Mídia Sem Máscara
| 23 Julho 2009
Artigos - Direito
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Art. 1º, parágrafo único, Constituição Federal)"
No artigo anterior, vimos que a Constituição Federal não deixa dúvidas a respeito de "a quem pertence o Poder Constituinte": à Nação Brasileira. Vimos também que, como corolário desta assertiva inicial, ao STF, cabe, estritamente, ser o guardião dos princípios e preceitos fundamentais que ela, a Nação, definiu no texto constitucional, sem ir além, aquém ou fora dos parâmetros valorativos estabelecidos. Salientamos, mais, que o STF, ao decidir sobre questões que envolvem o complexo ideário moral e sociocultural da denominada consciência nacional, os seus mores maiorum civitatis (o bem, o belo e a verdade da sociedade, em termos comportamentais), não pode fazê-lo com implicações de ordem legiferante e mutacional ou de construção e desconstrução "legislativa", sob pena de estar incorrendo no gravíssimo e ilegítimo fenômeno sociológico de judicialização do Poder Constituinte Originário.
Avançando um pouco mais sobre essa temática - por certo, como já asseveramos, motivada pelas questões de ordem moral e ética que tem sido objeto de ADIs e, agora, no caso da união homossexual, por ADPF - gostaríamos de destacar uma outra tese que, claramente e de modo inequívoco (embora não unívoco, por parte dos constitucionalistas), infere-se do parágrafo único do art. 1º da Constituição, epigrafado acima. Observe que o texto do dispositivo constitucional em comento, além de reconhecer e positivar, categoricamente, como demonstramos, que o Poder Constituinte Originário é do Povo (realidade espacial e temporal da Nação), assevera, também, que a forma de consecução, isto é, de exercício e realização deste poder de constituir, dá-se, taxativamente, de dois modos: primeiro, de forma indireta, através dos representantes eleitos e, a segunda, de forma direta, pelo próprio Povo, nos termos da Constituição, isto é, quando o Povo, diretamente, através de Voto, Referendo, Plebiscito ou Iniciativa Popular (formas de democracia participativa, expressas na soberania popular, conforme estabelece o art. 14 da Constituição Federal), põe em prática, na ordem já constituída, o seu Poder. O grande problema científico-investigativo a ser lançado aqui é: e quem dá, então, legitimidade para que o Poder Judiciário diga o que é direito, ou não, na decisão dos casos concretos que a ele se achegam para julgamento? Esta é, sem sombra de dúvidas, uma hard question.
Pelo texto do dispositivo constitucional em análise, o Povo, a quem pertence todo o Poder, legitima as ações do Poder Legislativo e do Poder Executivo, porque esses são os seus representantes eleitos. E quem legitima, então, o Poder Judiciário, tendo em vista que os seus membros, na assunção aos cargos da magistratura, não são eleitos? Por que o texto constitucional não estabeleceu, de modo expresso, categórico e unívoco que, quando o Poder Judiciário julga, aí, também, o Povo está a exercer o seu Poder de constituir? Até poderia fazê-lo, mas não vou responder a essas indagações do meu texto. E não o farei porque o que quero enfatizar é ainda mais grave: ora, se com uma dúvida desse nível - a respeito da legitimidade do Poder Judiciário em decidir os casos concretos - já vivemos o atual estágio de exacerbação do ativismo judicial e da judicialização do Poder Constituinte Originário por parte do STF, imagine se não houvesse dúvidas, no texto constitucional (como está escrito o parágrafo único do art. 1º), a respeito dessa legitimidade fundada na soberania popular.
Isso tudo só evidencia, de modo claro e indubitável, que a atuação do STF e do Poder Judiciário como um todo, não pode ir além, ou ficar aquém ou mesmo fora, do que a Nação brasileira, reunida
Certamente, ao ler tais assertivas, alguns poderiam objetar esta tese citando a (anti)tese - e ao nosso sentir, uma tese anarquista e antidemocrática - de Peter Häberle que em "Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição" (1975) chega a assentir que até mesmo um único cidadão está potencialmente autorizado e apto a oferecer alternativas para a interpretação constitucional mesmo que tais alternativas se coloquem de modo contrário ao entendimento do ideário moral da maioria da sociedade. A idéia é: a sociedade (e aqui se leia, no mesmo grau de importância: um só cidadão, um só grupo ou a sociedade como um todo) é aberta e livre para interpretar, sem a necessidade da observância da ratio legis, da ocasio legis e da mens legis do momento histórico solene da Assembléia Nacional Constituinte. Isso é o que denominamos de o Carpe Diem da Hermenêutica Constitucional. Totalmente anárquico e antidemocrático.
Evidente que - como apontou Konrad Hesse em "A Força Normativa da Constituição" (1959), fulcrado
O máximo que o STF pode realizar - se quer ir além desta teoria tridimensional da hermenêutica constitucional, fundada nos elementos interpretativos da ratio legis, da ocasio legis e da mens legis - é se valer, mutatis mutandis, de um modo análogo, no texto dos seus acórdãos jurisprudenciais, da técnica alemã (usada na Suprema Corte) denominada "apelo ao legislador" (o Appellentscheidungen). Esta técnica consiste
Fazer de modo diferente, isto é, tentando ser o STF e o Poder Judiciário como um todo, o órgão legiferante par excellence do Estado Brasileiro, construindo teses destruidoras dos valores fundamentais que o Povo estabeleceu
Por fim, resta-nos corroborar, de modo peremptório, o que disse um importante juiz inglês, Lord Devlin ("Chorley Lecture", 1974), a propósito desta "antecipação de consenso legislativo" que impera no nosso Poder Judiciário:
"É grande a tentação de reconhecer o judiciário como uma elite capaz de se desviar dos trechos demasiadamente embaraçados da estrada do processo democrático. Tratar-se-ia, contudo, de desviação só aparentemente provisória; em realidade, seria ela a entrada de uma via incapaz de se reunir à estrada principal, conduzindo inevitavelmente, por mais longo e tortuoso que seja o caminho, ao estado totalitário."
Destarte, nós, da Nação Brasileira, fundados no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, apelamos aos Senhores Ministros do STF que não tentem exercer, com as suas importantes decisões a respeito de temas paradigmáticos e fundacionais do nosso ideário moral e ético, um papel que não os cabe na via democrática do Estado de Direito.
* Professor da UFS e Advogado
Leia também: STF versus NAÇÃO BRASILEIRA: a quem pertence o Poder da Constituição? (Parte 1)
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