Mídia Sem Máscara
27 outubro 2008
Editorias - Cultura, Economia, Política
Em seu livro-denúncia “Ilícito - o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global” (Zahar Editora, Rio, 2006, R$ 49,90), Moisés Naim, com a autoridade de quem já dirigiu o Banco Mundial, afirma textualmente: “Em alguns países, traficantes e seus cúmplices controlam partidos, são donos de jornais ou estão entre os principais filantropos, escondidos por trás de ONGs. Quando seus negócios são grandes e estáveis, as redes de tráfico fazem o que tendem a fazer as grandes empresas: diversificam as atividades e investem em política”.
Senso crítico aguçado, Naim considera, com riqueza de dados e informações, que, no mundo globalizado, “uma das grandes tendências é a politização do crime e a criminalização da política. Criminosos se transformam em políticos, do mesmo modo que governantes se transformam em mafiosos. No México, militares que estavam envolvidos no combate às drogas foram detidos porque faziam parte das quadrilhas. No Peru, Vladimiro Montesinos, chefe da Inteligência, tinha vínculos com o tráfico de armas. O presidente da Lituânia, Rolandas Paksas, foi preso porque era cúmplice de um grupo mafioso. É impossível que haja uma indústria desse tamanho, com tal sofisticação, sem que as autoridades sejam cúmplices”.
Já é lugar-comum afirmar que o porte da indústria do crime organizado é colossal e sem fronteiras. Pois ele atua e se expande em circuito planetário, abocanhando, comprovadamente, cerca de um quarto da economia mundial. Com efeito, não só na Rússia, Japão, Estados Unidos, Itália, Brasil, etc., as máfias, com seus métodos abrangentes e dissuasivos, operam em larga escala nos mais variados negócios, a saber: tráfico de drogas e órgãos humanos, armas sofisticadas, falsificação e lavagem de dinheiro, prostituição, contrabando, jogos ilegais, seqüestros, fraudes, extorsão ou qualquer tipo de atividade que possa envolver lucro e poder.
Alguns especialistas - entre eles, Carlo Lizzani, em “Os Italianos” (Civilização Brasileira, Rio, 1965) - sugerem que a Máfia nasceu como um fato político à sombra da reação dos habitantes da Sicília contra os sucessivos invasores que ocuparam a ilha do Mediterrâneo. No século 19, para sobreviver, a sociedade embrionária passou a cobrar “proteção” dos proprietários e comerciantes nativos, atuando como milícia privada sob os olhares coniventes - e participativos - do poder público local.
[Aqui, vale lembrar o óbvio: Al Capone, o "Inimigo público nº 1 da América", jamais chegaria até onde chegou sem a conivência de juízes e prefeitos de Chicago. Por sua vez, sem o apoio interno da polícia siciliana, Salvatore "Totó" Riina, o poderoso chefão da Cosa Nostra, não ousaria liquidar o juiz italiano Giovanni Falcone. E, o mais evidente, sem contar com a larga legião de agentes da KGB e da elite do Partido Comunista, além de membros do Exército Vermelho, a máfia russa não seria hoje a mais rica e poderosa organização criminosa do mundo. Em particular na exploração do tráfico de armas, droga, prostituição, lavagem de dinheiro e a morte por encomenda - atividade sem a qual o regime autoritário (ainda nas mãos de Putin) poderia fazer desaparecer por envenenamento jornalistas e dissidentes do regime.]
Não há o que contestar: desde o seu início as associações mafiosas modernas estiveram estreitamente ligadas ao poder público, não só financiando e elegendo políticos e dirigentes partidários, mas atuando direta ou indiretamente na administração de negócios considerados lícitos ou ilícitos. Quando a simples manipulação do voto não resolve a questão, apela-se para a eliminação física do oponente.
Hoje, ninguém dúvida que certos partidos políticos, dentro ou fora do poder, aqui ou no exterior, agem como autênticas organizações criminosas, especialmente no que se refere à utilização de métodos em que a fraude, o aliciamento, a intimidação e a corrupção são os instrumentos operativos de sobrevivência e expansão.
No entanto, convém alargar o enfoque do fenômeno. Sem querer realçar o óbvio ou diminuir a contribuição analítica do ex-diretor do Banco Mundial, seria pertinente avançar na avaliação proposta e, de igual modo, evidenciar a semelhança operacional entre o partido político e a empresa do crime organizado: ambos têm presidentes, secretários-executivos, conselheiros e militantes, todos voltados para os objetivos finais de expandir, conquistar, manter, manobrar e usufruir o poder, pouco importa que no âmbito mafioso os seus integrantes sejam reconhecidos pelos nomes de “don”, “capo”, “capo de tutti capi” ou mero “soldati”.
Fora do Estado, ou a ele furtivamente associado, as organizações criminosas cultivam suas idéias, legendas, reverberam o prestígio dos seus chefes e “famílias” e reafirmam os valores da disciplina e do respeito hierárquico, sem os quais não passariam de meras quadrilhas desorganizadas. Elas têm suas leis, crenças, ética, práticas sociais, crises e disputas internas. Punem os seus traidores, “protegem” suas fontes de recursos e exterminam os que se atrevem a contrariá-las. Para enfrentar os organismos internacionais de repressão, nos tempos da internet, as máfias se reúnem em encontros estratégicos, negociam e se ajudam mutuamente em rede mundial.
No âmbito do Estado, uma luva para a mão da delinqüência legalmente admitida - ou dentro dos partidos políticos, uma instância legal e ideológica do poder -, seus condutores podem exercer os mesmos direitos, quase sempre encobertos pelos eufemismos de arrocho fiscal, impostos, subsídios, incentivos (diretos e indiretos), financiamentos a fundo perdido, isonomias, verbas representativas, gratificações, adicionais, medidas provisórias, CPIs, foro privilegiado, prisões domiciliares, penas corretivas e o diabo a quatro - tudo, evidentemente, sustentado pelo suor do trabalho do homem comum, coitado, que nunca reflete sobre a própria sina e condição.
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