sábado, 18 de abril de 2009

O duplo erro de Fukuyama

Mídia Sem Máscara

Essencialmente a análise de Fukuyama não difere das dos seus supostos adversários ideológicos.

A revista Veja trouxe, nas páginas amarelas, uma entrevista de Francis Fukuyama, o cientista político que arriscou certa vez afirmar, no celebrado livro O FIM DA HISTÓRIA E O ÚLTIMO HOMEM, que o comunismo tinha acabado e que o mundo caminhava para uma forma generalizada de economia liberal. O livro causou impacto mundial, especialmente pelo momento, pois havia então pouco tempo que o muro de Berlim ruíra e a própria União Soviética entrara em fase terminal.

Chico Mendez, seu entrevistador, perguntou-lhe: Quando o senhor anunciou o fim da história, o império soviético acabara de ruir e a globalização econômica começava a se tornar realidade. Hoje, vinte anos depois, sua tese ainda fica de pé? Resposta: “Até aquele momento era dado como um fato da vida pelos intelectuais de esquerda que a história continuaria seu caminho evolutivo em direção à utopia socialista. Para eles, a história só terminaria quando alguma forma de socialismo ou de comunismo fosse atingida. Mostrei em O Fim da História que essa idéia de progresso não tinha fundamento e que o mundo não trilharia o caminho previsto pela ortodoxia esquerdista. Ocorria justamente o contrário. O mundo estava evoluindo rumo à democracia liberal, e ela será o destino final. Ainda acredito nisso. Só vou considerar que há alternativa viável à democracia liberal se, no prazo de uma geração, o regime autoritário da China conseguir mesmo levar o país a igualar o nível de desenvolvimento dos Estados Unidos e da Europa. Acredito, porém, que esse objetivo não seja alcançável pelo atual modelo chinês”.

Como se vê, Fukuyama continua na sua fé milenarista, que resumidamente é a fé de que há um sentido na história e de que, a partir de sua análise, seria possível predizer o futuro. A velha fé que tem em Hegel seu patrono. Os futurólogos comunistas só haviam errado no ponto de encerramento, não na crença de que há um sentido da história. Essencialmente a análise de Fukuyama não difere das dos seus supostos adversários ideológicos.

Quero aqui sublinhar que Fukuyama não errou apenas ao predizer o fim da história numa espécie de acomodação à democracia liberal capitalista. O autor padeceu – e continua a padecer, pelo visto – da cegueira que tomou conta da intelligentsia ocidental. Em primeiro lugar, Fukuyama ignora que mesmo nos EUA vive-se em avançado estado de socialismo, que Peter Drucker, agudo observador dos fatos norte-americanos, já detectara em meados dos anos setenta. Desde então a experiência socialista norte-americana só tem se aprofundado, seja na dimensão econômica, seja na dimensão jurídico-política.

Em segundo lugar, ignora que a crise atual é a expressão acabada da agonia dessa expansão socialista no coração daquilo que um dia foi o centro irradiador do liberalismo clássico. O paradoxal disso tudo é que Barack Obama, contrariando seu conhecido slogan de campanha “Change”, elegeu-se precisamente como o homem a quem a vasta classe média cliente do Estado viu como aquele comprometido com o status quo. Obama seria o salvador de seus privilégios, o verdadeiro Sóter. A crise irrompeu porque a estrutura econômica socialista é irracional e insustentável, mas as multidões são impermeáveis aos apelos da razão e querem mais e mais bem-estar social. De mais a mais, a classe política está desprovida de egrégios, de uma elite capaz de conduzir as multidões. Ela é composta de legítimos representantes dos homens-massa. As multidões e seus representantes depositam no poder de Estado a fé salvífica. Por isso a crise não será superada enquanto não houver a completa destruição das esperanças de que tudo se mantenha como antes, na fase ascendente do ciclo inflacionário. A festa acabou.

O que de fato se faz necessário é a restauração do Estado mínimo, da desregulamentação, do triunfo da economia liberal no sentido de Adam Smith. Isso só será feito na marra, em meio à desordem da crise, em face da ameaça vital que pode advir da iniqüidade econômica daquilo que Peter Drucker chamou de socialismo-fundo-de-pensão.

Além de se enganar quanto ao fato da suposta morte do comunismo, que grassava velozmente nos EUA, Fukuyama errou em não perceber que o duelo real não é entre essas formas de governos – comunismo x democracia liberal –, mas entre o Estado gigante e o indivíduo. É a velha luta que tem sido a crônica da história desde que Moisés libertou seu povo do Faraó do Egito. Canaã é essa utopia da terra sem governo ou, se quisermos atualizar, de um governo mínimo. Esse é o verdadeiro motor da história. Sempre que a condição vital da liberdade é posta em risco vem a crise e o dedo de Deus aponta de novo o caminho da libertação.

A cegueira de Fukuyama fica patente na pergunta seguinte: O que o capitalismo e a democracia liberal precisam fazer para sobreviver à atual crise? Resposta: “Precisamos, urgentemente, de maior controle sobre o sistema financeiro, que está completamente desregulamentado. Acredito, também, que o estado mínimo não funcionou. A partir de agora veremos uma presença bem maior do estado na economia. Ou seja: será uma economia mais de estado e menos de mercado”.

Ora, se a tragédia dos tempos advém do excesso do Estado, não será pelo seu agigantamento regulatório que o problema vai se resolver. A lógica leva precisamente ao raciocínio em contrário. Esse Fukuyama é tido como um expoente da direita política. Engano, pois não passa de um advogado do Estado gigante. É um companheiro de viagem das mentiras comunistas. Não é um autor a ser levado a sério.

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