Mídia Sem Máscara
| 21 Abril 2009
Artigos - Conservadorismo
O gnosticismo, enquanto racionalismo sectarista, daria base tanto ao iluminismo quanto ao idealismo, dos quais surgiram filosofias totalitárias e materialistas da história como o marxismo e o positivismo.
A gnose é um dos elementos de maior difusão na cultura herética da civilização ocidental. Desde a época do Antigo Testamento, seitas gnósticas procuravam distorcer o sentido dos livros do Pentateuco e dos profetas. Com o advento do Cristianismo – vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo – o número de Igrejas que professavam a fé Cristã logo se disseminou durante todo o primeiro século dessa era. A caritas, fundamento de toda revelação em Cristo, passaria a pôr um sentido novo para a existência social das comunidades espalhadas por todo o Império Romano. No território imperial, a prática da vida Cristã seria abalada por inúmeras perseguições e rivalidades de toda ordem.
A par disso, a proliferação de inúmeras Igrejas – tal como expõem as Epístolas Paulinas e o livro de Atos dos Apóstolos – foi acompanhada por um crescimento vertiginoso de seitas heréticas e gnósticas, que tinham por hábito distorcer e negar as palavras sagradas do Evangelho. Logo, o gnosticismo alcançaria um status surpreendente, em grande parte devido às heranças pitagóricas e paganistas.
Segundo a palavra de Deus, a verdade se distingue do erro e da mentira no entendimento humano, conforme a ação do Espírito Santo nos homens, que os capacita para o conhecimento da Verdade em Cristo, de acordo com que nos diz Paulo em 1 Co 1, 5: “Porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento”.
Ocorre que, procurando distorcer o entendimento do plano espiritual por obra do Espírito Santo, falsos mestres se difundiram
Dentre os falsos mestres, muitos praticavam o gnosticismo.
Gnosticismo pode ser entendido, inicialmente, como sendo uma angústia diante dos mistérios desconhecidos acerca do significado da existência. Conforme a Palavra Sagrada, tais mistérios não são revelados “in totum” para o homem (1 Co 2, 7-8). Porém, a angústia gnóstica levou o homem a negar a Sagrada Escritura e buscar o conhecimento por si, através de práticas iniciáticas e ocultas. Diferentemente das civilizações cujo centro são revelações sobrenaturais no plano histórico (elementos esotéricos unidos a elementos exotéricos), o gnosticismo partiu para a via negativista. Nas civilizações onde o ponto de partida são religiões, a prática religiosa é aberta para a totalidade social. No gnosticismo, o mundo e o outro são encarados como estranhos. O mundo é como se fosse uma cadeia, o qual cada praticante precisa livrar-se. Daí a volta para uma existência separada da vida social e do mundo.
Assim como a gnose fazia o praticante recorrer a uma revelação individual para responder suas próprias dúvidas existenciais e angustiantes, logo passaria a ser um recurso para aqueles que buscavam superar suas angustias acerca dos mistérios. Resultado: a busca se voltou para respostas concebidas pelo deus escolhido, estranho, que não fundamenta o outro, mas apenas o próprio curioso. Então, como o mundo é estranho e não fornece salvação, o gnóstico recorreu a uma salvação própria, individual, como se o próprio praticante tivesse poder para salvar-se a si mesmo e estabelecer sua auto-revelação.
O gnosticismo levou a um estado de fato no qual o próprio homem seria capaz de realizar sua incorruptibilidade no plano imanente e, assim, invocar uma saída escatológica na estrutura do próprio tempo, sem dependência alguma da eternidade. O gnosticismo levou à certeza de um apocalipse individual promovido pelo próprio homem, que agora é juiz de si mesmo.
A gnose, assim, implicou no domínio total por parte do homem acerca do significado de sua própria existência, fazendo do mesmo juiz de sua própria vida. À luz do cristianismo, segundo demonstra VOEGELIN, a gnose apareceu como “um esforço para obter um domínio sobre nosso conhecimento da transcendência maior do que o propiciado pela ...cognição da fé” (Nova Ciência da Política, p. 95).
Assim, o gnosticismo seria a porta de entrada para um conhecimento que colocaria Deus não como Aquele que revela, mas como alguém que está dentro da própria constituição da inteligência do gnóstico, tornando-o apto ao conhecimento pleno da verdade.
Dessa forma, o gnosticismo fez com que a estrutura de dependência e fundamentação do plano imanente com relação ao plano transcendente caísse por terra, sendo o plano material concreto o bastante para satisfazer a angústia gnóstica: e esse foi o sentido que informou grande parte do pensamento filosófico da modernidade e que deu origem à gnose moderna.
Diferentemente da antiga, a gnose moderna é assumidamente materialista e baseada na auto-redenção do homem a partir da superação de sua ignorância e realização de sua salvação por seu conhecimento racional. A razão humana, aí, é elevada ao condão de salvadora dos eleitos, aqueles iniciados nos rituais gnósticos da iluminação racional. O gnosticismo, enquanto racionalismo sectarista, daria base tanto ao iluminismo quanto ao idealismo, dos quais surgiram filosofias totalitárias e materialistas da história como o marxismo e o positivismo.
A gnose moderna, então, não seria mais o recurso ao deus estranho, mas uma obra humana em que a auto-redenção “é assegurada pela assunção de um espírito absoluto que, saindo da alienação, chega a si mesmo no desenrolar-se dialético da consciência” (VOEGELIN, Eric. Ciência, Política e Gnose, p. 17).
Seria, segundo consta, um recurso ao espírito absoluto do próprio homem dentro de si (HEGEL), que sai da alienação de sua agnoia e encontra a si mesmo, elevando-o ao status de super-homem. Tal pensamento levaria alguém como NIETZSCHE (tão aclamado nos atuais círculos acadêmicos de cunho materialista) a negar a eternidade de Deus, dizendo que o mesmo havia morrido. Tal afirmação, assim, seria a revelação filosófica de um desejo gnóstico antigo, o qual Deus morre e o homem assume a posição de inteligência suprema. A angústia gnóstica, assim, estaria superada: o homem acabara de adquirir a posição mais alta a que poderia chegar, qual seja a de soberbo intelectual.
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