domingo, 21 de dezembro de 2008

HISTÓRIA EM JULGAMENTO

21/12/2008

Farol da Democracia Representativa


Jarbas Passarinho
Foi ministro de Estado, governador e senador . Consultor do FDR

Não pretendo ser o dono da verdade, mas não consigo conformar-me com a deformação dela, para melhor servir a interesses ideológicos ou de outra natureza. Um dos poucos sobreviventes dos ministros que assinaram o AI-5, passei a semana dando entrevistas, ora pessoalmente, em casa, ora por telefone. Expus como testemunho histórico as causas remotas e as próximas que provocaram o ato e os pormenores da votação no Conselho de Segurança,o que, aliás, pode-se acompanhar ouvindo a gravação da reunião, na tarde de 13 de dezembro de 1968, na internet.

A todos lembrei a seqüência histórica desde a Guerra Fria, o mundo dividido em dois hemisférios ideológicos conflitantes, até a edição do AI-5. O comunismo se expandira da URSS à Ásia, África e Cuba. Financia do pela União Soviética e treinando e adestrando guerrilheiros, Fidel desempenhou o papel de ponta-de-lança para exportar a revolução para as Américas do Sul e Central.

O Brasil era parte, na Guerra Fria, do hemisfério democrático anticomunista, e não esquecera a revolta comunista de 1935. Vira, em 1964, com apreensão, o presidente João Goulart governar em indiscutível aliança com Carlos Prestes, muito prestigiado, como revela em seu livro Prestes, lutas e autocríticas. As rebeliões armadas, não punidas, romperam os pilares dos exércitos, a disciplina e a hierarquia. O historiador marxista Jacob Gorender (O combate nas trevas, capítulo 8º) define esse período como
"a pré-revolução, que suscitou o golpe preventivo", ou contra-revolução como o chamamos, que depôs João Goulart, uma ação cívico-militar apoiada maciçamente pelo povo em grandes passeatas "Com Deus e pela Liberdade", apoiadas pela Igreja maciçamente.
Em julho de 1966, ainda no governo Castello Branco, terroristas fizeram explodir uma bomba-relógio no aeroporto de Recife, onde devia pousar o avião do general Costa e Silva, ministro do Exército. Na hora prevista, a bomba explodiu, matando cinco pessoas, entre elas um almirante e um jornalista, feriu dezenas de pessoas e mutilou civis e militares. Apesar do ato terrorista, o governo manteve as liberdades fundamentais, civis e políticas, herdadas do governo Castello Branco e garantidas nos dois primeiros anos do governo Costa e Silva.
Está registrado no livro A esquerda armada de 1965 a 1973, premiado em Cuba em 1973, composto de depoimentos auto-elogiosos dos exilados brasileiros, o "começo da crise das organizações de esquerda brasileira", em 1965. O livro, nas suas páginas finais, tem um cronograma das intervenções revolucionárias, algumas terroristas. Dele possuo um exemplar raro.
Mostrei-o aos entrevistadores, acompanhando a leitura do cronograma. Nele há o registro de que "em outubro de 1967 começam as primeiras ações armadas da guerrilha urbana em São Paulo, onde operam a ALN e a VPR". Iniciava-se a luta armada, desencadeada pelas duas facções mais expressivas. Em pleno regime democrático, com a única diferença que elegera o sucessor de Castello Branco, em votação indireta, pelo Congresso. As eleições eram livres, não fraudadas, e à imprensa assegurada a liberdade de expressão do pensamento sem restrição de nenhuma natureza.
A esquerda armada não abriu mão de ser leninista, disposta a conquistar o poder pela força. Seu objetivo, na Guerra Fria, era a opção pelo comunismo.
O terrorismo de 1966, o movimento estudantil agitando o centro do Rio e as guerrilhas rompidas com Prestes, que era contra, bem como a oposição de um grupo radical no Congresso, provam essa opção. O deputado e jornalista Márcio Moreira Alves, comunista e de particular aversão aos militares, em seu livro O despertar da revolução brasileira, escrito no exílio em Portugal, escreve que sua tática era, com seu pequeno grupo na Câmara - por ele denominado terrorismo cultural - destruir as liberdades fundamentais (políticas e civis) existentes, "porque só assim os operários poderiam fazer a revolução" (página 30).
Em discurso feito no Pinga Fogo, de poucos minutos, a que o plenário não dá atenção, não há apenas o pedido (provavelmente ressentido por algum caso pessoal malogrado) para que as mulheres não namorassem os militares, mas também o agravo à honra dos militares. Disse: "O Exército é um valhacouto de bandidos". A derrota do governo na autorização para ser processado pela calúnia foi a gota final para obrigar à reação reparadora da injúria.
O governo estava desamparado no parlamento pelos que ele havia eleito em seu nome, desafiado pela guerrilha, pelo terrorismo e pela provocação dos comunistas estudantis rompidos com Prestes, contrário à luta armada. Aí estão as causas recentes e remotas do AI-5. Sem ele, quais as alternativas?
A vitória dos guerrilheiros comunistas ou um novo Vietnã no quintal dos americanos. Tomei o partido de ajudar a impedir nossa transformação numa imensa Cuba, e não delegar a outro país a defesa de nossa pátria. Violentei Carlyle, que dizia ser o silêncio merecedor de uma estátua. Assumo minha escolha histórica e respondo por ela, a despeito de, entrando em 1964 para garantir a democracia, assinaria, em 1968, um texto que chamei de ditadura.

Correio Braziliense, 16 Dez

http://www.faroldademocracia.org/editorial_unico.asp?id_editorial=218

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