terça-feira, 22 de abril de 2008

21/04 - Lula cobra general por crítica a reserva

21/04 - Lula cobra general por crítica a reserva

A verdade sufocada

Por Tânia Monteiro, Rui Nogueira e Lisandra Paraguassú, BRASÍLIA

Embora incomodados com as críticas à demarcação em área contínua da Reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiram ontem que o governo foi surpreendido com as declarações do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, e avaliaram que a "estocada" foi dada "com conhecimento de causa". No Planalto, ninguém quis se manifestar "para não passar recibo".

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A única decisão prática, "para manutenção da autoridade", partiu do próprio presidente, que mandou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o comandante do Exército, Enzo Peri, convocarem Heleno para dar explicações sobre as críticas. O Estado apurou que o ministro Jobim cancelou ontem, pela terceira vez, a viagem que faria ao Rio Grande do Sul, onde visitaria uma indústria bélica, "para fazer as últimas contas sobre aumento de soldo dos militares e conversar, muito provavelmente, com o general Heleno". Jobim repassará depois as explicações ao presidente.

Na quarta-feira, ao participar do seminário Brasil, Ameaças à sua Soberania, no Clube Militar, no Rio, o general Heleno chamou de "caótica" e "lamentável" a política indígena brasileira, considerou uma ameaça à soberania nacional a reserva contínua de 1,7 milhão de hectares na região de fronteira e ainda disparou sobre as cerca de 600 pessoas da platéia uma frase de efeito: "Não sou da esquerda escocesa, que, atrás de um copo de uísque 12 anos, sentada na Avenida Atlântica, resolve os problemas do Brasil inteiro. Já visitei mais de 15 comunidades indígenas, estou vendo o problema do índio."

A crítica calou fundo no governo por três motivos: 1) porque foi feita por um dos militares mais respeitados do Exército, um "triplíce coroado", isto é, primeiro colocado nos cursos da Academia Militar das Agulhas Negras, da Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais e da Escola de Comando e Estado-Maior, hoje considerado um "líder de tropa" inquestionável; 2) porque o general é considerado "ousado", mas jamais comete as audácias em detrimento da disciplina; 3) e porque Heleno acompanhou de perto o processo político de decisão para demarcar a reserva ianomami, em novembro de 1991, no governo do presidente Collor (1990-1992), e sempre avisou que aquele seria o primeiro passo para outras demarcações contínuas que comprometeriam o controle de fronteira, inclusive na faixa dos 150 qulômetros determinados pela Constituição, que são de controle estrito do Estado.

Foi como assessor da Casa Militar que o general Heleno contribuiu para o parecer dos militares contrários à demarcação da reserva ianomami.. À época, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, coronel da reserva do Exército, se definiu a favor da demarcação, mas cunhou no bastidor uma frase que ficou célebre: "Acho que a demarcação não representa perigo para a soberania do País, mas, se eu estiver errado, o meu Exército me corrigirá".

O que mais preocupou o Planalto foi saber que "100% do Alto Comando" concorda com as críticas do general Heleno, feitas a partir do ponto de vista da "missão militar constitucional", relatou ontem ao Estado um general. Segundo esse militar, não foi uma crítica política.

O Globo Online
Forças armadas
Lula quer que general que criticou política indigenista se explique a Jobim e Enzo Peri

Publicada em 17/04/2008 às 22h34m
Luiza Damé, Jailton de Carvalho, Carolina Brígido, Eliane Oliveira e Ailton de Freitas - O Globo; Jornal Nacional


BRASÍLIA - Em reunião nesta quinta-feira com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o comandante do Exército, Enzo Peri, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou explicações sobre as declarações do general Heleno Ribeiro Pereira , comandante militar da Amazônia, a respeito da política indigenista brasileira e, mais especificamente, sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol. Jobim e Peri ficaram de conversar com Heleno e levar os esclarecimentos ao presidente. ( Reservas indígenas são risco às fronteiras do país? Opine! )

Jobim e Enzo Martins vão chamar o general para uma conversa e, em seguida, repassar as respostas ao presidente. Nesta sexta, Lula vai participar de solenidade no QG do Exército e, em seguida, terá encontro com índios no Planalto.

Para auxiliares de Lula, as críticas do general podem se configurar em grave quebra dos princípios de disciplina e hierarquia. Isso porque o presidente é o comandante supremo das Forças Armadas e já havia defendido a demarcação da reserva.

" O presidente pediu esclarecimentos sobre as declarações. Eles vão conversar com o general e, depois, voltam a falar com o presidente "

A expectativa era de que, durante a audiência desta quinta, Lula, Jobim e Enzo conversassem também sobre o reajuste dos militares, assunto que inquieta os quartéis desde o início do ano. Mas, segundo auxiliares de Jobim e do presidente, a discussão se resumiu às críticas do general.

- O presidente pediu esclarecimentos sobre as declarações. Eles vão conversar com o general e, depois, voltam a falar com o presidente - disse um funcionário do governo que acompanhou a reunião..

Numa tentativa de administrar a crise que se desenha, Jobim cancelou viagem que faria nesta sexta ao Sul. A tarefa de cobrar explicações do general não é simples. Ex-comandante das tropas de paz da ONU no Haiti, ele é um dos generais mais influentes. A posição dele é endossada por oficiais, não apenas do Exército, mas das outras Armas.

Seminário para discutir a ação do governo da Raposa Serra do Sol, em Roraima. Augusto Heleno, General do Exército, Comandante Militar da Amazônia - Fabio Rossi / O Globo

Na quarta-feira, o general Heleno voltou a classificar a transformação da faixa da fronteira norte do país em terras indígenas como ameaça à soberania nacional. Em palestra sobre a defesa da Amazônia no Clube Militar, no Rio, o general não se mostrou preocupado em contrariar a posição do governo, que defende a homologação de terras indígenas mesmo em regiões de fronteira, chamou a política indigenista de "caótica" e disse que o Exército "serve ao Estado brasileiro e não ao governo".
Presidente da Funai diz que general 'tá mal informado'

Também nesta quinta-feira, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, rebateu as críticas do general. Para Meira, o general desconhece o papel dos índios na formação das fronteiras do Brasil, principalmente na região Norte, onde hoje se discute a homologação da Raposa Serra do Sol. ( Entenda o conflito na reserva Raposa Serra do Sol )

Márcio Meira argumenta que, na década de 70, o país tinha 250 mil índios e a tônica dos discursos da época era a possibilidade de desaparecimento da população indígena. Hoje o país tem quase um milhão de índios. ( Ouça as declarações do presidente da Funai )

- Isso é resultado de uma política indigenista que garantiu a sobrevivência dos índios. Dizer que a política indigenista é caótica é desconhecer a política indigenista. Tá mal informado - disse Meira.

O presidente da Funai disse também que a crise na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol é resultado da "cobiça" e está diretamente relacionada com a questão econômica.
Gilmar Mendes: Supremo tem autonomia para decidir sobre Raposa

O ministro Gilmar Mendes, que assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 23, evitou comentar as declarações do general. Mendes garantiu que as decisões do tribunal não são tomadas sob pressão da mídia ou do governo. Na semana passada, a corte suspendeu a operação de desocupação da reserva, que seria conduzida pela Polícia Federal. A decisão foi questionada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro . Segundo ele, o tribunal foi induzido ao erro. Outros ministros do Supremo já haviam saído, por sua vez, em defesa da decisão da corte .

- Essa polêmica ajuda a iluminar a discussão. O STF não é pressionável, decide com toda a autonomia - ponderou Gilmar.

Já o advogado-geral da União (AGU), ministro José Antonio Toffoli, minimizou as críticas feitas pelo general.

- O próprio general reconheceu que não pode falar em nome do governo, é uma opinião pessoal. Ele não é comandante do Exército, nem ministro da Defesa. É um general falando individualmente..

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