sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Culpa política e o mito da salvação patrocinada pelo governo

Mídia Sem Máscara

10 outubro 2008
Editorias - Economia, Estados Unidos, Livre iniciativa

Fico assustado ao ouvir políticos fazendo o “jogo da inculpação”. Aqueles que culpam a outros pelos problemas nacionais estão tentando canalizar o ódio de seus ouvintes para uma pessoa em particular. Na maioria das vezes, a pessoa alvo já é impopular. Portanto, fica fácil e seguro despejar tudo à porta dessa pessoa, dizendo que ele é culpado, que ele deveria ser punido, que um ódio especial deve ser associado ao nome dele. A salvação do país, portanto, é promovida pelo vilipêndio, pela difamação. Este é um método absurdo e que prepara o caminho para políticas desastrosas. Neste momento vemos que o presidente George W. Bush ou o vice-presidente Dick Cheney são os bodes expiatórios da hora. Quando a Grande Depressão estava em curso, várias décadas atrás, o presidente Herbert Hoover foi escolhido para ser o culpado. Na Alemanha, os nazistas gostavam de culpar os judeus, que ainda são considerados culpados dos males do mundo por líderes islâmicos. O primeiro-ministro russo Vladimir Putin gosta de culpar os Estados Unidos pelos problemas econômicos mundiais, ainda que o Kremlin tenha sempre adotado a estupidez como questão de princípio de estado.

Na atual crise financeira envolvendo Wall Street, as pessoas tendem a culpar a “ganância”. Aqueles que adotam essa postura podem ter alguma razão, mas também correm o risco de cometer um erro; porque, para começar, foi o desejo individual de acumular riqueza que criou tanta riqueza. Foi a “ganância” de Wall Street que tornou a Main Street [1] tão próspera. Se não fossem os especuladores [2] e o sistema de “ganância financeira”, atualmente denunciado violentamente, a maioria dos americanos ainda estaria arando poeira em fazendolas.

De acordo com a noção de Adam Smith da “mão invisível”, o egoísmo financeiro (também conhecido como “ganância”) é uma força positiva numa economia livre. Numa das mais célebres passagens de um dos livros de Smith, An Inquiry Into the Nature and Cause of the Wealth of Nations, [Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, mais conhecido simplesmente como A riqueza das nações], lemos: [o negociante] pretende obter apenas o seu próprio ganho, e nisto ele é, tanto quanto em muitos outros casos, guiado por uma mão invisível na promoção de um fim que não era parte de sua intenção. E nem é o pior para a sociedade o fato de que esse fim não fazia parte daquela intenção. Ao perseguir seus próprios interesses ele freqüentemente promove aquele da sociedade mais eficazmente do que quando ele realmente pretende promovê-lo. “Eu nunca soube de bem relevante feito por aqueles que aparentavam negociar pelo bem público”.

Adam Smith também explica que os políticos não podem promover o bem-estar de um país como poderíamos imaginar. Tentativas de intervir no mercado são, na melhor das hipóteses, arriscadas. Smith escreveu: “O político que tentasse dirigir as pessoas quanto à maneira que estas deveriam empregar seu capital, não apenas se sobrecarregaria de um cuidado muitíssimo desnecessário, como assumiria uma autoridade que não poderia ser confiável a nenhuma pessoa em particular, a nenhum conselho ou senado de qualquer espécie, e que não estaria em lugar tão perigoso quanto nas mãos de um homem que fosse insensato e presunçoso o suficiente a ponto de se imaginar capaz de fazê-lo”.

De súbito, vem à mente o Secretário do Tesouro Henry Paulson. Ele é o homem que seria o salvador de Wall Street, sentado no topo de uma enorme pilha de dinheiro do governo para comprar a “dívida tóxica” do sistema financeiro. Nós deveríamos considerar improvável que alguém pudesse enganar a si mesmo a ponto de se imaginar como o “salvador” do mercado. É um axioma fundamental o fato de que o governo não pode salvar o mercado porque o governo não possui conhecimento adequado. O mercado funciona precisamente porque o conhecimento econômico é descentralizado; e o mercado permite que esse conhecimento descentralizado se torne eficaz. Quando os atores do mercado cometem erros, apenas o mercado pode corrigi-los. Somente permitindo que os mercados funcionem é que pode aparecer a solução real. Os formuladores de decisões centralizadas que imaginam uma solução, que pensam que sabem o que está acontecendo na economia, estão fazendo papel de tolos. A economia é grande demais para os seus recursos. Eles não podem realizar o que propõem. O erro que cogitamos hoje está na linha do wishful-thinking. Simplificamos o problema da economia de tal modo que já prevemos um plano de regaste específico. Mas atentem para a falta de especificidades no plano. Onde está a ciência econômica? O que há, apenas, em primeiro e último lugar, é um funcionário com um mandato de US$700 bilhões – e órgãos de “supervisão” tipicamente ignorantes.

Nossos líderes financeiros cometeram erros clamorosos, um após o outro, com a arrogante autoconfiança de que poderiam desprezar os ensinamentos econômicos e escapar do maior ciclo de expansão e contração jamais visto. E agora, esta mesma geração imagina que o governo pode evitar que a expansão se converta em contração. Eles apontam para o caso da Suécia, onde o governo interveio para salvar a economia sueca da ruína. Enquanto é verdade que o governo sueco represou a maré de pânico, a economia do país foi, em última instância, trazida de volta à tona pelas tomadas de decisão descentralizadas do mercado. Um governo pode, no máximo, ter a sorte de estancar o pânico numa economia que seja, de todo modo, saudável. Todavia, não pode parar uma contração financeira quando bolhas começam a se romper no limiar de uma recessão global.

É preciso lembrar que os Estados Unidos são o grande mercado, a grande conexão da economia mundial. O dólar americano é a moeda de reserva mundial. Não há prosperidade global que possa trazer de volta à tona a prosperidade econômica americana que ora submerge. Se os Estados Unidos sofrerem golpe após golpe, então a economia mundial será forçada a se ajustar. Não é uma questão de deter o pânico. A psicologia dos americanos há muito se fortaleceu contra o pânico. O consumidor irá cortar as compras. Nós já podemos ver isso acontecendo, e nenhum pacote de resgate financeiro irá persuadir o consumidor de que ele deve continuar seu consuma a crédito. Ele simplesmente não pode fazê-lo; a compreensão disso já começou a manifestar-se. Não há volta. O conhecimento descentralizado da economia, que é a chave para a futura prosperidade, começou a fazer sua própria correção. Aquilo que é insustentável não será sustentado. O governo pode apenas obscurecer o assunto ao movimentar dinheiro do contribuinte para o mercado, ao transferir riqueza de um conjunto de atores para outro.

O erro de culpar atores específicos pelos problemas traz consigo um grande perigo. É o perigo de creditar a solução a atores específicos. Aqueles que culpam o Presidente Bush são apenas o outro lado daqueles mesmos que creditam a solução ao Secretário do Tesouro Paulson. Na realidade, o problema aconteceu porque ocorreram falsas avaliações de mercado durante um período de inflação de crédito. Isoladamente, nenhuma pessoa ou agência podem resolver o problema. Apenas o mercado possui o conhecimento, isto se ao mercado for permitido funcionar sem a ofuscação introduzida por regulamentações governamentais inapropriadas e pelo mito da salvação patrocinada pelo governo.

© 2008 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: MSM

Nota da Redação:

Em artigos de Thomas Sowell e João Luiz Mauad publicados recentemente pelo MSM, surge a grande pista que aponta, se não a culpa, a responsabilidade política pela origem da bolha imobiliária americana: as profundas alterações que a Community Reinvestment Act [Lei de Reinvestimento na Comunidade] sofreu logo no início (1993) do primeiro mandato de William Jefferson Clinton, o popular Bill Clinton. Num longo, mas muito esclarecedor artigo publicado pela revista inglesa The Spectator em 01/10/08, o jornalista inglês Dennis Sewell diz com todas as letras: a culpa é dos democratas de Clinton. Ele demonstra os esforços de um grande e fanático grupo de ativistas-engenheiros sociais, liderados por Roberta Achtenberg, uma advogada e ativista dos direitos dos homossexuais em São Francisco, que mudaram radicalmente os outrora rígidos critérios de concessão de empréstimos imobiliários. Clinton a nomeou Secretária Assistente para a Moradia Justa (sic) e Oportunidades Iguais do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano [Department of Housing and Urban Development – HUD].

A política de Clinton era de ampliar enormemente o acesso das chamadas minorias ao crédito imobiliário. Roberta Achtenberg logo tratou de estabelecer escritórios ao redor dos Estados Unidos, cuja função seria a de fiscalizar a aplicação da “nova” lei, mas que, na prática, trataram de táticas de coação e chantagem. Tais escritórios tinham seu staff composto por advogados ativistas e investigadores. Primeiramente, os bancos imobiliários, e depois também os bancos comerciais, se viram em face de numerosos e rumorosos processos judiciais (aqui entra em cena a pressurosa colaboração de Janet Reno, a ministra da Justiça de Clinton) que os acusavam de práticas discriminatórias de todo tipo. Além das custas processuais crescentes, da publicidade negativa, os bancos recebiam insistentes convites da Casa Branca clintoniana para que “cooperassem”.

Além disso, a própria lei (CRA- Community Reinvestment Act) estabelecia um critério de notas para os bancos que concedessem empréstimos imobiliários conforme as diretrizes governamentais. Dependendo da nota que um banco obtivesse, teria ou não permissão para fusões, aquisições ou a simples abertura de uma nova agência. Os tais critérios inicialmente exigiam que o tomador do empréstimo depositasse apenas três por cento (3%) do valor do mesmo. Depois, esse valor foi rebaixado para zero (0%) de entrada. Num ambiente econômico de expansão de crédito, os bancos cederam e a bolha imobiliária veio a estourar quinze anos depois de ter sido planejada como ação de “justiça social”.

Dennis Sewell faz questão de isentar George W. Bush quanto à responsabilidade pelo atual estado de coisas, pois Bush teria tentado reverter ou modificar mais de uma vez os critérios da CRA. Uma vez que Sewell não é americano, nem republicano e muito menos uma Ann Coulter, a sua defesa de Bush ganha mais força. Todavia, há alguns detalhes que ele não menciona no artigo e que levam a algumas indagações: durante seis dos oitos anos dos dois mandatos de Bill Clinton, a maioria no Congresso americano (Câmara e Senado) era republicana. Onde estava essa maioria republicana que não viu ou não percebeu o que estava acontecendo? Se Clinton, que teve maioria durante apenas dois anos (1993-94) conseguiu introduzir modificações profundas numa lei já existente (de 1977), o que não poderia ser feito em seis anos? Mais ainda: com pequenas oscilações no Senado, George W. Bush teve maioria de 2001 até boa parte do ano de 2007. Assim, os republicanos tiveram algo em torno de doze (12) anos para modificar uma lei. A partir de 2001 é possível argumentar que os ataques de 11 de setembro, a campanha no Afeganistão, a guerra no Iraque, possam ter desviado a atenção dos republicanos. Mas nos anos Clinton, as únicas grandes desculpas ou distrações levam o nome de Monica Lewinsky e impeachment (este, tampouco consumado). E há mais um agravante: o candidato republicano John McCain é senador republicano desde 1986 e ainda assim não foi capaz de (ou não quis) rebater Barack Hussein Obama, quando este, no debate do último dia 07/10, atribuiu a Bush toda a culpa pela crise. Hoje, no que diz respeito à crise financeira, McCain não parece ter outra coisa a propor a não ser mais intervenção e ajuda estatal.

Quando Richard Nixon declarou, em 1972, que “agora somos todos keynesianos”, pode não ter dito uma coisa boa, mas bem pode ter dito uma triste verdade. O que resta é a constatação de que os verdadeiros conservadores americanos estão, ou sempre estiveram, muito, muito longe do poder.

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