Mídia Sem Máscara
Dave Schuler | 19 Abril 2011
Artigos - Cultura
A triste verdade é que não há um padrão-ouro para comprovar a credibilidade de uma fonte. O jornalismo, sobretudo, é feito de forma instintiva, neste sentido.
Eu tendo a seguir links. Dá pra aprender muito fazendo isto e chegar a lugares que, se não fosse por isto, não se conheceria. Também leio notas de rodapé. Posso pensar em pelo menos um livro que pode ser lido só pelas notas de rodapé: a admirável tradução de Sir Richard Francis Burton às Mil e Uma Noites.
Em uma postagem recente, "Numa meia-noite agreste*, disse o Corvo, 'A vodca está boa, mas a carne está podre.'", Pundita pôs um link para um artigo do The Epoch Times. O artigo pretende ser uma transcrição de um discurso feito pelo Ministro da Defesa Chi Haotian. Eu achei o discurso totalmente horrorizante. Uma mistura de mitologia, fantasia, conversa pra boi dormir, racismo, nacionalismo, planejamento estratégico e monstruosidade. Eis aqui um trecho:
O Camarada Mao Zedong nos ensinou que devemos ter uma orientação política resoluta e correta. Qual nossa orientação principal e correta? É resolver a questão dos Estados Unidos.
Isto pode parecer chocante, mas a lógica na verdade é muito simples.
O Camarada He Xin apresentou uma avaliação realmente fundamental e que é muito razoável. Ele afirmou em seu relatório ao Comitê Central do Partido: o renascimento da China está fundamentalmente em conflito com o interesse estratégico ocidental e portanto será inevitavelmente obstruído pelos países ocidentais que farão tudo o que puderem. Logo, só quebrando as barreiras formadas pelos países ocidentais capitaneados pelos Estados Unidos a China pode crescer e ir na direção do mundo!
Será que os Estados Unidos permitiriam que nós saíssemos para ganharmos um novo espaço para vivermos? Primeiro, se os Estados Unidos forem firmes em nos barrar, é difícil para nós fazermos algo de significativo com Taiwan e alguns outros países! Segundo, mesmo se nós pudéssemos pegar alguma terra de Taiwan, do Vietnam e da Índia, ou mesmo do Japão, quanto mais espaço para vivermos podemos conseguir? Muito simples! Só países como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália têm as vastas terras que servem a nossa necessidade de colonização em massa.
[...]
Para resolver a questão dos Estados Unidos, devemos ser capazes de transcender convenções e restrições. Na história, depois que um país derrotou ou ocupou um outro país, ele não podia matar todas as pessoas na terra conquistada, porque antes não se podia matar gente eficazmente com sabres ou longas lanças ou mesmo com rifles e metralhadoras. Portanto, era impossível ganhar uma extensão de terra sem manter as pessoas naquela terra. Entretanto, se conquistássemos a América desta forma, não conseguiríamos fazer muita gente migrar para lá.
Só usando meios especiais para 'limpar' os Estados Unidos conseguiremos liderar o povo chinês para lá. Esta é a única escolha que nos resta. Não é uma questão de se estamos dispostos a fazer isto ou não. Que tipo de meios especiais estão disponíveis para nós 'limparmos' os Estados Unidos? Armas convencionais como aviões bombardeiros, canhões, mísseis e navios de guerra não vão servir; nem armas altamente destrutivas, como armas nucleares. Nós não somos tão tolos de querermos perecer juntos com os Estados Unidos usando armas nucleares, apesar do fato de dizermos enfaticamente que vamos resolver a questão de Taiwan a qualquer custo. Só usando armas não-destrutivas que possam matar muita gente conseguiremos reservar os Estados Unidos para nós mesmos. Têm havido um rápido desenvolvimento de tecnologia biológica moderna e armas biológicas são inventadas uma após a outra. É claro que não ficamos parados; nos últimos dez anos, aproveitamos a oportunidade para dominar armas assim. Somos capazes de realizar nosso propósito de 'limpar' os Estados Unidos de repente. Quando o Camarada Xiaoping ainda estava conosco, o Comitê do Partido Comunista teve a perspicácia de tomar a decisão acertada de não desenvolver grupos de porta-aviões e ao invés disto se concentrar em desenvolver armas letais que podem eliminar as massas populacionais do país inimigo.
Você pode ler a coisa toda e ver do que se trata. [N. do T: O que este discurso lembra, em três palavras: os Protocolos dos Sábios de Sião]
Minha reação inicial ao artigo foi de raiva. Minha segunda reação foi de curiosidade. Seria possível que isto fosse verdade? Eu li tudo sobre Chi Haotian em que pude pôr as mãos, sobretudo transcrições de discursos. Eu chequei a fonte do discurso. Li tudo o que consegui achar sobre a fonte da tradução e a fonte do original.
Meu mandarim não dá para ler a versão em chinês do discurso (nem nenhum dos discursos do general). É muito difícil determinar uma autenticidade com base em traduções.
O The Epoch Times é uma fonte questionável. O Times é um jornal anti-Partido Comunista chinês e tem sido caracterizado como tendo um viês pró-Falun Gong.
A fonte da versão em língua chinesa do discurso foi o Boxun.com. O Boxun ("Notícias abundantes") é um site de notícias dissidente em língua chinesa com base nos Estados Unidos. Eis aqui o que o EastSouthWestNorth tem a dizer sobre ele (a partir do South China Morning Post, mas sem link):
O fundador do Boxun, que usa o pseudônimo de Wei Shi e se descreve como um empresário, disse que, a partir dos Estados Unidos, ele não podia verificar as histórias que a Boxun tinha publicado, postadas na internete desde Qinghai. Tampouco podia garantir as supostas credenciais do órgão jornalístico investigativo. Todas as fontes não-secundárias de Boxun são postadas anonimamente. Mas ele disse que esperava que, ao por as histórias no domínio público, alguém provaria se elas são verdadeiras ou falsas.
Não há uma segunda fonte independente para o discurso.
Então, vamos recapitular. Temos um discurso que supostamente foi feito por uma autoridade chinesa de verdade. Não é possível confirmar a autoria do discurso por análise textual. Só há uma única fonte para o discurso e os editores tanto da versão em língua inglesa quanto em língua chinesa podem ter segundos interesses. Para complicar as coisas, não é possível comprovar a fidedignidade das críticas sobre estas fontes, por exemplo, a Wikipédia e a EastSouthWestNorth. O último crítico, o South China Morning News, é um jornal legítimo e, supostamente, pode-se considerar que tenha pelo menos alguma fidedignidade. Infelizmente, a citação atribuída ao SCMP na verdade não tem links e não pode ser verificada.
Parece ser razoável tratar isto tudo com pelo menos um grão de sal.
Isto me traz a uma questão mais ampla: como avaliar a credibilidade das fontes, em geral? Eu disparei vários e-mails para parentes e amigos que fazem este tipo de coisa para viver: bibliotecários da área de referências, jornalistas, etc.
A triste verdade é que não há um padrão-ouro para comprovar a credibilidade de uma fonte. O jornalismo, sobretudo, é feito de forma instintiva, neste sentido. Eu compilei, entretanto, uma pequena biblioteca bastante boa de dicas para se comprovar a credibilidade de fontes na internet e em geral. Eis aqui algumas que você pode achar úteis:
Bibliografia da Universidade de Vermont sobre a avaliação de informações na internet: Um grande site com muitos recursos (na internet e fora dela) para a avaliação de credibilidade. Padrões, listas, guias, etc.
Guia da Biblioteca de Berkeley, Universidade da Califórnia, para avaliar recursos na internet: Um conjunto de dicas excelente, detalhado e altamente explicativo para avaliação.
Guia da Biblioteca de Cornell para analisar criticamente fontes de informação : Um guia fantástico, detalhado e sério sobre o assunto.
Me parece que deveria ser possível ao menos começar uma ferramenta formal de medição da credibilidade de fontes, usando-se as abordagens sugeridas nestes recursos, e se chegar a uma medida quantitativa de fidedignidade. Estou pensando em algo usando a escala Likert*, que salvaria os resultados anteriores em um banco de dados e assim por diantes. Idéias?
ATUALIZAÇÃO: Uma coisa que eu queria ter dito mas que, por algum motivo, acabei perdendo de vista ao formular o post é que, simplesmente porque a fonte não tem credibilidade ou fidedignidade, não quer dizer necessariamente que ela esteja errada. Isto se chama "Falácia Genética". Há outras considerações para se medir a verdade ou falsidade de uma proposição, além da fonte da afirmação.
Dave Schuler: The Glittering Eye, 24 de agosto de 2005
Original: What's a credible source?
Tradução e links*: DEXTRA
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