Mídia Sem Máscara
Marcus Boeira | 15 Dezembro 2009
Artigos - Direito
A democracia, para os líderes em questão, consiste em aceitar. Não espontaneamente, mas por imposição. E o que é pior: por imposição cultural, de modo que discordar deles é estar "de fora" do povo.
A insuficiência do vocábulo "povo" para definir a legitimidade de sistemas políticos tem vindo à tona cada vez mais nos últimos anos, em particular nas Américas do Sul e central. Costuma-se chamar "democracia" o sistema político cuja legitimidade está na "vontade do povo". Não obstante, sabemos que nenhum sistema de poder pode encontrar na "vontade" o eixo sobre o qual repousa sua legitimação. Nenhuma organização de poder pode ter na "vontade" o centro avaliador de sua aceitação.
A estabilidade dos sistemas políticos livres sempre consistiu na adequação de suas instituições políticas ao contexto cultural e social presente. Eis aí seu caráter de durabilidade e permanência. No entanto, a palavra "povo" denota uma imprecisão terminológica fortíssima. Assim, povo pode ser todo mundo, pode ser um grupo, pode ser a massa, pode ser uma classe econômica, enfim, pode designar diversas significações possíveis.
Na América Latina, a mídia vendida e escrava do Foro de São Paulo costuma dizer que nesse imenso território, marcado pelo que eles costumam chamar de "diversidade cultural" vigoram autênticas democracias, democracias essas que nos últimos anos tem sido cada vez mais "populares". Vamos aos fatos.
Na Venezuela, um presidente que muda a Constituição, se eterniza no poder, persegue os inimigos e acaba com o respeito à "diversidade", mas mesmo assim recebe financiamento e apoio da Fundação Carter, que atesta o "ambiente democrático" no país. Em Honduras, um incidente que depõe um golpista que recebe apoio dos discípulos de Fidel Castro. Na Bolívia, o "povo" elege um sujeito que estatiza empresas e promove uma revolução política com o nome de "indígena", em um verdadeiro desprezo à tão bela cultura dos índios en nuestra América.
Que tipo de democracia é essa que estão anunciando com tanta veemência? Será que a "vontade popular" é, de fato, formada no "povo"? E, mesmo que o seja, seria a "vontade" desse ser ambíguo chamado "povo" o critério universal de definição da legitimidade de um governante? Ou ainda, de um regime político? Se a mera vontade for esse critério, nossas liberdades públicas estarão com os dias contados.
Por essa razão, os tratadistas franceses de Ciência Política - como Burdeau, Hauriou, Duverger, Carré de Malberg, dentre outros- nos ensinam que a definição da legitimidade de um governo ou mesmo de um sistema de poder demandam outras variáveis que não apenas a manifestação popular mediante eleições. Sim, pois se assim fosse, as maiorias poderiam tiranizar as minorias, que restariam à mercê da "vontade" de seus opositores.
Os clássicos identificavam a "legitimidade" com a ordem na cidade política, ordem essa constituída à imagem e semelhança da ordem da alma, ou melhor, da pólis ideal. Modernamente, a ciência política tem levantado diversos critérios de definição da legitimidade dos governos em sistemas políticos. Assim, por exemplo, respeito à tradição, à estabilidade das instituições, à permanência das mesmas, aos valores, às regras do jogo eleitoral e partidário, à opinião pública conectada aos valores da ordem e da justiça, enfim, inúmeros fatores definidores dos padrões morais e das categorias políticas têm aparecido na compreensão sobre o poder dentre autores atuais.
Para a maior parte desses doutrinadores, legitimidade significa aceitação, consentimento. Mas, parece muito óbvio que a mera aceitação passiva das massas urbanas não serve de parâmetro para a legitimidade de um regime, nem mesmo por eleições periódicas. Por isso, a legitimidade requer não apenas o "voto", a expressão da "vontade popular", se é que o termo "vontade" é indicador do que "realmente acontece", senão também o respeito aos critérios definidos acima. É dizer: para ter legitimidade, um governo precisa respeitar à permanência das instituições, sem alterá-las ao seu bel prazer. A mera possibilidade de que um governante possa usar das instituições para implementar seus desígnios ideológicos e partidários já demonstra a fragilidade e a incapacidade de determinado sistema para assegurar o respeito e a promoção das liberdades civis e políticas. Em poucas palavras, exige-se alteridade para o governante e permanência das instituições!
Permanência é tudo o que não está acontecendo na América Latina. O que estamos assistindo é a derrubada de ordens constitucionais supostamente permanentes para a progressiva institucionalização de governos revolucionários, geralmente anunciadores de paraísos democráticos socialistas aplicados por seus líderes messiânicos. Essa "promessa da política" já fora anunciada no século passado, e foi isso o que justamente levou o século XX a ser conhecido como o tempo da barbárie!
Esses governos revolucionários apresentam-se inicialmente como "provisórios (Chávez e Morales) para depois irem, no andar da carruagem, solidificando-se no poder, usando as instituições que antes eram permanentes para concretizarem seus atos bizarros de inversão da ordem constitucional vigente. E o que é mais absurdo: modificam a Constituição e dizem que tais atos são "constitucionais". No século passado, os totalitarismos usaram da lei positiva para concretizarem suas pretensões utópicas. Hoje, só mudou a fonte do direito: os mesmos promotores desses "apocalipses políticos" não usam só a lei, como também a Lei maior- a Constituição. Desprezam os capítulos da mesma que tratam das liberdades públicas e alteram os títulos relativos à separação de poderes, justamente para facilitar a tomada do poder. Fazem isso para transformarem o que era provisório - governo revolucionário- em algo permanente, não com a permanência da boa política, isto é, de um Estado em que as liberdades são asseguradas, mas para estabelecer uma "permanência ilegítima", centrada em uma nova ordem constitucional montada para sustentar ideologias baratas e mascaradas com o nome de "democráticas". Agem em nome de um "povo" sem definirem o conteúdo da palavra. Não dizem a que "povo' servem, embora saibamos que esse "povo" é apenas uma imaginação de suas utopias hipócritas e assassinas. Aproveitam-se da imprecisão léxica da palavra, para mentirem que são democracias populares.
O que estão produzindo é a instauração de um regime autocrático revolucionário, que anuncia um paraíso político, que se auto-intitula legítimo através de uma permanência forçada, que pratica a iniqüidade velada, perseguições silenciosas chanceladas por meios de comunicação de massas esquerdistas, comprometidos com essa revolução lenta, gradual e pacífica em andamento. O que o professor Olavo de Carvalho e os escritores desse jornal eletrônico estão falando há tanto tempo está se concretizando e nossa geração, infelizmente, assistirá a tudo isso. Por quê? Porque lamentavelmente, aqueles que poderiam conter as pretensões revolucionárias ainda continuam acreditando que isso não passa de "conspiração". Essa atitude politicamente correta, além de mostrar uma ignorância terrível quanto a história, demonstra também a cegueira a que estão submetidos nossos homens públicos e formadores de opinião de um modo geral.
Os financiamentos e as concessões por parte do Estado para produção de comunicação trazem o efeito perverso de que não temos uma mídia realmente independente, "sem máscara", mas grupos subservientes aos partidos do governo, em particular desses partidos-situação na América latina.
Embora digam-se "legítimos", tais governos só encontram real aceitação de seus partidários, da mídia servil e das massas desinformadas. Assim, esses novos governantes latino-americanos trazem a falsa promessa de uma ordem democrática, utilizando-se dessa nomenclatura para produzir proto-autocracias populistas.
A democracia, para os líderes em questão, consiste em aceitar. Não espontaneamente, mas por imposição. E o que é pior: por imposição cultural, de modo que discordar deles é estar "de fora" do povo.
No caso da Venezuela, a situação é gravíssima: instituições internacionais esquerdistas, como a já falada Fundação Carter, asseguram o caráter democrático das eleições na Venezuela, relatando o quão constitucionalmente legítima é a situação no país. Não obstante, esquecem-se de dizer que o próprio Hugo Chávez mudou a Constituição para se eternizar no poder. Ou seja, quando é conveniente anunciar "democracia", o fazem. Mas, para a crítica, silenciam, em uma passividade mórbida e cruel.
Os dados colhidos por órgãos internacionais (leiam-se agentes socialistas ou pesquisadores comprometidos ideologicamente com Fundações aliadas do Foro de São Paulo) são anunciados pela mídia esquerdista de forma absolutamente pacífica, sem nenhum juízo crítico, nem sequer para verificar a veracidade das informações. O mais patético disso tudo é que se está fazendo a política de dois pesos e duas medidas: para analisar, por exemplo, o autoritarismo militar no Brasil, exacerbam em críticas, até de modo exagerado muitas vezes; para analisar os atuais governos revolucionários em andamento não fazem nenhum juízo crítico, apenas dizem que a ONU e a OEA atestam a "legitimidade' desses regimes. É uma ciranda vermelha, cujo arquiteto é satanás!
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