domingo, 13 de abril de 2008

Notícias de Jornal Velho: Declaração da quebra da democracia chilena

por Carlos I.S. Azambuja em 12 de abril de 2008

Resumo: A íntegra do texto da resolução da Câmara dos Deputados do Chile, aprovada por ampla maioria em 23 de agosto de 1973. Nela estão relacionadas uma lista das violações constitucionais e legais do governo do Presidente Allende.

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Esta é a íntegra do texto da resolução da Câmara dos Deputados do Chile, aprovada por ampla maioria em 23 de agosto de 1973. Nela estão relacionadas uma lista das violações constitucionais e legais do governo do Presidente Allende, e acorda-se “representar” esta “grave quebra da ordem constitucional e legal da República”, entre outras autoridades, “às Forças Armadas”. Do mesmo modo acorda “representar que, em razão de suas funções, do juramento que prestou de fidelidade à Constituição e às leis (...) lhes corresponde pôr imediato termo a todas as situações de fato referidas, que infringem a Constituição e as leis”.

A propósito dos 100 anos do nascimento de Allende, data que será comemorada por seus partidários em 16 de junho de 2008, é interessante recordar as razões de sua destituição do cargo de presidente da República do Chile, em 11 de setembro de 1973, segundo a Câmara dos Deputados chilena

“Considerando:

1º Que é condição essencial para a existência de um Estado de Direito que os Poderes Públicos, com pleno respeito ao princípio de independência recíproca que os rege, enquadrem sua ação e exerçam suas atribuições dentro dos marcos que a Constituição e as leis lhes assinalam, e que todos os habitantes do país possam desfrutar das garantias e direitos fundamentais que lhes assegura a Constituição Política do Estado;

2º que a juridicidade do Estado chileno é patrimônio do povo que no curso dos anos foi criando nela o consenso fundamental para sua convivência e atentar contra elas é, pois, destruir não só o patrimônio cultural e moral de nossa nação senão que, na prática, é negar toda possibilidade de vida democrática;

3º que são estes valores e princípios os que se expressam na Constituição Política do Estado que, de acordo com seu artigo 2º, assinala que a soberania reside essencialmente na nação e que as autoridades não podem exercer mais poderes que os que esta lhes delegue e, no artigo 3º, deduz-se que um Governo que se arrogue direitos que o povo não lhe delegou, incorre em sedição;

4º que o atual Presidente da República foi eleito pelo Congresso Pleno, e um prévio acordo em torno a um estatuto de garantias democráticas foi incorporado à Constituição Política, o que teve como preciso objetivo assegurar o submetimento da ação de seu Governo aos princípios e normas do Estado de Direito, que ele solenemente se comprometeu a respeitar;

5º Que é um fato que o atual Governo da República, desde seu início, foi-se empenhando em conquistar o poder total, com o evidente propósito de submeter a todas as pessoas o mais estrito controle econômico e político por parte do Estado e conseguir desse modo a instauração de um sistema totalitário, absolutamente oposto ao sistema democrático representativo, que a Constituição estabelece;

6º Que, para alcançar este fim, o Governo não incorreu em violações isoladas da Constituição e da lei, senão que fez delas um sistema permanente de conduta, chegando aos extremos de desconhecer e atropelar sistematicamente as atribuições dos demais Poderes do Estado, violando habitualmente as garantias que a Constituição assegura a todos os habitantes da República, e permitindo e amparando a criação de poderes paralelos, ilegítimos, que constituem um gravíssimo perigo para a nação, o qual, contudo, destruiu elementos essenciais da institucionalidade e do Estado de Direito;

7º Que, no concernente às atribuições do Congresso Nacional, depositário do Poder Legislativo, o Governo incorreu nos seguintes atropelos:

a) Usurpou do Congresso sua principal função, que é a de legislar, ao adotar uma série de medidas de grande importância para a vida econômica e social do país, que são indiscutivelmente matéria de lei, por decretos de insistência ditados abusivamente ou por simples resoluções administrativas fundadas em “resquícios legais”, salientando que tudo isso foi feito com o propósito deliberado e confesso de mudar as estruturas do país, reconhecidas pela legislação vigente, apenas pela vontade do Executivo e com prescindência absoluta da vontade do legislador;

b) Burlou permanentemente as funções fiscalizadoras do Congresso Nacional, ao privar do todo efeito real à atribuição que a este lhe compete, para destinar aos Ministros de Estado que violam a Constituição ou a lei, ou cometem outros delitos ou abusos assinalados na Carta Fundamental, e

c) Por último, o que tem a mais extraordinária gravidade, ter feito “tábula rasa” da alta função que o Congresso tem como Poder Constituinte, ao negar-se a promulgar a reforma constitucional sobre as três áreas da economia, que foi aprovada com estrita sujeição às normas que para esse efeito estabelece a Carta Fundamental;

8º Que, no que concerne ao Poder Judiciário, incorreu nos seguintes abusos:

a) Com o propósito de minar a autoridade da magistratura e de dobrar sua independência, capitaneou uma infamante campanha de injúrias e calúnias contra a Exmª Corte Suprema e amparou graves atropelos de fato contra as pessoas e atribuições dos juízes;

b) Burlou a ação da justiça nos casos de delinqüentes que pertencem a partidos e grupos ou afins do Governo, quer seja mediante o exercício abusivo do indulto, quer mediante o descumprimento deliberado de ordens de detenção;

c) Violou leis expressas e fez “tábula rasa” do princípio de separação dos Poderes, deixando sem aplicação as sentenças ou resoluções judiciais contrárias a seus desígnios e, frente às denúncias que a respeito formulou a Exmª Corte Suprema, o Presidente da República chegou ao extremo inaudito de arrogar-se teoricamente o direito de fazer um “julgamento de méritos” às falhas judicias, determinando quando estes devem ser cumpridos;

9º Que, no que se refere à Controladoria Geral da República – um organismo autônomo essencial para a manutenção da juridicidade administrativa – o Governo violou sistematicamente os ditamens e atuações destinados a representar a ilegalidade dos atos do Executivo ou de entidades dependentes dele;

10º Que entre os constantes atropelos do Governo às garantias e direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, podem-se destacar os seguintes:

a) Violou o princípio de igualdade diante da lei, mediante discriminações sectárias e odiosas na proteção que a autoridade deve prestar às pessoas, aos direitos e aos bens de todos os habitantes da República, no exercício das faculdades que dizem respeito a alimentação e subsistência e em numerosos outros aspectos, sendo visível que o próprio Presidente da República erigiu estas discriminações em norma fundamental de seu Governo, ao proclamar desde o princípio que ele não se considera Presidente de todos os chilenos;

b) Atentou gravemente contra a liberdade de expressão, exercendo toda sorte de pressões econômicas contra os órgãos de difusão que não são incondicionais adeptos do Governo; fechando ilegalmente jornais e rádios; impondo a estas últimas “prisões” ilegais; encarcerando inconstitucionalmente jornalistas de oposição; recorrendo a manobras arteiras para adquirir o monopólio do papel de imprensa, e violando abertamente as disposições legais a que deve sujeitar-se o Canal Nacional de Televisão, ao entregá-lo à direção superior de um funcionário que não foi nomeado com o acordo do Senado, como o exige a lei, e ao convertê-lo em instrumento de propaganda sectária e de difamação dos adversários políticos;

c) Violou o princípio de autonomia universitária e o direito que a Constituição reconhece às Universidades para estabelecer e manter estações de televisão, ao amparar a usurpação do Canal 9 da Universidade do Chile, ao atentar pela violência e pelas detenções ilegais contra o novo Canal 6 dessa Universidade, e ao obstaculizar a extensão aos estados do Canal da Universidade Católica do Chile;

d) Estorvou, impediu e, às vezes, reprimiu com violência o exercício do direito de reunião por parte dos cidadãos que não são adeptos ao regime, enquanto tem permitido constantemente que grupos muitas vezes armados, se reúnam sem sujeição aos regulamentos pertinentes e se apoderem de ruas e caminhos para amedrontar a população;

e) Atentou contra a liberdade de ensino, pondo em aplicação de forma ilegal e subreptícia, através do chamado Decreto de Democratização do Ensino, um plano educacional que busca como finalidade a conscientização marxista;

f) Violou sistematicamente a garantia constitucional do direito de propriedade, ao permitir e amparar mais de 1.500 “tomadas” ilegais de propriedades agrícolas, e ao promover centenas de “tomadas” de estabelecimentos industriais e comerciais para em seguida requisitá-los ou intervencioná-los ilegalmente e constituir assim, pela via do despojo, a área estatal da economia; sistema que foi uma das causas determinantes da insólita diminuição da produção, do desabastecimento, do mercado negro e da asfixiante alta do custo de vida, da ruína do erário nacional e, de modo geral, da crise econômica que fustiga o país e que ameaça o bem-estar mínimo dos lares e compromete gravemente a segurança nacional;

g) Incorreu em freqüentes detenções ilegais por motivos políticos, além das já assinaladas com respeito aos jornalistas, e tolerou que as vítimas sejam submetidas em muitos casos a flagelações e torturas;

h) Desconheceu os direitos dos trabalhadores e de suas organizações sindicais ou gremiais, submetendo-os, como no caso de El Teniente ou dos transportadores, por meios ilegais de repressão;

i) Rompeu compromissos contraídos para fazer justiça com trabalhadores injustamente perseguidos como os de Sumar, Helvetia, Banco Central, El Teniente e Chuquicamata; seguiu uma política arbitrária de imposição das fazendas estatais aos camponeses, contrariando expressamente a Lei de Reforma Agrária; negou a participação real dos trabalhadores de acordo com a Reforma Constitucional que lhes reconhece tal direito; impulsionou o fim da liberdade sindical mediante o paralelismo político nas organizações dos trabalhadores;

j) Infringiu gravemente a garantia constitucional que permite sair do país, estabelecendo para isso requisitos que nenhuma lei contempla.

11º Que contribui poderosamente à quebra do Estado de Direito, a formação e manutenção, sob o estímulo e a proteção do Governo, de uma série de organismos que são sediciosos porque exercem uma autoridade que nem a Constituição nem a lei lhes outorgam, com manifesta violação do disposto no artigo 10 nº 16 da Carta Fundamental, como por exemplo, os Comandos Comunais, os Conselhos Campesinos, os Comitês de Vigilância, as JAP, etc., destinados todos a criar o malfadado “Poder Popular”, cujo fim é substituir os Poderes legitimamente constituídos e servir de base à ditadura totalitária, fatos que foram publicamente reconhecidos pelo Presidente da República em sua última Mensagem Presidencial e por todos os teóricos e meios de comunicação oficialistas;

12º Que na quebra do Estado de Direito tem especial gravidade a formação e desenvolvimento, sob o amparo do Governo, de grupos armados que, além de atentar contra a segurança das pessoas e seus direitos e contra a paz interna da Nação, estão destinados a enfrentar-se contra as Forças Armadas; como também tem especial gravidade que se impeça ao Corpo de Carabineros exercer suas importantíssimas funções frente às reuniões delituosas perpetradas por grupos violentos afeitos ao Governo. Não podem silenciar-se, por sua alta gravidade, as públicas e notórias tentativas de utilizar as Forças Armadas e o Corpo de Carabineros com fins partidaristas, anular sua hierarquia institucional e infiltrar politicamente seus quadros;

13º Que ao constituir-se o atual Ministério, com a participação de altos membros das Forças Armadas e do Corpo de Carabineros, o Exmº Sr. Presidente da República o denominou de “segurança nacional” e lhe assinalou como tarefas fundamentais as de “impor a ordem política” e “impor a ordem econômica”, o que só é concebível sobre a base do pleno restabelecimento e vigência das normas constitucionais e legais que configuram a ordem institucional da República;

14º Que as Forças Armadas e o Corpo de Carabineros são e devem ser, por sua própria natureza, garantia para todos os chilenos e não só para um setor da Nação, ou para uma combinação política. Por conseguinte, sua presença no Governo não pode prestar-se para que cubram com seu aval determinada política partidarista e minoritária, senão que deve encaminhar-se para restabelecer as condições de pleno império da Constituição, das leis e de convivência democrática indispensável para garantir ao Chile sua estabilidade institucional, paz civil, segurança e desenvolvimento;

15º Por último, no exercício das atribuições que lhe confere o artigo 39 da Constituição Política do Estado

A CÂMARA DOS DEPUTADOS ACORDA:

PRIMEIRO: Expor a S. Exª o Presidente da República e aos senhores Ministros de Estado e membros das Forças Armadas e do Corpo de Carabineros, o grave rompimento da ordem constitucional e legal da República que penetram os fatos e circunstâncias referidos nos considerandos de nºs 5 a 12 precedentes;

SEGUNDO: Expor-lhes, do mesmo modo que, em razão de suas funções, do juramento que prestou de fidelidade à Constituição e às leis e, no caso de tais senhores Ministros, da natureza das instituições das quais são altos membros e cujo nome se invocou para incorporá-los ao Ministério, lhes corresponde pôr imediato fim a todas as situações de fato referidas, que infringem a Constituição e as leis, com o fim de encausar a ação governativa pelas vias do Direito e assegurar a ordem constitucional de nossa pátria e as bases essenciais de convivência democrática entre os chilenos;

TERCEIRO: Declarar que, se assim se fizesse, a presença de tais senhores Ministros no Governo importaria um valioso serviço à República. Em caso contrário, comprometeria gravemente o caráter nacional e profissional das Forças Armadas e do Corpo de Carabineiros, com aberta infração ao disposto no artigo 22 da Constituição Política e com grave deterioração de seu prestígio institucional, e

QUARTO: Transmitir este acordo a S. Exª o Presidente da República e aos senhores Ministros da Fazenda, Defesa Nacional, Obras Públicas e Transportes, e Terras e Colonização”.

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