segunda-feira, 27 de abril de 2009

Um Búfalo Amarrado

Mídia Sem Máscara

São estes mesmos recalcados que, hoje em maior número ou gozando de maior influência do que os que prezam os valores da terra e da boa gente daqui, insuflam índios a agredir com terçados quem ouse instalar uma usina hidrelétrica; que embargam portos importantíssimos para o país como o terminal graneleiro de Santarém sob tolos argumentos ambientalistas; que apóiam a invasão de fazendas; que sabotam linhas de transmissão elétrica e bloqueiam estradas de rodagem e de ferro, e assim por diante, sem solução de continuidade.

Henry George, na introdução do seu livro “Protection or Free Trade” (Proteção ou Livre comércio) (Robert Schalkenbach Foudation, New York, 1949), faz um poético comentário em tais termos que aqui traduzo adiante:

Próximo à janela de onde escrevo, um grande touro jaz preso por uma argola em seu nariz. Pastando ao redor e rodeando ele terminou por enroscar-se em sua corda em volta da estaca até vir a se tornar completamente prisioneiro, tantalizado pela rica grama que não pode alcançar, e incapaz até mesmo de agitar sua cabeça para livrar-se das moscas que se amontoam sobre seus ombros. Teimosamente ele luta em vão, até que, depois de mugir sofregamente, resigna-se em melancólico silêncio.

Este touro, um daqueles enormes e fortes, que por não ser sábio o bastante para ver como poderia tornar-se livre, sofre de necessidade em frente à abundância, e é implacavelmente submetido por criaturas mais fracas, parece a mim não se encaixar no emblema das classes trabalhadoras.

Em todas as terras, homens cujo labor cria riqueza abundante são espremidos com a pobreza e, enquanto a civilização em evolução abre vistas mais amplas e desperta novos desejos, são submetidos aos níveis mais brutos pelas necessidades animais. Amargamente conscientes da injustiça, sentindo bem no fundo de suas almas que foram feitos para mais do que viver uma vida tão estreita, eles também, espasmodicamente, lutam e protestam. Entretanto, até que liguem os efeitos às causas, até que vejam como são agrilhoados e como podem se libertar, suas lutas e gritos são tão vãos quanto os do touro. Antes são algo pior que isto. Eu tenho de ir lá até o touro e conduzi-lo de modo que ele se desenrosque de sua corda. Todavia, quem há de conduzir os homens rumo à liberdade? Até que usem a razão com que foram dotados nada pode ajudar. Para eles não há nenhuma providência especial.

A metáfora utilizada pelo autor norte-americano remete-me diretamente à imagem do búfalo do Marajó, um animal de força incrível, mas igualmente escravo de sua ignorância, a simbolizar o povo do estado do Pará.

Uma manchete de capa do jornal O Liberal, de Belém, há quase um mês denunciava “Tropa da Miséria Cresce no Pará”. Eu reservei a matéria para comentar, todavia, outros compromissos de ordem pessoal foram deixando esta tarefa de lado. Ainda que tardiamente, porém, e abstraindo-me de uma análise acurada do texto, teço aqui alguns comentários que passarão ao largo da previsível abordagem jornalística usual. Refiro-me aqui àquele “recorta e cola”, a mostrar o “mapa da exclusão social”, a denunciar a proporção de “negros” pobres em relação aos brancos, ou de mulheres em relação aos homens, e a afirmar que mais da metade da população vive com menos de um salário mínimo. In totum, não fazem tais abordagens mais do que ir enrodilhar-se em volta da estaca, tal como o touro de George, de forma que um comentário tipo “preto e azul” em nada nos adiantaria.

O Pará é, não obstante, um território riquíssimo, e malgrado hoje haver realmente notícias com enchentes, creio que poucas terras são tão generosas com o clima, a fertilidade do solo e a abundância de recursos naturais. Pobre é o seu povo, e não de dinheiro, mas de alma. Os paraenses não têm do que reclamar com relação aos seus poucos e mal-remunerados empregos. Se há um talento entre os deste povo, é justamente o de expulsar empregos. Até recomendo: para a próxima olimpíada, criem a modalidade de arremesso de emprego: certamente o campeão haverá de ser brasileiro, e provavelmente, paraense.

Aqui temos até mesmo um hino contra o progresso, os sulistas e estrangeiros em geral: chama-se “Belém, Pará, Brasil”, composição de Edmar Rocha, cantado nos shows por vários intérpretes regionais e acompanhado em coro pelas multidões, muitos com a mão ao peito. Aqui transcrevo, por economia, só duas estrofes para que os leitores tenham idéia do que digo:

Vão destruir o Ver-o-peso e construir um shopping center
Vão derrubar o Palacete Pinho pra fazer um condomínio
Coitada da Cidade Velha que foi vendida pra Hollywood
Pra ser usada como um albergue num novo filme do Spielberg

Quem quiser venha ver
Mas só um de cada vez
Não queremos nossos jacarés
Tropeçando em vocês

Interessante é que os paraenses acreditam que os sulistas (sulista, aqui, é, na verdade, um “não-paraense”) pensam que aqui os jacarés andam nas ruas. Ora, isto de fato acontece na Cidade do Cabo (bom, é verdade, meio que no subúrbio, já na estrada). Em Miami, os alligators invadem quintais e comem gente, literalmente. Nas cidades setentrionais dos EUA e Canadá, ursos, alces e outros animais silvestres simplesmente agem com indiferença aos seres humanos, revirando latas de lixo ou pastando, e ninguém nestes lugares tem complexo de inferioridade por causa disto.

Causa-me perplexidade quando vejo paraenses naturais se esmerando em salientar as mazelas do lugar aos visitantes e depois reclamar que eles só vêem o pior de nós outros. Quando recebo amigos de fora, faço questão de mostrar as belezas, tanto as naturais quanto as históricas e ainda as maravilhas modernas. Apresento as tradições, as coisas grandes e enlevadas: a avenida Nazaré, que para nós é a equivalente à avenida Paulista, sombreada por imponentes mangueiras e repleta de casarões da época da borracha; há também um bucólico casarão no distrito de Icoaraci, em estilo belle époque, com belas escadarias que contornam o seu edifício de pé direito alto e amplas varandas, famoso na época por servir de entreposto comercial; já o vi fotos antigas em que, à sua frente, embarcavam borracha e desembarcavam pirarucu, farinha e outros produtos do interior. Aquelas fotos simplesmente nos atiçam a imaginação, inculcando-nos a vontade de lá presenciar.

Muitas vezes, eu e os recalcados mostramos absolutamente as mesmas coisas aos nossos respectivos visitantes: eles com os olhos deles, eu com os meus; os deles saem daqui limpando a poeira dos pés; os meus me escrevem contando as saudades de terem provado da nossa cozinha, de terem conhecido rios onde há ondas como o mar, dos eventos que freqüentaram e dos lugares que conheceram.

São estes mesmos recalcados que, hoje em maior número ou gozando de maior influência do que os que prezam os valores da terra e da boa gente daqui, insuflam índios a agredir com terçados quem ouse instalar uma usina hidrelétrica; que embargam portos importantíssimos para o país como o terminal graneleiro de Santarém sob tolos argumentos ambientalistas; que apóiam a invasão de fazendas; que sabotam linhas de transmissão elétrica e bloqueiam estradas de rodagem e de ferro, e assim por diante, sem solução de continuidade.

Na cabeça desta gente, e este pensamento é muito amplo em rodas de bar, nas universidades e mesmo nas igrejas, as pessoas que vêem de fora são impiedosos exploradores que lhes roubam os empregos. Jamais lhes passa pela cabeça que podem ser as pessoas que se lhos trazem, aliás, onde antes nada havia, nem tampouco pensam em quantos paraenses hoje vivem em qualquer outro canto do Brasil ou do mundo, a roubar empregos dos outros, pelo próprio critério que ruminam.

O potencial para este estado levantar um pólo moveleiro e outro coureiro ou calçadista, por exemplo, é notável, dada a abundância dos recursos e a estratégica proximidade com os portos europeus e norte-americanos. O mesmo se diga com a produção de grãos e certas frutas, que já obtiveram excelente êxito com relação à produtividade. A única coisa necessária para que isto venha a ocorrer no futuro é que o governo simplesmente não atrapalhe. Pois é justamente neste momento que está declarada a caça às bruxas, representadas pelo agronegócio, pela indústria madeireira e pela criação de gado bovino.

Aqui não prospera absolutamente nenhum setor solidamente, a não ser o do esbulho e dos assaltos. Há apenas uma única indústria de médio ou grande porte, a produzir uma ótima cerveja, por sinal. Mais nada!

Há um adágio popular que diz ser o Pará a terra do “aqui já teve”. São as pessoas mais antigas do lugar, a testemunhar as iniciativas dos empreendedores do passado que terminaram malogrados. Pois hoje já podemos dizer: - esta é a “terra do nem sequer terá”.

Obs.: sou natural de Santa Catarina e moro aqui há mais de vinte anos. Nunca nenhum emprego me obrigou a permanecer aqui. Vivo nesta terra porque nela constituí família e sou feliz. E quem quiser vir ver o Pará não precisa vir só um de cada vez: os bons paraenses são excelentes anfitriões.

Nenhum comentário: