Mídia Sem Máscara
Tibiriçá Ramaglio | 29 Setembro 2009
Artigos - Governo do PT
Sobre o direito de localizar os restos mortais e sepultar, talvez. Sobre o direito de converter isso num espetáculo publicitário, divergir é muito salutar.
Leio na Folha de S. Paulo de hoje (26/09) que começa amanhã - ao custo 13,5 milhões de reais, extraídos dos nossos bolsos - uma campanha publicitária em TV, rádios, jornais e revistas para estimular a entrega de documentos sobre a localização de desaparecidos no regime militar (1964-85). Para o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, "qualquer que seja a divergência ideológica, histórica, política sobre o período, ninguém pode ter divergência sobre o direito de localizar os restos mortais e sepultar".
Sobre o direito de localizar os restos mortais e sepultar, talvez. Sobre o direito de converter isso num espetáculo publicitário, divergir é muito salutar. Tenho recebido com alguma freqüência convites para eventos e cerimônias (laicas) que homenageiam presos políticos, mortos e desaparecidos do regime militar. Nunca fui a nenhum deles, mas suponho que não devem ser propriamente um sucesso de público.
Não têm maior interesse para a sociedade como um todo, nem sequer para uma parcela majoritária dela. Dirigem-se exclusivamente a minorias. São, por isso mesmo, espetáculos realizados, à custa do dinheiro público - do governo federal e estadual paulista -, para sensibilizar para o tema quem, de antemão, já está sensibilizado, isto é, familiares das vítimas e militantes de organizações e partidos de esquerda que foram presos, torturados e/ou morreram em consequência da luta revolucionária.
Imagino que a sensibilização se dê, principalmente, através de depoimentos de sobreviventes - relatos do sofrimento experimentado nos momentos de reclusão - e exposição de fotos de cicatrizes e ossadas encontradas em túmulos clandestinos. Naturalmente, em seguida, não devem faltar alguns sociólogos e historiadores que elaborem teorias sobre a memória, a repressão, a ditadura, a luta de classes, etc. etc, mas isso não vem ao caso. O que conta propriamente é a celebração em torno da tortura, do suplício, da morte dolorosa, do martírio inclemente.
Não pode deixar de existir, com certeza, alguma perversão mórbida nisso tudo, nesse êxtase em expor minuciosamente chagas, ossos e cadáveres. Em querer fazer que a platéia sinta na própria pele esses tormentos. Não pode deixar de existir, com certeza, alguma patologia nessa compulsão de encontrar restos mortais. A história, enquanto ciência, naturalmente prescinde dessas buscas. A ossada de um terrorista morto em combate no Araguaia não pode dar à historiografia as mesmas informações que, por exemplo, os fósseis dão aos paleontólogos.
Por outro lado, também não creio que isso seja imprescindível para o consolo da família. Se fosse assim, os familiares do vôo 447 da Air France que desabou sobre o Atlântico precisariam passar o resto de suas vidas a exigir do governo francês que desenvolva novas tecnologias submarinas para encontrar os restos mortais das vítimas do acidente. É um contrassenso. Ninguém há de deixar de superar o luto por causa disso.
Não. Acredito que, salvo questões jurídicas acerca do estabelecimento do óbito, devem-se considerar devidamente sepultados aqueles que notoriamente assim se encontram - apesar do desconhecimento das circunstâncias específicas que os levou ao fim. Essa cruzada de Paulo Vanucchi, Tarso Genro et caterva (na qual incluo um sujeitinho chamado Alípio Freire, que gosta de se apresentar ao público com o apodo de "ex-preso político") tem inequívocos componentes de sado-masoquismo e - por que não? - necrofilia. Além, claro das indenizações e pensões que elas garantem aos velhos camaradas.
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