Mídia Sem Máscara
Nivaldo Cordeiro | 30 Maio 2011
Artigos - Cultura
A modernidade só poderia vingar à custa daquilo que era mais sagrado.
No Quinto Ato do FAUSTO Goethe introduz a figura do Peregrino que, no meu modesto entendimento, não é outro que não o próprio autor. Goethe tinha plena consciência de que tinha, com o poema, feito o grande mergulho nas trevas e cantado o mal com o tom épico nunca antes ousado por outro homem. Até então os cultos de obras satânicas eram coisas de pessoas de baixa estatura intelectual, simplórios sem maiores cabedais artísticos e de erudição. O desfecho do poema se aproximava e a morte insólita do Peregrino é o presságio da própria morte do autor, que purgou assim a ousadia de elaborar o nefando, embora magnífico, cântico ao Microcosmo e a Dom Satã, o verdadeiro herói do livro. O Peregrino é introduzido na presença de Baucis e Filêmon, os velhos bondosos que resistiram ao avanço do mal. Eram a última ponta de bondade que permanecia nos chamados tempos modernos. Quem são os anciãos? O que simbolizam? Penso que são a personificação da tradição judaico-cristã, com seus valores e sua moral tida agora como démodé. Aqui o livro se torna profético. A Ação como princípio chega ao auge quando Fausto, no delírio de grandeza, manda Mefistófeles dar cabo ao problema, embora não quisesse, no fundo, o desfecho trágico. O trio ardeu na fogueira. Goethe outra coisa não viu que não a grande fogueira do século XX. O mais antigo, o hebreu, ardendo nos fornos que viriam.
Os leitores marxistas de Goethe vêem aqui o élan capitalista do livro, quando na verdade se trata de uma questão teológica: o mal agindo e destruindo a própria tradição. Reduzir o trecho do poema ao materialismo-dialético é de uma tolice sem igual. Há muito mais aqui, a própria denúncia e profecia de todos os crimes cometidos pela modernidade. O ódio que Fausto nutre pelo casal, pelo toque de sinos e pelas tílias é o ódio a tudo que representa a tradição. Mefisto, ansioso pelo desfecho que se desenhava, não perde por esperar e estimula o construtor ambicioso:
"Que cerimônia, ora! E até quando?
Pois não está colonizando?
Há aqui a reminiscência dos crimes cometidos pela Europa nas novas terras descobertas, um paralelo óbvio. Colonizar é antes destruir o antigo. Só que aqui se coloniza o coração da própria Europa, que é o cristianismo e o judaísmo. A modernidade só poderia vingar à custa daquilo que era mais sagrado. Quem está colonizando tem a licença para destruir tudo, imolar, queimar. O paralelo que o próprio Goethe fez com a passagem bíblica do Primeiro Livro dos Reis (capítulo XXI), entre o rei Acab e Nabot, é mais do que evidente. Todos os mandamentos sagrados de respeito à vida e à propriedade são violados. Pois não está colonizando?
O lamento de Fausto será o lamento do povo alemão no século XX:
Fumo e vapor traz que lhe emana.
Mal ordenado, feito o mal!
Morre o Peregrino. Morrem o próprio personagem Fausto e seu autor, Goethe. É concluída a obra de uma vida inteira. O grande poema alemão é o cântico à tragédia da modernidade.
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