sexta-feira, 18 de abril de 2008

Bento XVI, presidente Bush e o “embargo” interno do regime cubano

por Armando Valladares em 17 de abril de 2008

Resumo: A atuação diplomática do secretário de Estado da Santa Sé está contribuindo para prolongar a agonia dos que sofrem na ilha-cárcere.

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De 15 a 20 de abril próximos, Bento XVI visita os Estados Unidos na primeira viagem de seu Pontificado a este país. Durante essa visita, além de cumprir com seus compromissos pastorais entrevista-se com o presidente Bush e pronunciará um discurso na ONU.

Comenta-se que o Pontífice intercederia ante o presidente Bush para obter o levantamento ou a atenuação do chamado “embargo” externo norte-americano à ilha-cárcere de Cuba.

Essas especulações têm pretexto em declarações do próprio secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, formuladas ao periódico “L’Osservatore Romano” pouco depois de sua recente e deplorável visita à Cuba comunista. Em tais declarações, depois de asseverar, afrontando a verdade histórica, que a Igreja em Cuba “não é uma Igreja perseguida”, e de qualificar as universidades cubanas como “renomados centros educacionais superiores”, quando na realidade elas constituem refinados laboratórios de ateísmo e de apostasia dos jovens cubanos, em particular dos católicos, diagnosticou que os “problemas cruciais” de Cuba se reduzem ao “embargo” norte-americano, que seria responsável por “frear” o desenvolvimento da ilha.

“Como se sabe, os problemas cruciais de Cuba são os do embargo imposto pelos Estados Unidos e das sanções econômicas da União Européia, que freiam seu desenvolvimento”, disse o cardeal Bertone ao “L’Osservatore Romano”.

O chefe da diplomacia vaticana pareceu esquecer que o “problema crucial” da ilha-presídio, desde há meio século, é um regime comunista que mantém a população na miséria porque asfixia a propriedade e a livre iniciativa, e que aplica “métodos diabólicos” para submeter à população em geral e aos católicos em particular, segundo expressão lapidar do saudoso bispo católico cubano, Eduardo Boza Masvidal, ele mesmo uma vítima desses “métodos diabólicos”, antes de partir para o desterro.

Na continuação, ao responder a uma pergunta do entrevistador a respeito da possibilidade de um “incentivo a um diálogo com os Estados Unidos” de parte da diplomacia vaticana, que pudesse significar uma “virada de página” nas relações antagônicas entre os governos dos Estados Unidos e de Cuba, o cardeal respondeu com um enfático “sim”; confessou que também “é esta a expectativa do presidente” cubano, ou seja, do ditador Raúl Castro, e reconheceu que “assegurei a este que a Santa Sé se empenhará para que estas sanções, se não forem eliminadas, pelos menos se reduzam”.

O chefe da diplomacia vaticana, em suas promessas ao novo ditador da ilha-cárcere de um “empenho” para pressionar o governo norte-americano ao levantamento de sanções, está melhor cumprindo o papel de um eficaz e insubstituível embaixador da diplomacia comunista cubana.

Atuando assim, o cardeal Bertone subverte os termos lógicos dos “problemas cruciais” cubanos: avança com lança em riste contra um efeito, o “embargo” externo, e faz silêncio sobre a verdadeira causa do problema, o sistema comunista imperante, que aplica um literal “embargo” interno de caráter repressivo, feroz e sanguinário que asfixia, amordaça e mantém na miséria 11 milhões de meus irmãos cubanos.

Posteriormente à viagem do cardeal Bertone, o regime cubano se apressou a formular uma sucessão de promessas “cosméticas” que incluem o incentivo aos pequenos agricultores, uma válvula que o regime já abriu e fechou em oportunidades anteriores; eventuais flexibilizações às restrições para sair da ilha, a liberação do ingresso dos cubanos aos hotéis e a liberação da venda de computadores e celulares, medidas que ficam limitadas de antemão pelo miserável salário mensal de proximadamente US$ 17,00; e até a assinatura de um pacto internacional de direitos sociais e econômicos, o que não impediu que continuem as torturas a presos políticos e a repressão à população, inclusive durante a visita do cardeal Bertone. Por isso, essas promessas podem ser vistas como ases que o regime coloca hoje na manga de seu “embaixador ad hoc” para facilitar as gestões ante Washington, e que amanhã poderá retirar ou restringir, como Fidel Castro o fez em incontáveis oportunidades, depois de enganar os incautos.

Sobre outros ditos e feitos pró-castristas do cardeal Bertone durante sua última viagem, tive oportunidade de escrever dois artigos: “Bento XVI e a viagem a Cuba do cardeal Bertone” (4 de março de 2008), no qual mostrei que o mais grave da viagem à ilha-cárcere do alto prelado é a enigmática continuidade da política de mão estendida do Vaticano e de importantes figuras eclesiásticas para com a tirania do Caribe; e “O cardeal Bertone e a fraudulenta ‘política religiosa’ castrista” (9 de março de 2008), no qual comentei, entre outros aspectos, como as escolas e universidades cubanas passaram a ser refinados laboratórios de ateísmo e de apostasia de católicos, as mesmas que, quarenta anos depois, o cardeal Bertone qualificou incrivelmente como “renomados centros educacionais superiores e universitários que Cuba dispõe”.

A atuação diplomática do secretário de Estado da Santa Sé está contribuindo para prolongar a agonia de meus irmãos que sofrem na ilha-cárcere, a qual coloca um problema de consciência dos mais graves que os fiéis católicos cubanos poderiam ter, porque diz respeito ao próprio pontificado de Bento XVI. Não obstante, isso não diminui a consideração e veneração devidas à Cátedra de Pedro, porque é doutrina pacífica que no terreno diplomático é lícito manifestar perplexidades e até discordar de orientações vaticanas, quando se faz de maneira respeitosa e fundamentada.

Quanto desejaria que os fatos contradigam as apreensões de tantos católicos cubanos, da ilha e do desterro, das quais me fez eco neste artigo, sobre eventuais e lamentáveis desdobramentos da próxima entrevista de Bento XVI com o presidente Bush. A responsabilidade ante Deus e ante a História de ambas as personalidades, com relação à liberdade de Cuba, é enorme. É meu desejo fervoroso que ambas as personalidades ressoem palavras que contribuam efetivamente para a liberdade e a prosperidade cristã de Cuba.

Armando Valladares, ex-preso político cubano, foi embaixador dos Estados Unidos ante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, durante as administrações Reagan e Bush. E-mail: armandovalladares2005@yahoo.com.es.

Tradução:
Graça Salgueiro

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