Mídia sem Máscara
11 dezembro 2008
Editorias - Economia, Estados Unidos, Livre iniciativa
“O que é prudente na conduta de qualquer família particular dificilmente constituiria insensatez na conduta de um grande reino”.
Adam Smith
Keynes está novamente na moda. Por toda parte, há pessoas defendendo enfaticamente que os governos gastem fortunas, ainda que a maioria dos governos mundo afora não disponha dessas fortunas. Do leigo ao Bispo, do peão ao empresário, do gari à socialite, do Bush ao Lula, quase não há quem duvide de que esta é a fórmula da felicidade. A palavra de ordem é “gastar”, ainda que muitas vezes ela venha maquiada pelo eufemismo “dar liquidez”. A quimera do momento é evitar a recessão, custe o que custar. Empresas grandes estão proibidas de ir à falência, desemprego é uma heresia e o governo deve fazer de tudo para evitar que isso aconteça.
Não ocorre às pessoas que essa idéia não faz qualquer sentido, a não ser para consolidar o extraordinário poder que os governos já amealharam ao redor do mundo. Não lhes ocorre, tampouco, que nós só chegamos onde estamos justamente porque o poder estava superconcentrado, tanto em relação às informações disponíveis, quanto ao conhecimento necessário para bem exercê-lo. Isso é nitroglicerina pura e fará as coisas ficarem ainda piores no futuro.
Estão trocando a dor de uma recessão agora pelo pesadelo de algo muito pior um pouco mais adiante. Escrevi alhures, certa vez, que “a aplicação de ‘anestésicos’ reduz as chances de que o mercado produza seus próprios anticorpos e, a partir deles, estabeleça a dolorosa, porém necessária, depuração, eliminando definitivamente os focos de infecção. Em resumo, no afã de tentar corrigir as chamadas falhas do mercado, a interferência do governo impede que este mesmo mercado promova a cura mais eficaz e duradoura, embora isso possa exigir alguma dose de sacrifício a curto prazo”.
Convém lembrar aos adeptos da “Igreja do Santo Leviatã de Todas as Horas” coisas básicas como, por exemplo: tudo que os governos gastam é obtido através de impostos, empréstimos ou simplesmente emissão de moeda sem lastro. Se eles fabricam papel pintado, haverá inexoravelmente aumentos de preços no futuro, o que representa um roubo institucionalizado contra toda a população, que perde poder de compra. Se, por outro lado, os governos cobram impostos ou tomam emprestado dos cidadãos e empresas, claramente não haverá injeção de liquidez na economia, uma vez que o dinheiro já estava circulando no mercado.
Na verdade, esta política de “estimular a atividade econômica”, não passa de um tiro no próprio pé. Gastos públicos só servem para distorcer o rateio ótimo entre poupança, investimento e consumo, já que aumentam este último e desencorajam os dois primeiros.
De acordo com a teoria keynesiana, as recessões são resultado da retração “exagerada” do consumo. Portanto, se a sociedade está poupando mais do que seria desejável – do ponto de vista das mentes iluminadas, evidentemente –, o consumo e as vendas caem, os lucros minguam e produzem desemprego. Aos poucos, isto se transformará num círculo vicioso que só o governo poderá romper.
A base da teoria, portanto, é que os indivíduos, ao poupar seus recursos “em excesso”, contribuem para prejudicar os níveis de renda agregada da economia. Chamam a isso de “Paradoxo da Parcimônia”. Segundo essa estranha lógica, algo que é benéfico para os indivíduos, as famílias e as empresas de modo geral, ou seja, a parcimônia e a prudência nos gastos e, conseqüentemente, o aumento dos níveis de poupança, é ruim para a sociedade como um todo.
Ainda de acordo com esse pensamento, o governo, através de seus agentes iluminados, é quem sabe qual é o nível ótimo de demanda agregada para que a economia se mantenha sadia. Em resumo, e utilizando as palavras de Mr. Paul Krugman, um dos maiores defensores dessa estrovenga, “a virtude individual pode ser um vício público … tentativas de consumidores de fazer a coisa certa, através do aumento da poupança, pode deixar todos em pior situação”.
Chega a ser engraçado assistir às mesmas cabeças coroadas que outrora não cansavam de desancar o excesso de consumo – o famigerado consumismo – dos americanos como insustentável e perigoso para a economia, fazendo agora o discurso keynesiano e propondo que o governo incentive o consumo daquele mesmo povo como a única forma de conter a recessão.
Como sempre, por trás de uma teoria macroeconômica, há uma fórmula exata, no caso resumida pela seguinte identidade contábil:
Y = C + I + G + (X-M)
Assim, o sofisma do senhor Krugman ganha contornos científicos: Se os gastos com consumo (C) se contraem, trazendo com eles os investimentos (I), então o PIB (Y) forçosamente sofrerá uma redução, a menos, é claro, que se aumentem os gastos do governo (G) ou as exportações líquidas (X-M). Como o aumento da balança de comércio num período de recessão mundial não parece tarefa fácil, a única alternativa viável seria mesmo o aumento dos gastos do governo. Simples, não?
A falha dessa “teoria” está no fato de que a identidade contábil nada mais é do que… uma identidade contábil. No caso, trata-se da fórmula utilizada para o cálculo do PIB. Ela esconde, por exemplo, que quaisquer aumentos em G decorrem necessariamente de reduções equivalentes nas demais variáveis, principalmente C e I – de onde provêm inevitavelmente os recursos dos impostos e dos empréstimos – a menos, é claro, que os novos gastos sejam derivados de emissão de moeda.
Como se vê, os macroeconomistas de forma geral, especialmente os keynesianos, acham que seus modelos matemáticos e gráficos possuem vida própria, independente das ações e vicissitudes dos agentes econômicos (seres humanos), os quais, no fim das contas, são a força motriz que dá direção e intensidade às variáveis econômicas.
O raciocínio acima coloca em posições antagônicas a poupança e o consumo. É certo que se alguém resolve poupar cem reais, está automaticamente abrindo mão de utilizar o dinheiro para consumo imediato. Ocorre que só fazemos tal opção visando ao consumo futuro. Ninguém poupa por sadismo. Daí porque quem poupa espera ser remunerado pelo sacrifício, o que é feito através da cobrança de juros (ninguém mais guarda dinheiro embaixo do colchão). Em outras palavras, o poupador está fazendo um investimento. Na verdade, a poupança não é outra coisa senão uma forma diferente de gastar os recursos, no sentido de que não será o seu dono quem os gastará diretamente, mas uma outra pessoa (chamada de tomador), que provavelmente utilizará o dinheiro em bens de consumo ou de produção.
Como nos lembra Sheldon Richman, a poupança pode ser induzida também por força de incertezas quanto ao futuro, caso em que os indivíduos reduzem seus gastos em bens de consumo supérfluos – produtos cuja demanda é mais elástica – no presente, com medo de que os recursos possam faltar-lhes até mesmo para o consumo do essencial no futuro. Isto geralmente ocorre em épocas de crise recessiva, quando os níveis de desemprego crescem e, junto com eles, o temor quase generalizado de que o nosso emprego possa ser o próximo.
É nesta última hipótese que os keynesianos advogam a intervenção do governo. Só há um probleminha com esse raciocínio. As pessoas passaram a consumir menos, pois havia uma recessão instalada – logo, não foi a volta da poupança a causa da recessão. Pelo contrário, aquela é provavelmente conseqüência desta.
De acordo com a Lei de Say, a produção gera o consumo, não o inverso. Logo, o aumento ou redução da demanda agregada são efeitos do crescimento ou da retração da economia, não a sua causa. (Infelizmente, esta verdade tão cristalina para qualquer Robinson Crusoé perdido numa ilha deserta continua ainda sujeita a inúmeros sofismas macroeconômicos).
Isso muda completamente o enfoque da questão. Nas palavras de Sheldon Richman, “as recessões existem para corrigir a imperfeita alocação de recursos pelo mercado, normalmente induzidas por políticas de governo insustentáveis”. A liquidação de maus investimentos, negócios equivocados e ineficientes geralmente cria desemprego e outras privações temporárias, até que a estrutura de produção volte a estar em linha com as reais preferências dos consumidores.
Nesse ínterim, os gastos do governo e suas tentativas de fomentar o consumo de forma artificial só irão postergar o realinhamento entre a demanda real e os investimentos (para os quais a poupança é indispensável), já que esses gastos não são guiados pelos sinais do mercado e pela busca de empreendimentos lucrativos. Pelo contrário, normalmente são ditados por considerações políticas e por grupos de interesses bem articulados (rent-seeking).
Numa economia de mercado, os preços ditam a produção e o consumo ao longo do tempo. Os consumidores sinalizam a intensidade de suas preferências presentes e futuras através do incremento ou redução de suas poupanças, com isso elevando ou reduzindo as taxas de juros. Se o consumidor se retrai e poupa mais no presente, está sinalizando que provavelmente irá consumir mais no futuro. O sistema irá funcionar razoavelmente, a menos que o governo intervenha, deturpando os sinais do mercado, iludindo produtores e distorcendo a alocação intertemporal dos recursos.
Se os governos realmente quiserem fazer alguma coisa para ajudar o processo de recuperação econômica, que cortem os próprios gastos e, principalmente, os impostos, deixando de distorcer os sinais de preços do mercado e encorajando os indivíduos a decidir por si mesmos onde e como aplicar os próprios recursos, seja poupando, consumindo ou investindo diretamente.
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