a liderança que renovaram e tornaram cristalinas as conexões vitais entre religião e política." Ele admitiu com orgulho que a Coalizão Cristã "adotou muitos elementos do estilo e táticas de King." O grupo pró-vida Operação Resgate muitas vezes comparou sua luta contra o aborto com a luta de King contra a segregação. Em um discurso intitulado "As virtudes conservadoras do Dr. Martin Luther King", Bill Bennet descreveu King como "antes de tudo, não um ativista social, mas sim um ministro da Fé Cristã, cuja fé informou e dirigiu suas crenças."

Tanto as posições públicas quanto o comportamento pessoal de King tornam discutível a comparação entre ele e a direita religiosa.

A vigilância do FBI mostrou que King teve dezenas de casos extraconjugais. Embora muitos dos documentos pertinentes estejam lacrados, muitos agentes que o vigiaram observaram-no em muitos atos questionáveis, incluindo o agenciamento de prostitutas com dinheiro da Conferência da Liderança Cristã do Sul. Ralph Abernathy, que King chamou de "o melhor amigo que eu tenho no mundo," corroborou muitas destas acusações em sua autobiografia And the Walls Came Tumbling Down [E ruíram-se as mulhas]. É verdade que a vida privada de um homem é sobretudo um assunto seu. Entretanto, a maioria dos conservadores condenou com veemência Jesse Jackson quando surgiu a notícia de seu filho ilegítimo e afirmaram que ele não estava qualificado para ser pastor.

King também assumiu posições com as quais a maioria na direita cristã discordaria. Quando indagado sobre a decisão da Suprema Corte de proibir a oração nas escolas, King respondeu:

Eu endosso. Acho que foi correto. Ao contrário do que muito possam ter dito, ela não procurou ilegalizar nem a oração nem a crença em Deus. Em uma sociedade pluralista como a nossa, quem é que pode determinar que oração será dita e por quem? Legalmente, constitucionalmente e como quer que seja, o estado certamente não tem este direito.

Embora King tenha morrido antes da decisão do caso Roe vs. Wade e, até onde sei, não tenha feito comentários sobre o aborto, ele foi um apoiador fervoroso da Planned Parenthood. Ele até ganhou seu prêmio Margaret Sanger, em 1966, e fez sua esposa dar um discurso intitulado Planejamento familiar - Uma preocupação particular e urgente, por ele escrito. No discurso, ele não comparou o movimento por direitos civis à luta dos cristãos conservadores, mas disse, sim, que "há uma impressionante semelhança entre nosso movimento e os primeiros esforços de Margaret Sanger*"

Mito # 4: King era um anti-comunista.

Em um outro artigo sobre Martin Luther King, Roger Clegg, da National Review, cumprimenta King por denunciar a "opressão do comunismo!" Para ganhar o apoio de muitos brancos esquerdistas nos primeiros anos, King de fato fez algumas leves denúncias do comunismo. Ele também afirmou, em uma entrevista de 1965 à Playboy, que "há tantos comunistas neste movimento quanto há esquimós na Flórida." Esta foi uma mentira deslavada. Embora King nunca tenha sido um comunista e tenha sempre sido um crítico da União Soviética, ele havia se cercado conscientemente de comunistas. Seu conselheiro mais próximo, Stanley Levison, era um comunista, assim como seu assistente Jack O'Dell. Robert e depois John F. Kennedy repetidas vezes o admoestaram a que parasse de se associar com subversivos como estes, mas ele nunca fez isto. Ele frequentemente falava para grupos de fachada comunistas, como a Guilda dos Advogados Nacionais e os Advogados pela Ação Democrática. King até participou de seminários na Escola Highlander Folk, que ensinava táticas comunistas, usadas por ele posteriormente.

A oposição de King ao comunismo bem pode ter contribuído para sua oposição à Guerra do Vietnã, que ele caracterizou como uma guerra racista, imperialista e injusta. King afirmou que os Estados Unidos "tinham cometido mais crimes de guerra do que qualquer nação no mundo." Embora reconhecesse que a Frente de Libertação Nacional* "pudesse não ser um paradigma de virtude", ele nunca os criticou. Entretanto, ele era bastante duro com Diem* e o Sul. Ele negava que a FLN fosse comunista e acreditava que Ho Chi Minh* deveria ser o governante legítimo do Vietnã. Como um globalista engajado, ele acreditava que "nossas lealdades devem transcender nossa raça, nossa tribo, nossa classe, nossa nação. Isto significa que devemos desenvolver uma perspectiva global."

Muitos admiradores conservadores de King não têm nenhum problema em chamarem qualquer um que questione a política externa americana de um "agente da quinta coluna." Embora eu pessoalmente concorde com King em algumas de suas posições sobre o Vietnã, é hipocrisia dos que ainda estão tentando processar Jane Fonda por sedição aplaudirem ele.

Mito # 5: King apoiava o livre-mercado.

Eu sei: não se costuma ouvir muito isto, mas acontece. Por exemplo, o padre Robert A. Sirico submeteu um artigo ao Acton Institute intitulado Direitos civis e cooperação social. Lá, ele escreveu:

Uma economia mais livre nos levaria para mais perto dos ideais dos pioneiros do movimento por direitos civis deste país. Martin Luther King, Jr. reconheceu isto, quando escreveu: "Com o incremento das atividades econômicas, o modo de vida dos brancos vai desaparecer," e ele previu que tal crescimento "aumentaria o poder de compra do negro [, o qual, por sua vez] resultaria em uma melhoria do serviço de saúde, maiores oportunidades educacionais e melhor moradia. Todos estes acontecimentos resultarão em um enfraquecimento ainda maior da segregação."

King, é claro, era um grande oponente da economia livre. Em um discurso para seu pessoal, em 1966, ele disse:

Não se pode falar em resolver o problema econômico do negro sem se falar em bilhões de dólares. Não se pode falar de acabar com as favelas sem primeiro dizer que se deve lucrar com as favelas. Aí se está mexendo com algo realmente delicado e pisando em um terreno perigoso, porque aí se está criando problemas com a comunidade. Está se criando problemas com os chefes da economia... Agora, isto significa que estamos em águas difíceis, porque isto significa mesmo que estamos dizendo que algo está errado... com o capitalismo... Deve haver uma melhor distribuição da riqueza e talvez os Estados Unidos devam ir na direção de um socialismo democrático.

King pregava a "total reconstrução do sistema", de um modo que não fosse nem capitalista nem "a antítese do comunismo." Para maiores informações sobre as opiniões econômicas de King, veja A Economia de Martin Luther King Jr., no LewRockwell.

Mito # 6: King era um conservador.

Como todos os mitos anteriores mostram, as opiniões de King dificilmente seriam conservadoras. Como se não bastasse, vale a pena observar que o que King disse sobre os dois mais proemintes políticos conservadores americanos do pós-guerra, Ronald Reagan* e Barry Goldwater*.

King acusou Barry Goldwater de "hitlerismo." Ele acreditava que Goldwater advogava um "nacionalismo estreito, um isolacionismo paralisante e uma atitude de confrontação." Nas questões domésticas, ele sentia que o "Sr. Goldwater representava um conservadorismo irrealista que estava totalmente fora de contato com as realidades do século XX." King disse que as posições de Goldwater sobre os direitos civis eram "moralmente indefensáveis e socialmente suicidas."

Sobre Reagan, King disse: "Quando um artista de Hollywood, que não tem atrativos sequer como ator, consegue se tornar um destacado candidato do tipo falcão de guerra para a presidência, só as irracionalidades induzidas pela psicose de guerra podem explicar um tal curso dos eventos."

Apesar das duras críticas de King a estes homens, ambos apoiaram o feriado de King. Goldwater inclusive lutou para manter os arquivos do FBI, que continham informações sobre sua vida sexual adúltera e suas ligações comunistas, lacrados.

Mito # 7: King não foi um plagiário.

Eu sei: nem mesmo o grosso dos neocons não vai negar isto, mas ainda assim eu acho que vale a pena levantar a questão, porque eles todos a ignoram. King começou a plagiar quando ainda estava na graduação. Quando a Universidade de Boston fundou uma comissão para investigar o assunto, eles descobriram que 45 por cento da primeira parte e 21 por cento da segunda parte de sua tese era roubada, mas insistiram que "não se deveria nem pensar em impugnar o título de doutorado do Dr. King." Além de sua tese, muitos de seus maiores discursos foram plagiados, como foram muitos de seus livros e escritos. Para mais informações sobre o plagiarismo de King, A Página do Plagiarismo de Martin Luther King e Plagiarismo e a Guerra Cultural, de Theodore Pappas, são excelentes recursos.

Quando confrontados com estes fatos, a maioria dos fãs conservadores e libertários de King ou diz que eles não fazem parte de sua principal filosofia ou, normalmente, eles simplesmente os ignoram. Pouco antes de o feriado de King ter sido oficialmente criado, o governador Meldrim Thompson, de New Hampshire, escreveu uma carta a Ronald Reagan, expressando preocupações em relação à moralidade de King e suas ligações comunistas. Ronald Reagan respondeu: "Eu tenho as mesmas reservas que você, mas a percepção de muitíssimas pessoas está baseada em uma imagem, não na realidade. Na verdade, para elas, a percepção é a realidade."

Muitíssimos na direita estão idolatrando esta percepção. Ao invés de encararem a realidade a respeito das opiniões de King, eles criam um homem baseado em umas poucas linhas que falam sobre julgar os homens "pelo conteúdo de seu caráter, não pela cor de sua pele" - algo que não devemos fazer em seu caso, claro - ao mesmo tempo em que ignoram todo o mais que ele disse e fez. Se King é de fato uma figura admirável, eles prestam um desserviço a seu legado, ao usarem seu nome para promover uma agenda que ele claramente não teria apoiado.


Marcus Epstein [
escreva para ele] é aluno de graduação no College of William and Mary , em Williamsburg, no Vermont, onde é presidente do grupo College Libertarians e editor de um jornal conservador, The Remnant.

Marcus Epstein: LewRockwell, 18 de janeiro de 2003

Original: Myths of Martin Luther King

Tradução e links*: Dextra

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