domingo, 2 de agosto de 2009

AMORIM, UM MINISTRO “desse tamanhinho”

Reinaldo Azevedo

domingo, 2 de agosto de 2009 | 5:57

Celso Amorim, o gigante que conduz a política externa brasileira, conversou com Eliane Cantanhêde. O bate-papo está publicado na Folha deste domingo. Falou o que lhe deu na veneta, como acontece em casos assim. Escrevi aqui anteontem que só uma coisa é pior do que Amorim: Amorim no dia seguinte. Ele está convicto, tudo indica, de que fala para trouxas, uma vez que ignora solenemente os fatos. Dois temas merecem ser especialmente comentados. Vamos lá:

FOLHA - Por que tanta preocupação com o uso de bases militares da Colômbia pelos EUA, se já há o Plano Colômbia?
AMORIM -
É um fato novo. Se fosse a mesma coisa que já tinham, não precisavam fazer um novo acordo, não é? A impressão é que as bases servem para operação de aviões com raio de ação muito grande. Tudo isso feito assim, sem que tenha havido um processo, sem nos consultar. A Colômbia é um país soberano e tem o direito de fazer o que quiser no território dela, mas é uma presença militar importante na nossa vizinhança. Você pode dizer que já tinha em Manta [no Equador]. Ok, mas, se mudou, então há uma coisa nova, e nós queremos conhecer melhor.
FOLHA - O presidente Hugo Chávez tem razão ao reclamar?
AMORIM
- Compreendo as preocupações da Venezuela. Diz-se que o alvo principal é o narcotráfico e ao mesmo tempo há relatórios do Congresso americano dizendo que a Venezuela estaria sendo conivente, ou leniente, com o narcotráfico. Daí, põem-se num país que é vizinho da Venezuela bases americanas -ou bases colombianas para uso americano, não importa. Gente! É a história do Millôr Fernandes: “O fato de eu ser paranoico não significa que não esteja sendo perseguido”.

Comento
Nas duas respostas, Amorim alimenta a fantasia estúpida de que os EUA precisariam usar as bases colombianas se quisessem intervir em qualquer país da América Latina. Não precisam. Ainda que a Colômbia faça fronteira com a Venezuela. Na própria Folha, o sempre excelente Ricardo Bonalume lembra o óbvio:
Ter bases próximas de onde se queira atacar é útil, mas não essencial. Se quisessem bombardear Caracas e Chávez, não seria preciso [os EUA terem] uma base na Colômbia. Basta lembrar que os EUA usaram porta-aviões para atacar o Afeganistão em 2001. Um porta-aviões nuclear USS Nimitz tem 100 mil toneladas de deslocamento. Carrega 85 aeronaves e quase 6.000 tripulantes. Basta um para varrer a Força Aérea Venezuelana do mapa. A Marinha dos EUA tem dez destes navios e um mais velho, o USS Enterprise.”
Na mosca! Bonalume lembra também que a localização das bases indica preocupação com o narcotráfico.

Mas o que é formidável na resposta do ministro é a maneira como nega, nas entrelinhas, o que o resto do mundo sabe: a Venezuela é hoje um país que integra a cadeia do narcotráfico. Já chego lá. Vamos a Amorim em seu pior momento:

FOLHA - Por outro lado, o Brasil não se preocupa também com a queixa da Suécia de que armas vendidas à Venezuela foram parar com as Farc?
AMORIM -
Não sei quando ocorreu, nem se ocorreu, e, se ocorreu, se foi antes ou depois do Chávez. E se foram roubadas? De qualquer maneira, vamos e venhamos, é só um episódio. Muitas armas chegam lá, nas Farc, como chegam nas favelas do Rio. Esse episódio é uma coisa desse tamanhinho comparado com as bases militares.

Comento
Amorim faz pouco dos leitores com grotesca sem-cerimônia. Não só isso: está pondo sob suspeição a palavra oficial do governo colombiano. Não sabe se ocorreu? As armas estão em poder do Exército da Colômbia. Nelas, há números de série. A empresa sueca que as vendeu e o governo da Suécia confirmam que pertencem à Venezuela. A hipótese do roubo é ridícula. Quer dizer que lança-foguetes seriam roubados, assim, como quem rouba uma garrucha?

Já demonstrei aqui que o episódio, gravíssimo, nada tem a ver com tráfico de armas ou compra de armamento no mercado negro. Aquelas que chegam às favelas do Rio não são de propriedade de um país estrangeiro. As situações são absolutamente distintas. Mas isso ainda é pouco? Aos fatos!

Amorim esconde, e nada lhe foi perguntado a respeito, que, nos e-mails encontrados no laptop de Raúl Reyes, um líder guerrilheiro relata encontros com dois generais venezuelanos, da cozinha de Chávez. A revista SEMANA publicou seu conteúdo, a saber:
“Como estava previsto, em 3 de janeiro, eu me reuni com os generais (Cliver) Alcalá e (Hugo) Carvajal, com quem Já havia me reunido em três ocasiões na companhia de Ricardo (Rodrigo Granda). Falamos do Plano Patriota, troca de prisioneiros, a “parapolítica” e de três aspectos do plano estratégico: finanças, armas e política de fronteiras. Eles vão nos fazer chegar (na próxima semana) 20 bazucas (não me lembro o calibre) de grande potência segundo eles, das quais 10 seriam para Timo (Timochenko) e 10 para cá. Alcalá sugeriu que fosse uma quantidade maior”.

Em outra mensagem, lê-se:
“O aparato que recebemos com Timo são foguetes antitanques de 85 mm, dois tubos e 21 cargas. O amigo disse que eles têm mais 1.000 cargas e que, em breve, nos fará chegar outras mais, assim como alguns tubos.”

O terrorista se refere justamente aos lança-foguetes encontrados pelo Exército colombiano. E quanto aos generais? A SEMANA deu a ficha dos valentes numa reportagem que traduzi aqui na segunda passada. Vamos ver:

Os dois militares venezuelanos que são mencionados por Márquez em seu correio fazem parte do círculo de maior confiança do presidente venezuelano e podem ser apontados como colaboradores das Farc. O general Alcalá é o comandante da 41ª Brigada Blindada e Guarnição Militar de Valencia. Mas o mais polêmico, sem dúvida alguma, e o general Hugo Carvajal, chefe da Direção Geral de Inteligência Militar da Venezuela (Dgim). Em fevereiro de 2008, SEMANA publicou uma extensa investigação que evidenciou a estreita colaboração de Carvajal com as Farc, assim como a proteção efetiva que esse oficial dava a grupos de narcotraficantes. Carvajal estaria também envolvido na tortura e assassinato de membros do Exército colombiano em território venezuelano.
(…)
No ano passado, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos incluiu na lista especial de traficantes de drogas, popularmente chamada de “Lista Clinton”, Carvajal, três altos funcionários do governo venezuelano, o ex-ministro do Interior e Justiça Ramón Rodríguez Chacín e Heny de Jesús Rangel Silva, diretor dos Serviços de Prevenção e Inteligência (Disip).

Em suma
O
acordo militar entre EUA e Colômbia não tem gravidade nenhuma — talvez seja incômodo para Chávez e para alguns estranhos generais seus, mas não por causa do risco à soberania. Já as provas de que o governo do tiranete cedeu armamento pesado aos narcoterroristas são escandalosamente claras. Amorim acha isso “uma coisa desse tamanhinho”. Posso imaginá-lo a dimensionar um problema, para ele irrelevante, com o auxílio do indicador e do polegar, fazendo caber no espaço exíguo entre eles nada menos do que a cessão de armas a um grupo que seqüestra, mata, trafica drogas e mantém um campo de concentração na selva.

Ah, sim: Amorim também justificou o fato de o acordo Lulu (Lula-Lugo) ter rasgado o contrato de Itaipu — contra os interesses do Brasil, naturalmente.
FOLHA - Quem paga a conta da triplicação do que o Brasil paga pela cessão de energia e da doação de uma linha de transmissão de US$ 450 milhões para eles consumirem lá uma energia que hoje a gente consome cá?
AMORIM -
Pelo amor de Deus! Eles são donos de metade da usina, de metade da água. Eu não posso querer ficar com toda a energia. O que o presidente Lula decidiu é que não será o consumidor.
FOLHA - Mas só existem três formas: ou o contribuinte, ou o consumidor, ou a entidade consumidor-contribuinte.
AMORIM -
Concordo, mas sabe quanto a cessão representa do orçamento total de Itaipu? Menos de 10%. A relação com o Paraguai é muito mais complexa do que isso.

Esqueceu de dizer que o Paraguai não pôs um centavo em Itaipu. Ademais, a questão não é apenas episódica. Mais uma vez, o governo Lula usou os cofres públicos para sustentar uma posição no Continente que, à diferença do que se diz, é mais ideológica do que pragmática.

Isso à parte, o ministro tentou explicar por que o seu estrondoso fracasso na Rodada Doha foi, na verdade, um grande sucesso… E resolveu expor as diferenças entre os governos de Lula e de Obama, exercitando sempre um certo antiamericanismo cafona. Há dias, disse aqui que essa gente não sabe fazer política se não tiver o Grande Satã.

Eis Amorim. Um ministro desse tamanhinho!

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/amorim-um-ministro-desse-tamanhinho/

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