segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Raposa para quem precisa de estudo...

Segunda-feira, 8 de Dezembro de 2008

Blog do Clausewitz

Não há o que contestar, muito menos complementar do belo artigo de Denis Rosenfield... se fosse possível que minha voz somasse ao coral de homens conscientes que já se manifestaram a respeito desse assunto tão lúgubre, eu entraria como tímida, mas participativa contribuição... não há o que esperar de bom ao segregarmos seres que precisam ser bafejados pelas beneces da civilização...


Não há o que aguardar de produtivo, ao fragmentarmos ainda mais nosso território, já tão rachado em seu tecido físico e em seu tecido social... o que é da União pertence a todos os brasileiros, quer sejam mais mestiços ou menos mestiços... o que é da União, cabe a todos os brasileiros defenderem, acrescendo nesse raciocínio nossas linhas de fronteiras...

A decisão, ou pelo menos mais um ato dessa discussão está em mãos constitucionalmente preparadas para isso, mas vemos que os movimentos anti-sociais e seus subprodutos estão por ai já mobilizados para intimidar a razão dos magistrados... que esse brilhante texto abaixo transcrito possa ser divulgado numa corrente postal jamais vista, para quem sabe possamos influenciar pelo bem inestimável do bom senso, os ministros que decidirão o destino de nossa pátria a partir de 10 de dezembro...

Aculturação e integração

"A homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, de forma contínua ou descontínua, coloca um problema de ordem cultural e histórica, que concerne ao processo de formação de nosso próprio país. Na verdade, duas abordagens se defrontam: a da demarcação contínua, procurando fechar esse território como nação, numa economia de auto-subsistência; e a da demarcação descontínua, mantendo o intercâmbio entre as populações indígena, mestiça e branca.

A primeira parte do pressuposto de que a política indigenista deveria consistir em manter os indígenas separados dos demais brasileiros, como se fosse possível voltar a um estágio pré-cabraliano de existência e imune à atração que o mundo civilizado exerce sobre eles. Segundo ela, os indígenas são brasileiros de segunda categoria, que deveriam ser mantidos sob tutela, como se fossem incapazes de decidir por si mesmos. Recusa, na verdade, toda a história brasileira de aculturação e de assimilação das tribos indígenas, em processos que remontam, conforme as tribos, ao século 17. É como se a história brasileira não devesse ter existido.

A segunda parte da posição de que as tribos indígenas em geral e, em particular, as da Raposa Serra do Sol estão em processo acentuado de aculturação e assimilação, com casamentos mistos e famílias nucleares que se constituem desta maneira. Adotaram as religiões católica, protestante e evangélica, num exemplo claro de transformação de suas religiosidades originárias. A própria advogada de origem indígena presente no anterior julgamento do Supremo mostra o êxito dessa aculturação. A economia da região é também o reflexo dessa integração, com indígenas que reivindicam liberdade de escolha, e não uma nova forma de tutela, como se uma economia de auto-subsistência ainda fosse possível.

Processos de aculturação decorrem de vários fatores, desde os que podem, a nossos olhos, parecer anódinos, como vestimentas, até modificações religiosas, que alteram profundamente o modo como um povo se representa e se sente, transformando profundamente a idéia que tem de si. A introdução de novas técnicas e tecnologias, como o machado de ferro em tempos mais remotos ou automóveis e celulares hoje, tem a propriedade de transformar as relações vigentes em determinada tribo. Muda, assim, o seu comportamento com outros agrupamentos humanos, como sertanejos, caboclos, mestiços e brancos.

Vários pensadores e etnólogos se dedicaram a essa questão, com rigor científico e uma visão de integração dos indígenas à sociedade brasileira: Karl von den Steinen, Herbert Baldus, Eduardo Galvão, Egon Schaden e Darcy Ribeiro, entre outros. Eram etnólogos com profunda visão humanista, e não ideólogos que advogavam por um suposto retorno a uma situação idílica e falsa de um estado de natureza bom e harmônico. Seguiam a ciência, e não a religião, como ocorre hoje com a política do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a orientação correlata da Funai.

Neste sentido, uma política indigenista deveria controlar os efeitos dos processos de aculturação e integração indígenas, fazendo-os ocorrer gradativamente, assegurando políticas sociais e mesmo econômicas, sabendo de antemão que esse processo se apresenta como irreversível. O índio passa a depender de elementos e fatores estranhos - como os produtos do mundo civilizado - sem ter, muitas vezes, os meios próprios de compreender como são feitos e podem ser adquiridos. Em todo caso, o fascínio é irreversível e se coloca a questão de sua aquisição por meio do trabalho e do comércio, e não de políticas assistencialistas, que só desmerecem e desonram os que são delas beneficiários.

Isso significa que os problemas daí decorrentes são apenas parcialmente fundiários e dizem respeito a um conjunto de políticas sociais e trabalhistas que poderiam ser objeto de intervenção estatal que não se reduzisse a tentar criar condições primitivas de existência que já foram abolidas e às quais o retorno é culturalmente impossível. A demanda, no caso, é por postos de saúde, com enfermeiras, médicos e medicamentos, e não pela volta do pajé. A demanda é por uma educação que, resgatando as tradições indígenas, ofereça a eles a possibilidade de uma boa integração ao mundo civilizado. A demanda não é por ausência de trabalho, mas por condições dignas de trabalho, não tornando o indígena um novo miserável urbano.

A educação dos jovens, por exemplo, é uma forma de adaptação que se escalona no tempo e propicia, se bem feita, uma integração harmoniosa. Uma interação satisfatória deveria necessariamente contemplar a integração econômica e cultural, condição de novas formas de prestígio, auto-estima e aquisição de bens."

Fonte: Estadão

Clausewitz

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