SÚMULA VINCULANTE - JACY MENDONÇA
Jacy de Souza Mendonça
A legislação processual brasileira, tanto cível quanto penal, inspira-se, de forma exagerada, no princípio demagógico dos legisladores segundo o qual é necessário acautelar-se contra decisões contrárias aos interesses dos hipossuficientes que, neste caso, seriam os réus cíveis ou criminais, assegurando-lhes proteção absoluta.
Com este propósito, em lugar de simplesmente dar-lhes a proteção que merecem, assegurando-lhes condições para um julgamento justo, decidiram os legisladores conceder-lhes sempre uma oportunidade a mais de recurso quando a decisão judiciária lhes seja desfavorável. Um velho e monstruoso artigo do Código de Processo Penal que evidenciava esse absurdo foi recentemente revogado ele assegurava ao réu o direito a novo julgamento pelo Tribunal do Júri apenas porque, no julgamento anterior, a pena aplicada fora muito elevada...
Como todos os benefícios legais são, pelo princípio da analogia, imediatamente extensivos aos reclamantes da Justiça do Trabalho, também estes foram beneficiados pelo sistema de recursos infindáveis e como o Poder Público, embora não incluído na categoria dos hipossuficientes, é o autor das regras e indiscutivelmente o mais forte, passou a beneficiar-se também do direito de recorrer ad infinitum e é exatamente ele quem hoje mais abusa do direito de recorrer sempre e sempre, com ou sem razão, apenas para ganhar tempo e retardar o cumprimento de suas obrigações. É dele, por isso, o maior número de processos que poluem os Cartórios e os gabinetes de juízes.
Como, para cada decisão judicial há pelo menos um recuso (o que evidentemente não está errado), mas, como às vezes há vários recursos disponíveis, os processos não terminam nem podem terminar. O Poder Judiciário, obrigado a cumprir a lei, suporta, então, a pecha de moroso e os interessados queixam-se de processos judiciais, realmente intermináveis. Os juízes, por sua vez, sabem que suas decisões nunca são definitivas são apenas um degrau a mais na longa escalada da tramitação processual que normalmente chega até os Tribunais superiores. Alguns juízes preocupam-se, por isso, muito mais com a beleza de seu texto, que lhes dará crédito na promoção dentro da carreira, do que com a efetiva realização da justiça no caso concreto. Todos os julgadores, enfim, ante o dilema de comprometer a qualidade de suas decisões ou a celeridade processual, optam normalmente, em razão da dignidade funcional, por privilegiar a qualidade. Mesmo assim, não podem dedicar o tempo necessário a questões graves e novas, pois são obrigados a repedir decisões padronizadas em massacrante número de processos que forram as prateleiras de seus gabinetes de trabalho. Um dos recursos adotados por muitos deles para não comprometer a celeridade do processo consiste em confiar cegamente no trabalho preparatório (às vezes mais do que preparatório) de assessores.
Ao Poder Legislativo falta coragem para modificar esta situação, pois o parlamentar que propusesse algo com tal propósito certamente jamais seria reeleito. De seu lado, o Poder Judiciário não protesta por entender que seu dever é apenas cumprir a lei, não discuti-la é obrigado, no entanto, a procurar paliativos para as terríveis conseqüências da aplicação do princípio demagógico da política recursal. É entre estes que surgem a súmula vinculante e a repercussão geral das decisões de natureza constitucional. O objetivo destas medidas é sadio e elogiável: reduzir ou eliminar a repetição de recursos procrastinadores sobre matéria idêntica à discutida em recursos já decididos em última instância, ganhando, em conseqüência, mais tempo para acelerar a tramitação dos demais processos, pois não é, de fato, lógico nem produtivo abarrotar as mesas dos magistrados com recursos idênticos, de fins meramente protelatórios, que necessariamente serão julgados de forma também idêntica, mas que prejudicam a decisão de recursos necessários.
Súmula vinculante e repercussão geral das decisões constitucionais não são, portanto, mecanismos processuais saudáveis são somente remédios que não podendo corrigir uma falha legislativa, visam a minimizar seus efeitos maléficos.
Várias são, por certo, as conseqüências negativas desse sistema. Do ponto de vista do recorrente, ao obstar as práticas processuais meramente protelatórias de alguns, impede-se o julgamento mais justo daqueles que efetivamente tenham novos argumentos sobre o tema, capazes até de alterar a reiteração decisória. Para os juízes de instância inferior, obsta-se a inovação decisória, a adoção de novos critérios e argumentos, pois a decisão que contrarie o posicionamento anterior do Tribunal nem será lida pelos juízes superiores. Para o sistema jurídico, assim, trata-se de uma estratificação, de uma paralisia da reflexão judicante. Finalmente estes remédios não deixam de ser uma desmoralização para os juízes de instâncias inferiores, aos quais só resta repetir, como papagaios, os julgados dos Tribunais superiores, ainda que não concordem com eles...
São, portanto, muitos e muito graves os defeitos das súmulas vinculantes. Esta é, entretanto, a única forma disponível para mitigar os inegáveis defeitos de uma legislação processual absurda que, levada por demagógicas motivações políticas, tornou o Poder Judiciário brasileiro compulsoriamente tardo, ineficiente e injustamente mal-afamado.
A reforma mais urgente que o Poder Judiciário espera lhe seja feita pelo Parlamento é, por isso, relativa à política recursal, eliminando-se a infinidade atual dos recursos e possibilitando, em conseqüência, a extinção das súmulas vinculantes e da repercussão geral obrigatória das decisões constitucionais.
O autor é ex-Presidente do Instituto Liberal de SP, Professor de (Filosofia do) Direito da PUC/SP e da UNICAPITASL
http://www.heitordepaola.com/publicacoes_materia.asp?id_artigo=327
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