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Revista Época
07/01/2008 - 17:22 | Edição nº 502
Comandante Militar da Amazônia admite que falta até combustível para patrulhar as fronteiras do Brasil
Rodrigo Rangel, de Manaus
O general-de-exército Augusto Heleno Ribeiro é um dos mais experimentados integrantes da cúpula do Exército Brasileiro. Tem bom trânsito no alto comando e é respeitado na tropa. Maneja as nuances da política como poucos na caserna. Foi o primeiro comandante da Força de Paz da ONU no Haiti, a cargo do Brasil, e, em setembro passado, assumiu o Comando Militar da Amazônia, o mais importante posto do Exército depois do comando-geral da Força. Nesta entrevista a ÉPOCA, o general admite a deficiência na vigilância das fronteiras na região amazônica.
ÉPOCA - Há uma discrepância gritante entre o discurso político sobre a necessidade de proteção da Amazônia e a realidade das fronteiras na região. Por quê?General Augusto Heleno Pereira - Hoje eu penso que a grande ameaça à Amazônia não é invasão estrangeira, mas o vazio de poder. Quando sobrevoa a Amazônia, a gente tem idéia do que é um vazio demográfico, e quando bota o pé no chão verifica o que é vazio de poder, o que é ausência de Estado. Isso realmente precisa ser sanado a curto prazo. Nós podemos perder a Amazônia sem dar nenhum tiro. A ocupação da Amazônia pode se dar de forma desordenada, sub-reptícia, sem controle, e vai ser muito mais sério do que qualquer invasão física que aconteça. O que tem salvo a Amazônia de uma ação mais agressiva é o fato de que na selva tudo é muito difícil. Mas eu não tenho dúvida de que, à medida que a evolução tecnológica for dando condições econômicas de exploração, essa ocupação vai ser acelerada.
ÉPOCA - As organizações não-governamentais que atuam na região são a ponta aparente dessa ameaça?
General Heleno - Também. Eu acho que algumas organizações não-governamentais fazem um trabalho altamente meritório. Mas outras nem tanto. E são essas que fazem trabalhos por baixo do pano, que colhem informações, que levantam nossas reservas de minério, que estão trabalhando para o futuro. Não tenho a mínima dúvida disso. Há ainda outras áreas altamente sensíveis que têm sido bastante avaliadas por estrangeiros que vêm à Amazônia para isso, para terem oportunidade de sentir qual é o futuro que eles podem ter aqui. A biopirataria é um exemplo disso. É só circular pela Amazônia que a gente percebe presenças estrangeiras que são até inexplicáveis em determinadas áreas. Onde é rarefeita a presença do Estado, o ilícito ganha espaço. Chega um ponto em que você vai transformando a Amazônia num paraíso para o ilícito.
ÉPOCA - O Exército está preparado para os problemas existentes nas fronteiras do Brasil na Amazônia?
General Heleno - Nossos pelotões de fronteira são forças de vigilância. Estão ali para alertar sobre qualquer movimento pouco usual de tropas do outro lado. Em termos de soberania, de manutenção de integridade territorial, não há risco. Nós estamos bem posicionados na fronteira. Nós não estamos preparados para combater o ilícito, e nesse ponto as fronteiras realmente são altamente vulneráveis.
ÉPOCA - Por quê?
General Heleno - É preciso dar melhores condições de vida para os homens que se propõem a ir para a fronteira defender o país. Eu tenho consciência de que falta até combustível. Isso não pode continuar acontecendo. Além do mais, para desempenhar bem esse papel o Exército precisa ter plataformas de combate altamente móveis. Sem elas, eu não consigo me fazer presente. As distâncias na Amazônia são gigantescas. Tem pelotões que estão a 300 quilômetros um do outro. É uma fronteira extremamente difícil de ser vigiada, área de selva. Não se vê nem os marcos de fronteira. Muitas vezes a fronteira é um rio, um igarapé. Nós não temos helicópteros, não temos voadeiras (barcos de alumínio com motor de popa) suficientes para realizar as patrulhas que nós desejamos.
ÉPOCA - As Farc, que agem bem próximo da fronteira, oferecem risco ao Brasil?
General Heleno - Fatalmente, pela própria posição geográfica, a gente tem certeza que as Farc se abastecem no Brasil. É claro que o camarada não vem no Brasil como guerrilheiro. Ele vem como cidadão colombiano, é recebido como cidadão colombiano, vem aqui, compra algumas coisas e as recebe lá na Colômbia. O comerciante brasileiro entrega a mercadoria lá. O pagamento muitas vezes é feito numa moeda que não é legal. Muitas vezes é droga. E isso nos preocupa porque, se esse pagamento é feito em pasta de cocaína, podem estar sendo montados laboratórios dentro do território brasileiro para transformar a pasta em cocaína.
ÉPOCA - Na medida em que faltam meios para desempenhar o papel de vigilância das fronteiras, a soberania do Brasil na região amazônica não está em risco?
General Heleno - Temos que considerar quem é nosso adversário possível e provável. Hoje nós temos uma situação amistosa com todos os países da fronteira. Uma mudança nessa situação não acontece de uma hora para outra. Se eu estivesse do outro lado de alguns países de primeiro mundo, estaria mais preocupado. Como ali está todo mundo jogando com meios muito improvisados, está todo mundo no mesmo barco. Então, com a questão da soberania, nesse sentido, eu não me preocupo tanto.
ÉPOCA - A corrida armamentista de Hugo Chávez preocupa?
General Heleno - O fato de a Venezuela se armar é direito de um país soberano, independente, que tem dinheiro. Estão se armando. As articulações que ele (Chávez) tem feito na América do Sul, logicamente os estudiosos de geopolítica devem estar analisando, com vistas para o futuro. Mas, de forma imediata, aqui pra nós, a Venezuela continua a ser vista como um país amigo, com o qual temos um relacionamento muito bom.
ÉPOCA - O Brasil está preparado para eventuais conflitos?
General Heleno - O Brasil, pela estatura política e estratégica que tem, precisa se preparar para ter forças armadas de acordo com o que ele pretende ser no cenário mundial. Não acho que as Forças Armadas do Brasil tenham que ser majestosas, até porque o Brasil não tem nenhuma tendência a imperialismos e belicismos. Mas nós temos que ter forças armadas respeitadas, com um poder de dissuasão grande. Se você tem uma mansão, não pode ter um poodle tomando conta. Tem que ter um pitbull. O Brasil é uma mansão, então nós temos que ter um pitbull.
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