quinta-feira, 17 de abril de 2008

A verdade sobre a China

por Guy Sorman em 16 de abril de 2008

Resumo: As rebeliões que agora surgem no Tibete e em outros lugares são contra o apartheid comunista.

© 2008 MidiaSemMascara.org


Se os chineses tivessem o direito de se expressar, tenho certeza que a maioria deles se juntaria aos protestos tibetanos. O que vemos agora nas províncias do Tibete não pode ser reduzido a um confronto étnico entre duas nações, os tibetanos versus a etnia chinesa; é muito mais uma revolta do estrato mais pobre e oprimido na China contra a tirania do Partido Comunista. As rebeliões tibetanas devem ser vistas como uma revelação sobre o verdadeiro caráter do sistema político-econômico chinês.

O que está ocorrendo no Tibete ocorre em toda a China: rebeliões com milhares de pessoas fazendo oposição por todo o enorme país, agricultores e trabalhadores contra o aparelho de segurança comunista.

No caso do Tibete, apenas ocorre que estamos mais bem informados, pois visitantes conseguiram tirar fotos e enviaram seus relatos ao resto do mundo. Não é o caso em outros lugares remotos, aonde nenhum visitante estrangeiro viaja. Mas sabemos, via internet e mensagens de textos enviadas por telefone celular, que o ciclo de rebeliões e repressão está presente em todos os lugares; sabemos que os manifestantes chineses, não apenas os tibetanos, são mortos pela polícia e enviados a prisão sem julgamento.

Quais são os motivos dessas rebeliões tanto dos tibetanos quanto dos não-tibetanos? Todos eles querem salvar sua identidade: os chineses são um povo diversificado, falando muitas línguas, praticando muitas religiões. Mas, em nome da unidade nacional, o Partido Comunista impôs uma língua nacional - o mandarim - na mídia e na educação: as minorias ligüísticas foram destruídas. O mesmo ocorre com a religião, que só é permitida nos templos oficiais, igrejas e monastérios.

Os tibetanos e os não-tibetanos também estão lutando por educação e serviços de saúde. Na China , escolas e serviços médicos nunca são gratuitos. Famílias pobres sem recursos suficientes não conseguem enviar seus filhos à escola e nenhum deles, tibetanos ou não-tibetanos, tem acesso a qualquer serviço médico.

Além desses motivos específicos, graves o bastante para causar uma revolução, um profundo sentimento de injustiça contamina toda a China.

Qualquer chinês pode ver que o país está dividido em dois países diferentes, o rico e o pobre. Os ricos, uma nova classe média, incluem aproximadamente 20% da população total; esse porcentual também se aplica às minorias étnicas, como os tibetanos. Para se juntar a essa nova classe média, é preciso ser membro do Partido Comunista ou membro da elite militar, ou pelo menos ter conexões com essas duas instituições. Fora do PC, fora das Forças Armadas, é praticamente impossível subir a escada social pelas qualidades pessoais.

O sistema chinês é basicamente fundamentado na divisão da sociedade: no topo, a burocracia comunista controla tudo: a economia, a religião, a cultura, a segurança. Essa burocracia fica mais poderosa a cada dia, pela exploração dos estrato mais baixo da sociedade chinesa.

As rebeliões que agora surgem no Tibete e em outros lugares são diretamente contra esse tipo de apartheid comunista. Será que o Partido Comunista ainda consegue dialogar com os rebeldes? Conseguirá a política econômica da China ser mais generosa com os pobres? Provavelmente não. Os membros do PC, não sendo eleitos, têm poucos incentivos para escutar o povo. Eles também são muito orgulhosos de sua própria conquista: de fato, a China voltou ao palco internacional.

Como então o Ocidente deve se comportar em relação à China? Devemos boicotar os Jogos Olímpicos ? Um boicote provocaria só um reforço nacionalista e daria mais forças ao Partido Comunista na China; nenhum líder dos direitos humanos, chinês ou tibetano, está defendendo um boicote. Mas devemos fazer uma clara distinção entre a China como um país e o Partido Comunista; devemos apoiar os direitos individuais dos jornalistas, religiosos, ativistas dos direitos humanos, professores liberais da China. Com o PC em si, devemos ser extremamente cautelosos, sabendo que para a maioria do povo chinês, a burocracia comunista não é considerada como legítima em seu próprio país.

Publicado pelo Diário do Comércio em 15/04/2008

Nota Redação MSM: Para maiores informações sobre a China, recomenda-se a leitura do livro de Guy Sorman O Ano do Galo, disponível na Editora É Realizações.

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