quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A crise financeira e o ativismo intervencionista

1 outubro 2008
Editorias - Estados Unidos, Livre iniciativa

Mídia Sem Máscara

There are no solutions; there are only trade-offs.

(Thomas Sowell)

A esquerda tupiniquim anda em polvorosa. A crise financeira do mercado norte-americano tem proporcionado grande frisson, tanto nos estatólatras quanto nos antiamericanistas. De cara, decretaram o fim do neoliberalismo, e houve até quem enxergasse nisso estreitas semelhanças com o fim da antiga URSS. Para estes celerados, se há um “muro” no meio, é tudo igual. Logo, a queda do Muro de Berlim (Berlin Wall) e a queda das bolsas de Nova York (em Wall Street) são coisas similares.

Quando o governo FHC fez o PROER, acusaram-no de estar vendido aos banqueiros e ao famigerado neoliberalismo. Sua equipe econômica quase foi pregada no pau-de-arara. Até o impeachment do então presidente eles pediram, e há ex-integrantes daquele governo respondendo a processos judiciais propostos por militantes petistas do Ministério Público Federal até hoje. Agora que o Governo Bush faz algo parecido em escala muito maior, esses mesmos críticos de outrora correm a declarar, efusivamente, “o fim do neoliberalismo”, ao mesmo tempo em que aplaudem a ajuda estatal ao mercado financeiro de lá.

Eu fico impressionado com a lógica dessa gente. Para provar suas teorias intervencionistas amalucadas, vale qualquer coisa. Apoiados na premissa (absolutamente falsa) de que o mercado financeiro/imobiliário norte-americano funcionava de forma desregulada, concluem que o mercado, se deixado à própria conta e risco, é falho e, portanto, só a mão pesada do Estado poderia garantir o seu bom funcionamento. Por conta desse raciocínio estranho, passaram, ato contínuo, a celebrar cada nova decisão intervencionista do Governo Bush. “Está vendo? Até no mais liberal de todos os países, a intervenção do governo é necessária.” Ou seja: quando lhes convêm, mandam os escrúpulos às favas - o que é bom para os EUA, é bom também para o Brasil.

Eu juro que a cara-de-pau dessa gente me fascina.

O argumento deles é tacanho. Primeiro, porque os mercados bancário e financeiro americano já eram, pelo menos desde a Grande Depressão, altamente regulados. As duas GSEs gigantes, Fannie Mae e Freddie Mac, por exemplo, de acordo com as normas em vigor, deveriam ser empresas ultra-reguladas e supervisionadas. Segundo, porque, mesmo o mercado europeu, com sua regulamentação ultra-rígida, não escapou à crise, havendo quem estime que os problemas por lá serão ainda piores que nos EUA. Por exemplo: o passivo total do Deutsche Bank é de, aproximadamente, 2 trilhões de euros, ou quase oitenta por cento do PIB alemão. Seu fator de alavancagem é de absurdas 50. Já o passivo do inglês Barclays é de 1,3 trilhões de libras esterlinas, maior, portanto que o próprio PIB da Inglaterra (fator de alavancagem de 60!). Ou seja: mesmo em meio a severas regulamentações, os bancos europeus não escaparam de apresentar taxas de exposição ao risco ainda maiores que as das empresas americanas.

Do ponto de vista da teoria liberal, o FED e o Tesouro norte-americanos estão fazendo as escolhas erradas. Se continuar desse jeito, o pobre do contribuinte vai pagar uma conta altíssima e a crise vai alastrar-se por anos. Esse Bernanke é um indivíduo perigoso, porque tem muito poder nas mãos e uma personalidade messiânica. Dizem que o cara estudou a vida inteira a crise dos anos 30. Não sei se isso é verdade, mas que ele tem grande fixação nela, ah!, isso tem. Acha sinceramente que está encarregado de proteger a nação contra uma crise igual àquela, ainda que a complexidade dos mercados financeiros - e da própria economia americana como um todo - seja muito diferente hoje. Ele e seus asseclas querem salvar o mundo da catástrofe anunciada, mas há quem acredite que só vão contribuir para piorar as coisas e empobrecer o contribuinte. Ademais, Mr. Bernanke, Mr. Paulson, Mr. Bush et Caterva deveriam saber que “não existe almoço grátis” e que a conta salgada vai ser cobrada no futuro, provavelmente de seus filhos e netos.

Depois de terem infectado o mercado com uma política de liquidez frouxa, querem agora curar o paciente com doses cavalares do mesmo veneno. Sei que metáforas podem ser perigosas, mas não resisto: quem já viu um alcoólatra em crise de abstinência, com seus suores, tremedeiras, etc., sabe que uma dose de cachaça, naquela situação, o tirará da crise por algumas horas. Porém, não resolverá o problema, pois a verdadeira solução depende de muita dor e sacrifício. O que os super-heróis estão fazendo é exatamente tentar curar o vício de liquidez do mercado com mais liquidez. Não pode dar certo!

Por outro lado, como bem lembrou o colunista David Brooks, do NYT, os “experts” sequer conseguiram fazer um diagnóstico (im)preciso sobre o passado, e a mentalidade intervencionista já pretende impor pesadas regulamentações sobre o mercado, a fim de evitar outras crises no futuro. Para isso, à meia dúzia de iluminados seriam dados poderes especiais para legislar sobre eventos de altíssima complexidade. Esses ungidos, segundo o mesmo raciocínio, deverão antecipar-se à criatividade dos “players” do mercado, além de saber exatamente como será a próxima crise. Os superburocratas deverão também ser capazes de descobrir uma bolha se formando logo em seu início, exatamente no momento em que as coisas parecem caminhar às mil maravilhas. Só podem estar brincando.

Ao fim e ao cabo, a utopia proposta pelos ativistas do Estado-Babá é que um pequeno grupo de burocratas, com salários girando em torno de $ 150.000 por ano, deva ser capaz de antecipar cada um dos passos dos criativos banqueiros e analistas financeiros de Wall Street, cuja capacidade e criatividade fazem com que seus ganhos anuais, não raro, fiquem umas dez vezes ou mais acima dos salários daqueles.

Para encerrar, eu diria que, mais do que uma questão meramente econômica, estamos hoje diante de uma questão de princípios. Como bem lembrou Luigi Zingales, da University of Chicago Business School, as decisões tomadas neste momento não trarão conseqüências somente em curto prazo: “elas irão moldar o tipo de capitalismo em que viveremos pelos próximos cinqüenta anos. Será que queremos viver num sistema onde os lucros são privados, mas as perdas socializadas? Ou queremos vivem num sistema em que as pessoas são responsáveis por suas decisões, onde o comportamento imprudente é penalizado e o comportamento prudente premiado? Para alguém como eu, que acredita sinceramente no sistema de livre mercado, o mais sério risco desta situação atual é que o interesse de uns poucos financistas irá solapar o funcionamento fundamental do sistema capitalista. É hora de salvar o capitalismo dos capitalistas”.

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