sexta-feira, 1 de abril de 2011

A lógica do lobo

Mídia Sem Máscara

Percival Puggina | 01 Abril 2011
Artigos - Governo do PT

O consumidor faz as contas e sabe que se tornou vantajoso fazer turismo no exterior. É mais barato lá do que aqui. E não por culpa dele, consumidor. Digam-lhe os lobos o que disserem.

Não é a conduta do governo que causa estranheza. O governo segue a lógica do lobo, cujas razões nunca incluem o ponto de vista do cordeiro. Quando convém aos lobos, as águas do rio sobem encostas. Não há novidade nisso. O mundo é assim desde que pela primeira vez, num grupo humano primitivo, certo grandalhão decidiu que mandaria no pedaço. Surpreendente é que numa sociedade civilizada, em pleno século 21, tantos setores da mídia reproduzam para seus clientes - nós, os cordeiros - a retórica brutamontes do lobo.

O governo Dilma anunciou, com semitons de generosidade, que a tabela do Imposto de Renda seria corrigida em 4,5%, representando, esse gesto de benevolência, "renúncia fiscal" de R$ 1,6 bilhão no atual exercício. O Google registra cerca de 20 mil reproduções dessa informação. "E daí?", perguntará o leitor. E daí que estamos perante exemplo típico do que descrevi no parágrafo anterior. Que renúncia fiscal ocorre quando o governo corrige (inclusive em percentual inferior ao da inflação medida) a tabela do IR? A quase totalidade dos trabalhadores e aposentados do país, uma vez ao ano, tem reposto seu poder de compra mediante reajuste de salário ou provento em percentual mais ou menos equivalente ao da inflação ocorrida. Sobre o que recebe, paga imposto de renda. Se a tabela do tributo não é reajustada em conformidade com a inflação, o que ocorre pode ser definido de duas maneiras distintas. Numa, o governo está tributando a inflação pois obriga o trabalhador a pagar mais imposto pelo mesmo poder de compra. Noutra, ele está, por via indireta, ou seja, por omissão, elevando a alíquota. Portanto, falar em renúncia fiscal é um desaforo oficial.

Vamos expor isso de outra forma. Suponha, leitor, que dona Dilma suba nos tamancos e proclame que acabou, para sempre, a "renúncia fiscal". Não haverá mais qualquer reajuste na tabela do IR das pessoas físicas. Sabe qual a consequência? Ao cabo de 15 anos, admitindo-se uma inflação de 4,5% a.a., o governo terá tomado, por essa via tributária - é a aritmética que o prova - metade do poder de compra que a sociedade detinha no primeiro ano de aplicação da norma. Havendo inflação, congelar a tabela do IR é tão esbulho quanto congelar salários.

A alcatéia, contudo, não se satisfaz com meros artifícios retóricos. Sofismas não engordam o caixa. Então, anuncia o governo - e os complacentes reproduzem ipsis literis - que, para compensar a tal "renúncia fiscal", a alíquota do IOF incidente sobre compras feitas no exterior será aumentada. Pronto! Acabou a generosidade. A alcatéia dá de mão na tesoura. Lobo do século 21 não come cordeiros. É mau negócio. Acaba com o rebanho. Mais lucrativo é tosquiá-lo periodicamente. E retorna-se ao sofisma: "os brasileiros estão gastando muito no exterior". De fato, do jeito que a coisa vai, gastaremos, neste ano, algo como US$15 bilhões fora do país. Na perspectiva do lobo, o brasileiro, esse perdulário, não pensa no bem da pátria. Em vez de gerar empregos aqui dentro, vai gerar empregos lá fora.

O sofisma entra pela janela e chuta a razão pela porta. Até as pedras sabem que os brasileiros estão gastando no exterior porque está mais barato gastar lá do que aqui. Simples como isso, porque nossa moeda ficou excessivamente valorizada frente ao dólar. Aliás, as compras de viagem fora do país são parcela pequena na coluna das nossas despesas externas. Sobre o prejuízo maior, perguntem à indústria nacional. Perguntem aos exportadores de manufaturados. Muito mais do que os uísques e perfumes comprados em Rivera, ou as bugigangas de Miami, são as massivas importações de manufaturados feitas pelo mercado brasileiro que afetam negativamente nossa balança comercial e danificam o mercado de trabalho do país.

O consumidor não sofisma. Não vive de discurso. O consumidor faz as contas e sabe que se tornou vantajoso fazer turismo no exterior. É mais barato lá do que aqui. E não por culpa dele, consumidor. Digam-lhe os lobos o que disserem. Se o governo não controla seus próprios gastos e precisa buscar dinheiro no mercado, elevando juros, atraindo dólares e derrubando a cotação dessa moeda, é ele e não a sociedade que está causando prejuízo grave às contas e à economia nacional.

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