terça-feira, 5 de abril de 2011

Chávez encalhado em Cochabamba

Mídia Sem Máscara

Ninguém investiga porquê, nesse contexto de aproximações com a Venezuela, as Forças Militares colombianas reduziram suas operações em 30%, enquanto que as ações terroristas das FARC crescem em todas as partes.

As forças aéreas da revolução bolivariana estão em tão ótimo estado, que o chefe supremo desta às vezes não pode cumprir com suas entrevistas com outros chefes de Estado. Dotado de caros aviões de combate russos, último modelo, capazes de espalhar a morte e a destruição no norte da América Latina, o regime venezuelano não pôde, entretanto, tirar a tempo de Cochabamba, Bolívia, o presidente Hugo Chávez e sua brilhante comitiva: o avião que o havia levado majestosamente à Argentina, Uruguai e Bolívia decidiu, no último momento, quebrar. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, esperava o chefe bolivariano em Cartagena de Indias, para um terceiro encontro. Em vão. Por telefone lhe disseram que Chávez estava encalhado na cidade boliviana. Evo Morales não havia encontrado um avião para que seu homólogo cumprisse a última etapa de seu giro pelo continente.

Essa, ao menos, foi a versão oficial. Porém, ninguém é obrigado a acreditar. O venezuelano disse tantas mentiras em sua carreira de ditador que é legítimo pôr em dúvida, agora também, suas palavras. Há, ademais, a versão dada a uma agência de imprensa por um funcionário boliviano, que guardou o anonimato. Ele assegurou na sexta-feira que o avião estava pronto, porém, que o mandatário venezuelano havia decidido viajar "diretamente para Caracas".

Em todo caso, o presidente Santos perdeu seu tempo em Cartagena (por sorte, a cidade é linda), pois as notícias do "contratempo" chegaram em conta-gotas (que Chávez aterrissaria "um pouquinho mais tarde do que o previsto", foi a palavra de ordem) para manter o suspense. No final, os dois presidentes decidiram ver-se em 9 de abril próximo.

Quem pode acreditar no conto da falta de uma "peça de reposição"?

A razão desse desplante grosseiro com o presidente Santos é obviamente política. Foi tanta a desordem que se acumulou antes dessa entrevista que Chávez optou por esquivá-la. O assunto Makled, por exemplo, que oficialmente não ia ser tratado, passou ao primeiro plano. Na véspera, o senador norte-americano Dick Lugar e o congressista republicano Connie Mack chamaram a atenção de Santos e alguns jornais colombianos, assim como juristas e políticos do continente, exortaram Bogotá para que entregue a Washington o capo narcotraficante, acusado de enviar dez toneladas mensais de droga aos Estados Unidos.

Por outro lado, a agenda é super pesada: sete comissões bi-nacionais discutem desde há semanas sem chegar a acordos em matérias tão delicadas como segurança, energia, saúde, comércio, infra-estrutura, turismo e cultura. É uma discussão secreta, a portas fechadas, pelas costas da opinião pública, como é do gosto de Chávez. Alguns jornais trataram de reduzir o assunto a uma questão de vendas: de energia, leite e cimento colombiano à Venezuela e de gasolina à Colômbia. Não. Há coisas de grande calado. Está presente ali a idéia absurda de Armando Benedetti de criar "estados bi-nacionais" na zona fronteiriça? Essa idéia ele lançou em meados de agosto de 2010, após uma entrevista com Hugo Chávez. Ninguém sabe de nada. Até onde, nessas negociações, se estão comprometendo interesses vitais da Colômbia? Por que tanto segredo? O que Chávez está exigindo? Que outros pontos estão em jogo? Por que não chegam a acordos? Pactos sobre a luta contra o narcotráfico entre o país que expulsou a DEA (Venezuela) e um país que trabalha com a DEA (Colômbia) vai beneficiar a quem? Não podemos esquecer que, como admitiu o ministro colombiano da Defesa, esses pactos eventuais incluem "compartilhar inteligência, informação judicial e realizar operações coordenadas entre os dois países". O pastel é tremendo!

Também há disse-me-disses entre a recém designada secretária-geral da UNASUL, María Emma Mejía, e o ministro chavista Alí Rodríguez.

Indigna ver a resignação da imprensa colombiana. Ante coisas tão graves, mostra pouca curiosidade. Ninguém trata de descobrir o alcance desses convênios. Tudo é credulidade, conformismo, passividade, negligência. Ninguém investiga porquê, nesse contexto de aproximações com a Venezuela, as Forças Militares colombianas reduziram suas operações em 30%, enquanto que as ações terroristas das FARC crescem em todas as partes. O contraste é nítido entre 2009 e 2010. Só La Hora de la Verdad, de Fernando Londoño Hoyos, entrevistou o politólogo Alfredo Rangel, autor de um estudo que mostra, com cifras exatas, esse preocupante declínio da segurança nacional. Enquanto isso, a imprensa informa menos dos ataques das guerrilhas, até o ponto em que alguns atentados não são sequer mencionados. O que está acontecendo? Por quê essa política suicida?

Mas há algo mais.

Uma notícia de 31 de março, cuja importância poucos viram, pode ter-se convertido no fator que desatou a fúria total de Hugo Chávez contra Santos e que o obrigou a aprazar o encontro de Cartagena. Chávez deve ter-se engasgado quando soube que a Colômbia não se prestava à manobra de reconhecer unilateralmente a Palestina como Estado. Juan Manuel Santos disse nessa quinta-feira, durante um encontro em Bogotá com uma delegação do Congresso Judeu Mundial (CJM): "Nós não reconheceremos o Estado Palestino, pois para nós é uma questão de princípio. Nós apreciamos muito a amizade e a valentia do povo judeu".

Com essa postura, um êxito da diplomacia israelense, tão detestada por Chávez, a Colômbia resiste às pressões palestinas e iranianas e se recusa a seguir o mal exemplo dos governos esquerdistas que fizeram tal reconhecimento: Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Venezuela, Guyana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Chile (único de centro-esquerda). Esses governos validam a estratégia palestina de evitar a negociação com Israel para pôr a única democracia do Oriente Médio contra a parede. Jack Terpins, um dos líderes do CJM, felicitou na quinta-feira o presidente Santos por "sua luta contra a influência iraniana na região, em especial frente à Venezuela, dirigida pelo ditador Hugo Chávez. Israel considera todo reconhecimento unilateral do Estado Palestino como um obstáculo às negociações de paz", informou em 1º de abril a agência Ria-Novosti.

Os que acreditam que Chávez deixa passar sem represálias pontos de tão alto simbolismo como esse, se equivocam. O mandatário venezuelano acreditava ter conseguido "corrigir" a política colombiana profundamente. Pois não. Há pontos que ainda lhe escapam, como este do reconhecimento unilateral e independente do Estado Palestino, linha que Caracas leva com ar triunfal, da mão de Teerã e do ativismo chiita, por todo o continente. Ao contradizer essa política, Bogotá malogra pactos de Caracas com o poder iraniano, do qual dependem fornecimentos a Caracas em matéria econômica e militar.

Chávez espera "corrigir" de novo a política de Bogotá nesta semana e tomar uma resolução caprichosa antes do 9 de abril? Veremos. Em todo caso, está na hora de pedir transparência sobre o que se está negociando com a Venezuela. Não mais negociações secretas com Hugo Chávez! A opinião pública colombiana não vê com bons olhos o que está acontecendo. El Mundo, de Medellín, publicou uma sondagem no dia seguinte ao desplante de Chávez: "Você confia na atitude de Chávez para com a Colômbia na era Santos?". A resposta foi: Não, 79%; Sim, 21%.



Tradução: Graça Salgueiro

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