sábado, 22 de agosto de 2009

Parar a ofensiva contra o jornalismo livre

Mídia Sem Máscara

Nos países onde o poder não caiu nas mãos chavistas o drama da perseguição aos espíritos livres também se agrava. Em Honduras, nove meios de comunicação têm sofrido ataques desde 28 de junho de 2009. Os agressores são simpatizantes do deposto presidente Manuel Zelaya. O mais recente ocorreu neste 19 de agosto, quando o diário El Heraldo foi atacado com explosivos.

O combate pela verdade dos jornalistas venezuelanos e latino-americanos em geral é um dos maiores obstáculos à consolidação do regime autoritário de Hugo Chávez. À diferença do regime cubano, o de Caracas não pôde vender ao mundo a imagem de um regime simpático e triunfante, como conseguiu fazê-lo Fidel Castro nos primeiros anos de seu atroz experimento, graças à destruição radical e definitiva da imprensa livre da ilha.

Para corrigir esse "erro", o poder bolivariano redige leis de censura e aplica a intimidação e a violência direta contra os jornalistas, sem conseguir abafar de todo a informação e a análise. E isso ocorre não só na Venezuela mas também, de forma simultânea e quase idêntica, em países clientes do ditador chavista, sobretudo no Equador, Bolívia, Nicarágua e El Salvador.

Na semana passada, por exemplo, doze repórteres da cadeia Capriles que se manifestavam contra a nova lei de Educação, sofreram em Caracas brutais golpes das mãos de um bando de revolucionários [1]. Dias antes, Hugo Chávez havia apresentado a lei para sancionar os "delitos midiáticos" e ordenado o fechamento de 34 emissoras privadas de rádio. Na Bolívia, o câmera Marcelo Lobo, do canal Gigavisión, foi agredido por desconhecidos em La Paz. Em Quito, onde Rafael Correa insulta os jornalistas que não bajulam suas políticas, há alarme após o anúncio de que o governo utilizará um "mandato de transição constitucional" para entregar as freqüências radiais a agentes do oficialismo e reduzir ainda mais a liberdade de expressão e informação. Em El Salvador, três repórteres da Radio Victoria receberam ameaças de morte.

Nos países onde o poder não caiu nas mãos chavistas o drama da perseguição aos espíritos livres também se agrava. Em Honduras, nove meios de comunicação têm sofrido ataques desde 28 de junho de 2009. Os agressores são simpatizantes do deposto presidente Manuel Zelaya. O mais recente ocorreu neste 19 de agosto, quando o diário El Heraldo foi atacado com explosivos [2].

A Colômbia também é um exemplo. Porém, ali não é o governo quem persegue os jornalistas; pelo contrario. Essa atividade é engendrada em círculos inimigos do governo e, lamentavelmente, impulsionada por membros importantes do poder judiciário, conhecidos por sua fanática oposição ao presidente Álvaro Uribe.

No começo de agosto de 2009, um grupo de jornalistas que haviam sido demandados penalmente por um magistrado do Conselho Superior da Magistratura, José Alfredo Escobar Araújo, escaparam de uma severa condenação. O Tribunal Superior de Bogotá (TSB) rechaçou a pretensão do magistrado, no sentido de que os demandados haviam "violado seus direitos" por haver escrito em vários artigos de 2008 que ele era um "magistrado indigno". Escobar merecia de sobra esse qualificativo. Ele havia aceitado um presente (uns botins) de um tal Giorgio Sale, um indivíduo encarcerado na Itália, em novembro de 2006, por lavagem de narco-dólares. Giorgio Sale também havia sido relacionado com Salvatore Mancuso, um temível ex-chefe paramilitar, extraditado aos Estados Unidos com outros 14 ex-chefes "paras".

Colunista muito lido de El Tiempo, Mauricio Vargas denuncia com veemência os nexos de alguns magistrados com obscuros personagens ligados a Mancuso e critica a guerra de guerrilhas que a Corte Suprema de Justiça faz ao governo de Uribe [3]. Ele e outros editorialistas que haviam fustigado a atitude indelicada do magistrado Escobar Araújo, foram absolvidos pelo TSB. Este organismo, todavia, exigiu que se "retificasse" uma frase dos artigos onde se dizia que Escobar Araújo influía desde seu cargo na nomeação de outros juízes e magistrados. A ordem teve de ser acatada de imediato pelos jornalistas.

Porém, acatar às vezes não é suficiente. Rodrigo Pardo García-Peña, outro jornalista que também havia criticado o magistrado Escobar pelo mesmo fato, foi convidado por uma juíza de Bogotá a passar uns dias na prisão e a pagar uma pesada multa. Segundo ela, Pardo havia "desacatado" a ordem de um juiz no caso do magistrado Escobar. Este havia ficado "insatisfeito" com a retificação de duas frases feita meses atrás por Pardo, diretor da revista Cambio.

Ante a arbitrariedade, várias sociedades de imprensa protestaram: "Privar um jornalista da liberdade sob um argumento tão insignificante, constitui uma afronta de proporções incalculáveis e cria um grave precedente contra a atividade jornalística", declararam Andiarios, Asomedios e a Sociedade Interamericana de Imprensa. Inclusive a Procuradoria Geral da Nação conceituou que a revista Cambio havia sim retificado suficientemente as duas afirmações que o juiz de primeira instância havia condenado e concluiu que a demanda por desacato não procedia. Ex-ministro de Relações Exteriores, Rodrigo Pardo García-Peña é um fino analista da atualidade internacional e, embora muito moderado em suas expressões, é um critico das FARC [4] e está longe de ser um admirador de Hugo Chávez.

Um caso ainda mais grave estourou em 30 de junho de 2009, quando a magistrada Sandra Castro, da Fiscalização Geral, expediu uma denúncia penal contra outro jornalista. Considerando que o trabalho de Fernando Londoño Hoyos, diretor do noticiário La Hora de la Verdad, da Radio Super de Bogotá, constitui, de fato, um "concerto para delinqüir agravado", a magistrada, que é nada menos que a Coordenadora Nacional da Unidade de Direitos Humanos da Fiscalização Geral, e deveria por isso dar o exemplo em matéria de respeito aos Direitos Humanos, decidiu incriminar Fernando Londoño e William Calderón, outro jornalista do citado noticiário, por exercer essa profissão.

As acusações da magistrada são assombrosas. Ela não aceita que Fernando Londoño, ex-ministro do Interior de Álvaro Uribe, denuncie e apresente provas em seu conhecido programa radial acerca dos abusos anti-jurídicos que cometem certas dependências da Fiscalização, sobretudo contra alguns altos militares que foram encarcerados injustamente graças a "provas" e "testemunhos" cuja credibilidade não vale nada. La Hora de la Verdad questiona também o fenômeno contrário, quer dizer, a não estimação das provas que certos inculpados apresentam e a moderação da Fiscalização no momento de decidir os casos onde se encontra envolvida gente acusada de fazer parte do aparato político-militar das FARC [5]. Além disso, Londoño revelou em junho de 2009, que as numerosas visitas de Giogio Sale a gabinetes da Corte Suprema de Justiça haviam sido apagadas das gravações eletrônicas "no mais puro estilo mafioso com destruição de provas".

Dias mais tarde, os ataques contra Fernando Londoño se intensificaram. Desta vez o petardo foi posto em Caracas. Em entrevista com uma televisão colombiana, o presidente Hugo Chávez acusou o jornalista de haver organizado em 2004 o envio à Venezuela de "200 paramilitares colombianos" para assassinar o chefe de Estado venezuelano. Londoño negou peremptoriamente a acusação e lembrou que a imprensa venezuelana havia investigado o assunto dos pretendidos paramilitares e contestado a versão de Chávez [6]. Londoño anunciou que abrirá um processo por calúnia contra o mandatário venezuelano, em vista do que não só pretende intimidá-lo, como com seu conto dos "paras" busca atentar contra a reputação do governo da Colômbia e do presidente Álvaro Uribe.

Fernando Londoño foi também objeto de interceptações telefônicas ilegais. Mesmo não castigado, tal delito foi cometido por elementos desconhecidos que manipularam um noticiário para começar uma campanha de desprestígio contra o brilhante editorialista que denuncia com intransigência os crimes do chavismo e os erros do ex Procurador Geral, Mario Iguarán.

Essas operações de perseguição que procuram tapar a boca dos jornalistas insubmissos da Colômbia, da Venezuela e da América Latina, estão se intensificando. Não satisfeito em reprimir os jornalistas da Venezuela, Hugo Chávez toma iniciativas contra jornalistas colombianos. O pior de tudo é que na Colômbia, como na Venezuela, em vez de encontrar um baluarte protetor da liberdade de imprensa, os jornalistas tropeçam com a hostilidade visível do poder judiciário.

Isso reforça a auto-censura, uma das maiores ameaças contra as sociedades abertas. Por exemplo, as notícias sobre os processos em curso dos militares, onde se estão violando todas as regras do Direito, são publicadas pelos jornais em quantidades microscópicas. Na Colômbia certos magistrados tratam de minar a autoridade do governo e demolir ao mesmo tempo os jornalistas que denunciam esses fenômenos. Na Venezuela ocorre quase o mesmo. Fanatizados pela ideologia no poder, os magistrados avalizam as políticas liberticidas de Chávez e ignoram as violências que se cometem contra a imprensa.

Na Colômbia a ofensiva contra os jornalistas se dá no marco de uma revolta do poder judiciário que pretende ditar sua lei ao poder executivo, criando situações grotescas. Esse desafio ao Estado de Direito já suscitou fortes choques entre os poderes públicos. A Corte Constitucional entrou em querela com a Corte Suprema de Justiça, e esta contra a Procuradoria. Existem tensões incríveis entre o poder judiciário e o poder legislativo, e entre o poder judiciário e o poder executivo.

Tudo isso coincide de forma patética com o que está ocorrendo na Venezuela, Equador e Bolívia, onde os governos impulsionam leis e medidas para destruir a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e de informação.

Embora muito diferentes, o que mostram os casos de Fernando Londoño Hoyos e Rodrigo Pardo é que de alguma maneira um pólo totalitário incrustado na magistratura colombiana atua como se a soberania chavista imperasse já sobre a Colômbia, ou sobre uma parte da institucionalidade colombiana. Estamos, pois, ante um fenômeno muito singular no qual se dá, de fato, uma extensão insidiosa de uma influência estrangeira sobre um setor do aparato de Estado colombiano. Parece que estamos ante uma estratégia de pérfida e paulatina conquista do Estado e da sociedade colombiana, passo a passo, parcela por parcela, sem fazer ruído. É hora de o governo e a imprensa livre na Colômbia começarem a abrir os olhos ante isso e a desvelar esse projeto para desmantelá-lo antes que seja impossível.

Notas:

[1] Rubén Mendoza, o chefe da RNCB, um bando de matadores a serviço do chavismo, justificou o ataque aos jornalistas e prometeu novas agressões: "A Cadeia Capriles é um antro de conspiração", disse.

[2] Ver Diário Exterior, Madri, 20 de agosto de 2009 em http://www.eldiarioexterior.com/noticia.asp?idarticulo=33498

[3] Ler seu artigo ¿A qué juega de Corte Suprema?, El Tiempo, 16 de junho de 2008.

[4] Ver as declarações de Rodrigo Pardo intituladas "Alfonso Cano no abre esperanzas de aproximación política", RCN, Bogotá, 14 de agosto de 2009.

[5] Em 20 de março de 2009, La Hora de la Verdad entrevistou Olivo Saldaña, ex-guerrilheiro das FARC. Ele falou das obscuras relações que existem entre certa classe política do Tolima e as FARC, sobre as motivações da senadora Piedad Córdoba e alguns líderes do Polo Democrático e, sobretudo, acerca da infiltração que as FARC fizeram na Fiscalização Geral da Nação. Saldaña disse que até esse momento a Fiscalização havia se negado a receber seu testemunho.

[6] Escutar o editorial de Fernando Londoño em La Hora de la Verdad, de 10 de agosto de 2009 em: http://www.lahoradelaverdad.com.co/post/day/_id=8&y=2009&m=8&d=10


Tradução: Graça Salgueiro

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