quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Armadilhas da lei

Mídia Sem Máscara

As idéias liberais, desconectadas dos valores cristãos, não têm como reduzir o tamanho do Estado e não têm como fazer o enfrentamento no campo político, contra os coletivistas. A história do século XX é a história da derrota liberal nas urnas. O argumento de Bastiat e de Constantino, por duelar com os coletivistas no seu próprio campo, já entra derrotado, tanto no plano das idéias como no plano político.

Não posso deixar de comentar o artigo do Rodrigo Constantino, velho amigo de debates intermináveis na Rede Liberal (Os guardiões da lei). Rodrigo e eu somos ambos defensores da liberdade, cada um a seu modo, e nesse artigo está explicitado um dos motivos do dissenso recíproco que cultivamos desde sempre. Falta a Rodrigo uma cultura jurídica melhor e uma mais clara compreensão da história da filosofia política. Mas o equívoco do Constantino é também o equívoco da maioria daqueles que abraçam o argumento liberal sem estudá-lo desde a origem. Perdeu-se a perspectiva histórica e, em isso acontecendo, o impulso em prol da luta pelas liberdades políticas passou a apoiar-se mais na emoção do que na razão, mais na intuição do que no saber propriamente dito.

Leo Strauss, no magnífico livro DIREITO NATURAL E HISTÓRIA, agora traduzido em Portugal pela pena competente de Miguel Morgado (Edições 70, Lisboa, 2009) mostra os elos da tragédia política da modernidade, desde o nascimento. Strauss prova, com a sua dialética superior, que não há como fazer frente à avalanche devastadora de Rousseau (vale dizer, das idéias igualitária, totalitárias e comunistas, niilistas) que dominaram desde a Revolução Francesa, sem que se resgate o Direito Natural, o justo por natureza; sem que se busquem os fundamentos das reais fontes de justiça.

Rodrigo Constantino erra porque se apóia em um autor ele mesmo equivocado, Bastiat. Este autor é bem o exemplo dos filhos literários de Locke, que não tiveram força intelectual para fazer frente ao coletivismo inspirado em Rousseau. Esses homens assistiram, impotentes, à marcha dos jacobinos para a tomada do poder, em todo o mundo. Na epígrafe do texto de Constantino está o resumo de toda a confusão: "A lei é a justiça". A afirmação é uma enorme bobagem filosófica e jurídica, mas a isso se chegou porque desde o Renascimento os filósofos e juristas caminharam para essa maluquice quixotesca de identificar a lei positiva com o Direito, com o justo. Rodrigo Constantino amplia esse erro crasso nos seus textos.

Ora, as fontes do Direito, e aqui Direito equivale a Direito Natural, são mais amplas que a lei positiva, lição elementar. Desde Platão se investiga, por exemplo, a Lei Natural, conceito que é também aquele que está nas Tábuas da Lei. Mas a fonte do justo por natureza envolve uma visão antropológica. O que é o homem? Para os clássicos, um animal social, isto é, que naturalmente se insere na cidade. Qual a idéia que emerge na Renascença? Que existe uma natureza humana nos termos propostos pelos estóicos e por Cícero, filósofo que fará a simbiose entre Epicuro e Zenon, cuja obra moldará a modernidade. Para essa nova tradição que se formou, a fonte do Direito é a razão, logo a lei positiva é elevada à condição de Lei Natural. Maquiavel, Hobbes e Locke destroem a idéia clássica do justo por natureza e, ao fazê-lo, pavimentam o caminho para que os modernos revolucionários cheguem ao poder.

Essa proposição, depois encampada por Rousseau e seus seguidores, como Marx e Kant, transformará erroneamente a lei positiva na exclusiva fonte do Direito. Logo, qualquer preconceito socialista do governante do dia poderá ser positivado e a lei vigorante, injusta, será forçosamente a fonte da injustiça. A administração da justiça por sistemas lógico-dedutivos fará o resto da reengenharia social. É essa a alucinação que preside nossa vida política cotidiana.

As idéias liberais, desconectadas dos valores cristãos, não têm como reduzir o tamanho do Estado e não têm como fazer o enfrentamento no campo político, contra os coletivistas. A história do século XX é a história da derrota liberal nas urnas. O argumento de Bastiat e de Constantino, por duelar com os coletivistas no seu próprio campo, já entra derrotado, tanto no plano das idéias como no plano político. Estamos nos aproximando do paroxismo desse processo destrutivo com o governo Obama e a crise mundial em curso. A tragédia virá, nos termos que vimos na primeira metade do século XX.

Rodrigo Constantino, um ardente lutador da causa da liberdade, usa armas erradas e fracas, insuficientes. Deveria ler Leo Strauss, deveria ir buscar na tradição os argumentos sólidos da filosofia para fundamentar o Direito Natural. Deveria relegar Bastiat ao segundo plano. Estou convencido de que apenas esse conhecimento superior será capaz de despertar as massas do torpor soporífero a que foram submetidas pela propaganda socialista, plenamente vitoriosa no campo político. Mas esse mergulhar na tradição terá um preço pessoal caro a ele: terá que abandonar tudo aquilo que considera saber superior. Então verá que autores como Bastiat não têm a resposta filosófica e política para o drama contemporâneo. Será um processo doloroso.

São as armadilhas da lei. Compreender que a lei positiva não é fonte do justo é o primeiro passo para acordar do sonho maligno da modernidade. O encontrar do justo por natureza é o único antídoto contra a tragédia que se avizinha. Ler Strauss ajuda nesse despertar. Mas para ler Strauss é preciso ter um forte preparo na história da filosofia. Exorto meu amigo Rodrigo Constantino a trocar Bastiat por Leo Strauss. O grande filósofo de Chicago tem muito a nos ensinar.

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