Mídia Sem Máscara
Marcus Boeira | 18 Janeiro 2011
Artigos - Conservadorismo
Falar da importância da monarquia para os países que não desataram seus laços com a começo é "chover no molhado". Para as democracias coroadas, o rei evoca um passado atualizado diuturnamente na alma concreta dos homens comuns.
As monarquias cristãs, na fórmula da fides et imperium, representam os regimes políticos mais permanentes de toda história da civilização ocidental. De fato, já com o Império romano cristianizado, percebia-se uma estruturação simbólica dos níveis de representação dos cosmos articulada de forma harmoniosa: o Papa enquanto representante espiritual de Deus e o Rei, representante do poder temporal, na esteira de Rm 13, 1.
Destarte, é também salutar que ambas as representações simbólicas eram, de fato, decorrentes de duas perspectivas: primeiro, na base da sacralização das instituições representativas; segundo, do fato de que as duas representações correspondiam à existência humana na história e na sociedade. É dizer: o Papa, enquanto autoridade espiritual sobre todo o orbe católico era também o chefe da instituição entendida como corpo místico de Cristo, como manifestação do eterno no plano temporal. Então, é a partir da imortalidade da alma humana e, assim, da substância espiritual do ser humano que se apóia a missão apostólica da Igreja como instituição espiritual voltada para a salvação dos homens.
Por outro lado, é também o rei um representante simbólico da ordem transcendente, ainda que o seja segundo o consentimento da res publica - de acordo com a tradição. Dessa maneira, Igreja e Império, e mais tarde- já à época dos reinos bárbaros- Igreja e Reino, constituem as formas políticas genuinamente ocidentais, na acepção mais originária do desenvolvimento de nossa civilização.
Por isso, desde os tempos bárbaros até o surgimento do Estado burocrático moderno e a conseqüente despersonalização do poder institucional, assiste-se à permanência de sistemas políticos estáveis e que, passo a passo, foram distribuindo cada vez mais o poder. Muitos desses sistemas políticos, seguindo os gênios de Aristóteles e Políbio, transformaram-se em regimes políticos mistos, articulando a estabilidade da monarquia com a operacionalização funcional da aristocracia e com a legitimação política da politia (erroneamente chamada de democracia por boa parte da ciência política atual).
Então, muitos dos reinos que se desenvolveram nesse período, segundo a fórmula fides et regnum, demonstraram ser regimes políticos estáveis, ordenados, equilibrados e sedimentados segundo o consentimento popular pela figura da autoridade civil do Rei.
É que, no corpo místico de Cristo, os reis representavam o ápice da dimensão social e política, personificando a divina providência temporal na regência da comunidade e na conservação da ordem pública. Por isso, eram eles figuras elementares, dotadas de uma representação que se fundava para além da mera opinião do homem comum, pois que se radicava na própria verdade constitutiva do cosmos segundo a tradição cristã.
Quando autores atuais dizem - contraditoriamente - que a origem da democracia está ou na Grécia ou na modernidade ilustrada, demonstram desconhecer o verdadeiro berço da soberania popular. Sim, pois se nos reinos bárbaros- não todos, mas boa parte deles-, já encontramos a noção da legitimidade política do rei segundo o assentimento do povo, então podemos dizer que a origem histórica de nossa democracia ocidental- pelo menos em sua acepção institucional, já que sob o ponto de vista material ela já existia em Israel, como comprovara Eric Voegelin- está nas formas políticas da Alta Idade Média.
E, portanto, é possível detectar que as democracias institucionalizadas, tais como às conhecemos hoje, foram viabilizadas com base nas monarquias do medievo.
Quando João Camilo de Oliveira Torres descreve nossa "Democracia Coroada", intitulando assim sua excepcional teoria política do Império do Brasil, está também expressando uma "tradição". Tradição essa consolidada na herança de nossa civilização ocidental e na fórmula fides et regnum.
Menos por modismo, mais por substancialização da história ocidental, as monarquias democráticas, ou democracias coroadas da atualidade, não são formulações políticas atuais nem modernas. Antes, demonstram regimes mistos que permaneceram ao longo de nossa história. Formam o legado permanente de um passado que se mescla ao novo. Uma tradição no sentido original da traditio: passar à diante, de geração em geração. Uma "imortalidade da alma popular" representada não apenas por símbolos, mas por "instituições". Uma manifestação da substância da história nas suas acidentalidades. Ou, para falar com Ortega y Gasset, um sentido executivo daquilo que é em si: a radicalidade do real manifestada na comunidade política.
Portanto, falar da importância da monarquia para os países que não desataram seus laços com a começo é "chover no molhado". Para as democracias coroadas, o rei evoca um passado, atualizado diuturnamente na alma concreta dos homens comuns. Seu consentimento, advindo do povo e de Deus, mostra que o rei é a própria mística revelada politicamente: a alma de uma nação personificada na prudência política, nas virtudes, no caráter e na honra do mesmo.
Ainda que nada "faça" (pois sua função não é ativa, mas representativa- já que ele não é governo, mas chefe de Estado), o rei é pedra angular, peça fundamental do corpo político. Elo entre todas as partes. Reina e não governa, como diria Jaume Balmes. Última instância da estrutura institucional. A monarquia, assim, nos moldes do coroamento democrático atual, é regime de poder que, melhor do que os demais, articula de forma estável e equilibrada o consenso e o conflito, a cooperação e o dissenso, a concórdia política e a discórdia social.
Uma ode à Monarquia, na sua morfologia popular!
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