Sábado, Abril 26, 2008
Tropa do desgoverno ou do Estado?
Edição de Artigos de Sábado do Alerta Total http://alertatotal.blogspot.com
Por Jorge Serrão
“Foi uma vitória da persistência e da persuasão, que deve ser creditada ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, o aumento do soldo dos militares, numa média percentual de 47%, variando do recorde histórico de 137,8% para os recrutas e 35,5% para os generais. Empenhado em reequilibrar o soldo dos militares, defasado durante vários governos, o ministro Jobim teve os esforços recompensados com o decreto presidencial. A tropa, em continência, agradece”.
O texto acima, de fazer inveja ao falecido Pravda soviético ou ao Gramma cubano, foi atribuído a militares que o receberam via Internet ao CComcex (o Centro de Comunicação Social do Exército). O belo exemplo de puxa-saquismo editorial teve direito até a foto de Nelson Jobim, o poderoso genérico de 4 estrelas, patente conquistada depois que vestiu a farda de General, contrariando a lei sobre o fardamento militar, mas não foi punido por isso. Se tal texto veio mesmo do setor oficial de comunicação do EB, só foi divulgado com autorização do Alto Comando.
É difícil de acreditar que o Informex tenha veiculado um elogio tão rasgado a Nelson Jobim. No site oficial do EB não tem texto algum sobre tal elogio. Na Internet, um e-mail recebido por um militar, vindo do site Reservaer, indica que o texto elogioso saiu na resenha do CComsex. Só pode ser piada de caserna. Ou, então, os gênios que publicaram isso perderam completamente a noção doutrinária que estabelece a diferença entre o governo e o Estado. O primeiro é transitório na democracia. O segundo é permanente.
O conceito correto é fácil de ser explicado. Embora pareça uma abstração, o Estado é uma instituição organizada de forma política, social e jurídica. Em tese, o Estado deve representar a realização do interesse geral. No entanto, o Estado é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade ganham a aparência de “interesses de toda a sociedade”.
O Estado é a expressão política da sociedade, enquanto dividida em classes. Mas, nem por isso, se deve incentivar a “luta de classes” – como fazem nossos desgovernantes. O Estado é uma comunidade ilusória. Ele aparece como comunidade porque é assim percebido pelos sujeitos sociais. O Estado não deve ser um poder distinto da sociedade. Precisa ser ordenado e regulado para o interesse geral definido pela sua sociedade - não pelo próprio Estado, enquanto poder teoricamente separado e acima das particularidades dos interesses de classe.
O Estado deve ser dirigido por um Governo (e não por Organizações Não-Governamentais – as ONGs -, como virou moda no mundo globalizado). A legitimação do chamado Terceiro Setor é uma forma de esvaziar o papel do Estado, eximindo-o de suas responsabilidades. As chamadas “entidades da sociedade civil organizada” (ONGs, OSCIPs e afins) são uma forma sutil que o Poder Mundial utiliza para intervir no Estado para favorecer os grupos hegemônicos.
O Estado Nacional ocupa um território definido. O Estado é uma figura unificada e unificadora. A dominação do Estado é exercida de forma impessoal e autônoma, através do mecanismo das leis e do Direito. Graças à lei, o Estado parece um poder que não pertence a ninguém. Por isso, o Estado é regido por uma lei máxima. Geralmente, uma Constituição escrita.
A Constituição é a soma dos fatores reais do poder que regem um país. Na verdade, é um código que rege o “condomínio” da Nação. Mas persiste um problema prático. Em todo sistema político existe uma certa distância entre o que o prussiano Ferdinand Lassalle (1825-1864) chamou de "constituição escrita", que figura nos papéis e "constituição real", que impera nos fatos objetivos.
A tradição institucional brasileira segue bem essa linha. É bastante diferente da tradição anglo-saxã. Lá fora impera a palavra “enforcement” - que provém do verbo “to enforce” ou “fazer cumprir”. Para nós, latino-americanos é diferente. Uma lei existe quando é anunciada. Para os anglo-saxões, uma lei só existe quando se cumpre. Independe de estar escrita. Por isso, nossas 181 mil leis hoje em vigor tendem a virar letras mortas. Não são cumpridas devidamente.
Aristóteles observou em “A Política” que uma lei não é lei quando é promulgada formalmente, mas quando se cumpre e termina por incorporar-se na sociedade como um hábito coletivo. Só então passa a ser uma verdadeira lei. Aristóteles aconselhou aos legisladores que não aprovassem leis sem estarem seguros de que seriam cumpridas. Caso contrário só conseguiriam desprestigiar o conceito mesmo de lei. Na verdade, as leis utópicas ou fora da realidade psicossocial só valem no papel. No mundo real viram letra morta.
Pautado por sua Constituição, um Estado tem poder de decidir seu destino. Isto se chama soberania, que é a capacidade de decisão do poder estatal. Um Estado soberano trabalha para o Progresso, a manutenção da Soberania, a Paz Social, a Integração Nacional, a Integridade do Patrimônio Nacional e a Democracia. Estes são os Objetivos Nacionais Permanentes. Sem eles a completa soberania fica inviabilizada. Não há meio termo. Soberania: ou se tem, ou não tem.
O Estado tem de possuir soberania - reconhecida internamente e externamente.No campo interno, a soberania se manifesta, principalmente, através da constituição de um sistema de normas jurídicas, a partir da Constituição. Tais normas são capazes de estabelecer as pautas fundamentais do comportamento humano. Soberania também é o direito exclusivo de uma autoridade suprema sobre uma área geográfica, grupo de pessoas, ou de um indivíduo.
Também se entende por soberania a qualidade máxima de poder social, através da qual as normas e decisões elaboradas pelo Estado prevalecem sobre as normas e decisões emanadas de grupos sociais intermediários, como família, escola, empresa, igreja etc. Tal soberania se manifesta e consolida a partir de um “acordo” ou pacto de equilíbrio entre a sociedade e o Estado.
Se existe desequilíbrio nesta relação, temos uma relação de conflito e antagonismos. Quando a sociedade subjuga o poder do Estado, a partir de agentes de influência que manipulam a mídia, as ONGs, os “movimentos sociais organizados” e forças subterrâneas (agentes criminosos), tendemos a uma anarquia (ou desgoverno). Quando o Estado subjuga a sociedade, empregando seus aparelhos ideológicos e repressivos para usurpar o poder, tendemos a uma ditadura ou totalitarismo.
O curioso e perigoso é que ambas as situações ocorrem em regimes falsamente considerados “democráticos”. Em ambos os casos, a democracia não existe de fato. Apenas são empregados mecanismos que seriam democráticos, como o direito ao voto (no caso do Brasil um direito obrigatório) e as consultas populares em referendos manipulados (no resultado das urnas e no processo de marketing que gera tendências seguidas pela massa moldável).
O Brasil fornece um perigoso exemplo de desequilíbrio. Basta analisar o problema histórico de relacionamento da nossa sociedade com o Estado. Por aqui impera uma total falta de controle democrático. O Brasil desconhece o verdadeiro conceito de democracia capaz de promover um equilíbrio na mão-dupla do relacionamento entre a Sociedade e o Estado. Aqui não se exercita a razão pública. Nem se promove a segurança do Direito.
Sem tal controle social, ficam inviabilizados todos os objetivos nacionais. O Estado descontrolado fica refém da verdadeira face do crime organizado. Abre-se caminho para uma perigosa relação, na qual o Estado explora e abusa da sociedade, e a sociedade se aproveita de tal relação, aceitando-a, passivamente, pois pequenos grupos organizados também tiram proveito dela.
O caos social é resultado deste pacto da mediocridade. Seu inverso, a Paz Social, depende diretamente de um outro princípio fundamental para o funcionamento do Estado Democrático. Todos deviam saber que a Ordem Pública é o patrimônio jurídico mais importante para a sociedade, porque é a garantidora da própria vida e da liberdade dos cidadãos.
O Estado será um garantidor da Ordem Pública se nele for praticada a verdadeira Democracia. Fundamental é empregar o conceito certo. Democracia é a prática Segurança do Direito Natural, através do exercício da razão pública, na ação da cidadania. Esta é a definição pós-moderna de democracia, adequada ao Brasil.
O chefão Lula da Silva, coitadinho, não estudou na disso. Eis o motivo pelo qual ficou muito irritado e pediu a cabeça do General Augusto Heleno, porque ele declarou que servia ao Estado – e não ao governo brasileiro. Lula não sabe a diferença entre os conceitos. Não sabe simplesmente porque não lhe interessa e nem lhe convém saber. Melhor, para o projeto dele de poder, é que ambos se confundam.
O raciocínio tosco é bem simples. Exemplo: quem está no governo pode usar e abusar do cartão de crédito corporativo que é chancelado pelos recursos do Estado. Deu para entender?
Jorge Serrão, jornalista radialista e publicitário, é Editor-chefe do blog e podcast Alerta Total. Especialista em Política, Economia, Administração Pública e Assuntos Estratégicos. http://alertatotal.blogspot.com e http://podcast.br.inter.net/podcast/alertatotal
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