domingo, 8 de maio de 2011

A vaidade, a felicidade e a maldade

Mídia Sem Máscara

Percival Puggina | 08 Maio 2011
Artigos - Direito

Pergunto a pais e mães neste dia das mães: pode existir família onde não exista capacidade de renúncia e de sacrifício? Não é esse egoísmo deslavado que arrasta ao abandono e ao desabrigo tantas mães cujos maridos foram buscar "felicidade" em outros ninhos?


Poucas coisas tão postiças quanto a sabedoria dos intelectos vaidosos. E poucos tão infelizes quanto os que pretendem beber a felicidade no próprio copo, de canudinho, como refresco.

Comecemos pelos primeiros, pelos enfatuados do próprio saber. Para eles, todo espelho é mágico e lhes atira beijos. Lambem seus títulos. Devoram as próprias palavras após pronunciá-las, para que nada se perca de seu sabor. E vão engordando de lipídios um orgulho autógeno, encorpado pelas lisonjas alheias e pelas que generosamente dedicam a si mesmos.

De quem falo? Bem, pessoas assim estão em toda parte. Não posso dizer que formam um exército numeroso porque não há exército composto apenas por generais de quatro estrelas. Andam dispersos, portanto. Mas se há um lugar onde, por dever de ofício, se reúnem expoentes de tal conduta, esse lugar é o STF. Chega a ser divertido assisti-los desde a perspectiva pela qual eles mesmos se veem. Aferi-los pela infinita régua com que se medem.
Apreciar o esforço que fazem para ostentar sabedoria. As frases lhes saem lustradas, polidas como corneta de desfile. Não que isso seja mau em si, mas chama atenção como parte da grande encenação das vaidades presentes. Imagino que por vezes se saúdem assim: "E sua vaidade como vai, excelência?". E o outro retruca, cortesmente: "Bem, bem, recuperando-se do último voto vencido, mas as perspectivas são boas, obrigado ministro".

Nada mais próprio do que a palavra "corte" para designar aquele colegiado (cuja importância para a democracia e o Estado de Direito - esclareço porque não quero ser mal entendido - ergue-se acima dessas fragilidades humanas). É uma corte. É uma corte onde todos exercem, sobre o Direito a que estamos submetidos, uma soberania irrestrita, que flutua em rapapés e infla os egos à beira do ponto de ruptura.

Se há alguém, ali, cuja vaidade consegue sobressair-se dentre todas, esse é o ministro Marco Aurélio Mello. Imagino o mal-estar que cause entre os demais quando se põe a lecionar-lhes. No plenário ele é o Verbo. Sua excelência sequer fala como as pessoas comuns falam. As palavras lhe saem arquejadas, numa espécie de sopro divino, criador, forma verbal das cintilações do astro rei da constelação. Ante um brilho desses só se chega usando óculos escuros e protetor solar.

Pois bem, quando os ministros sentaram para decidir sobre direitos das "uniões homoafetivas", Marco Aurélio Mello resolveu atacar a Igreja. Foi até a Inquisição, passeou sobre os diferentes doutrinadores a respeito da relação entre a Moral e o Direito - círculos concêntricos, círculos secantes, mínimo ético e por aí passeou, sempre buscando deslegitimar a influência religiosa sobre a moral social e sobre o Direito. Por fim, abraçou-se à tese de uma desembargadora gaúcha, para quem a família formada por homem, mulher e prole é coisa voltada para o patrimônio e causa da infelicidade universal. No viés proposto, família é qualquer outro arranjo possível, enquanto perdurar a felicidade de cada um. Muitos doutrinadores da zorra geral chamam a essa coisa transitória de "família eudemonística" (eudemonia é felicidade em grego).

Pergunto ao senso comum do leitor: mas não é exatamente essa visão egoísta, a busca de uma felicidade que transforma os outros em bens de consumo, a causa determinante da infelicidade geral e das desagregações familiares? Pergunto a pais e mães neste dia das mães: pode existir família onde não exista capacidade de renúncia e de sacrifício? Não é esse egoísmo deslavado que arrasta ao abandono e ao desabrigo tantas mães cujos maridos foram buscar "felicidade" em outros ninhos? Os membros de nossa Suprema Corte talvez se bastem com a própria vaidade. Mas nem a vaidade, nem a fruição da felicidade como um refresco tomado em canudinho são capazes de gerar conteúdos válidos para orientar a harmonia social aqui onde nós, os humildes cidadãos, levamos responsavelmente nossa vida, nossos deveres e nossos amores. Foi-lhes dado, senhores, o poder para decidir o que bem entendam. Decidam, mas não ensinem o mal ao povo.

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