domingo, 9 de agosto de 2009

Sobre a duvidosa legitimidade da Unasul

Mídia Sem Máscara

Em seus dez anos de existência a Unasul não contribuiu para solucionar nenhum dos problemas da América do Sul. Muito pelo contrário. Os chefes de governo que exercem uma influência desmedida na Unasul, como Chávez, Correa e Morales, têm feito da opressão política, da miséria e do descontentamento popular seus sinais distintivos.

No próximo dia 10 de agosto o chefe de Estado colombiano não assistirá à reunião da Unasul em Quito e isso está muito bem. O presidente Álvaro Uribe tomou a decisão correta ao anunciar que não irá a esse conclave, embora enviará um ou dois funcionários para que tomem nota atentamente sobre o que se discutirá ali. Isso era o que a Colômbia devia fazer.

Em meio da nova ofensiva de ameaças e insultos desatada contra a Colômbia pelo governo venezuelano, ir a essa reunião teria sido uma capitulação. E isso não só porque os solistas da Unasul, Hugo Chávez e Rafael Correa, aparecem cada vez mais articulados aos planos das FARC, entidade terrorista que recebe armas, explosivos e sustento territorial e diplomático destes, como foi provado até a saciedade nos últimos anos, e não só porque os membros da Unasul queriam que Álvaro Uribe negociasse com eles algo que é próprio da soberania nacional colombiana, como seus acordos com os Estados Unidos, mas porque a Unasul é, na realidade, um organismo de duvidosa legalidade.

Os objetivos da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) sempre foram opacos. À diferença da OEA, organismo que a Unasul queria suplantar, a Unasul não é o resultado de uma verdadeira discussão jurídico-política entre as nações. Se a construção da OEA necessitou de várias décadas de intensos trabalhos, nove conferências pan-americanas, precedidas cada uma destas de muitos meses de intensas discussões nas respectivas chancelarias, e de conferências finais nas quais se discutiram e votaram inúmeros acordos, resoluções e tratados de grande envergadura política e jurídica, o da Unasul é um pálido reflexo disto. A assinatura do tratado constitutivo da Unasul necessitou de uma curta reunião em 23 de maio de 2008, em Brasília, e a assinatura do texto por doze chefes de Estado latino-americanos.

A OEA, ao contrário, repousa sobre um movimento cuja origem remonta a 1890, ano da primeira conferência da União Pan-Americana. A carta da OEA foi aprovada em 1948 na IX Conferência Pan-Americana de Bogotá. Esta reunião foi objeto de uma brutal campanha de difamação por parte da URSS, a qual se esforçava nesses anos para reduzir a influência dos Estados Unidos na América Latina e na Europa. Moscou queria arruinar o conceito de solidariedade continental, central no movimento pan-americano, contra as ameaças extra-continentais. A sangrenta tentativa de golpe de Estado que Moscou organizou na capital colombiana em 9 de abril de 1948, esteve a ponto de fazer fracassar a IX Conferência. Os soviéticos organizaram o assassinato de um líder político colombiano para desatar a ira popular, obter o fechamento precipitado da IX Conferência Pan-Americana e conseguir a queda do governo conservador. O plano consistia em instalar no poder uma fração liberal que eles manipulariam a seu bel prazer, como haviam feito pouco antes com os liberais da Espanha e Checoslováquia. Porém, o putsch fracassou. Após uma semana de graves destruições e violências em quase todo o país, o governo pôde restabelecer a ordem pública. Desde então, a OEA foi o alvo de todo tipo de ataques do campo comunista, os quais se agravaram desde a chegada de Fidel Castro ao poder em Cuba. O processo de destruição atual da OEA nas mãos do Foro de São Paulo corresponde a essa velha querela.

Os antecedentes da Unasul são muito precários. Tudo começou em 2000, com um encontro de mandatários em Brasília e com a criação em 2004 da chamada Comunidade Sul-Americana de Nações, acolhida pelo encontro presidencial de Cuzco (Peru). Porém, seria inexato dizer que esses eventos foram o resultado de verdadeiras discussões entre jurisconsultos e a classe política de cada país como no movimento pan-americano. A Unasul foi criada pelas costas da opinião pública e da imprensa internacional. Como desde o início se deixava de fora a metade do continente latino-americano e tinha a obsessão de excluir, como fosse possível, os Estados Unidos, esse movimento foi manejado discretamente como um organismo que ocultava seus reais propósitos.

A Unasul foi erigida como instrumento de combate político como um aríete do chamado "socialismo do século XXI", contra as democracias do continente. Sua criação foi por isso muito pouco discutida pelos países e pelos representantes dos povos que assinaram o tratado constitutivo.

O chavismo assegura que a União Européia foi o modelo inspirador da Unasul; que esta procurava criar a "identidade sul-americana", como se esta não existisse. A construção da Unasul pouco ou nada tem, na realidade, a ver com o espírito liberal, inclusivo e democrático que possibilitou a criação da União Européia. Na criação da UE não interveio a visão sectária que inspira a Unasul. É como se a União Européia tivesse sido fundada excluindo o Sul Europeu, quer dizer, Portugal, Espanha, Itália e Grécia, e estruturada unicamente com os países do Norte Europeu.

Por outra parte, a Unasul foi criada como um arma contra a ALCA, o grande projeto de zona de livre comércio, do Alaska até a Patagônia, que o governo de George Bush propôs em 1990 ao continente.

Contra essa zona de livre comércio o castrismo e suas variantes recentes, como o pretendido "bolivarianismo", se opuseram com furor. Não é senão recordar que a guerrilha zapatista do chamado "sub-comandante Marcos", justificou sua violenta aparição no México como uma resposta à proposta da ALCA. Se a Unasul tem uma "filosofia", esta é a do rechaço e do ódio ao sistema liberal-capitalista. A Unasul nasceu sob o signo do grande temor que inspira a alguns o desenvolvimento da colaboração econômica, jurídica e política entre os países do continente americano.

A Unasul é o resultado, pois, de um sectarismo e de um cálculo político solapado e intolerante, justificável unicamente desde a perspectiva utópica neo-marxista, contrária ao ideal democrático. Para opor-se à ALCA, os atores "anti-imperialistas" tiveram que inventar uma série de imposturas: que a agricultura mexicana havia sido "devastada" pelo acordo de livre comércio com os Estados Unidos, que o país de Juárez ia direto para a crise total e para uma "recessão profunda". Nenhuma dessas falsas profecias se cumpriu; ao contrário. Graças a seu ingresso em 1994, no Acordo de Livre Comércio para a América do Norte (ALENA), o México se converteu no segundo sócio comercial dos Estados Unidos depois do Canadá. Entretanto, isso não fez mudar a visão dos chefes da Unasul. Esse organismo se opõe aos tratados comerciais com os Estados Unidos (a guerrilha contra o tratado de livre comércio entre os Estados Unidos e a Colômbia é um exemplo), privilegia os acordos sul-sul e os negócios entre os países membros da Unasul.

Em seus dez anos de existência a Unasul não contribuiu para solucionar nenhum dos problemas da América do Sul. Muito pelo contrário. Os chefes de governo que exercem uma influência desmedida na Unasul, como Chávez, Correa e Morales, têm feito da opressão política, da miséria e do descontentamento popular seus sinais distintivos. A miserável vendetta que a Venezuela e o Equador alimentam contra a Colômbia, porque este país nunca levou a sério o lixo ideológico chavista, jamais encontrou na Unasul o menor princípio de pista de solução diplomática. Ao contrário, os chefes do organismo atiçam o fogo anti-colombiano a cada dia.

Isto é apenas óbvio. Lendo-se o tratado de constituição da Unasul, pode-se ver que a prioridade desse organismo supra-nacional não é aliviar as tensões e consolidar a democracia do continente. Tal texto fala antes do "diálogo político" como prioridade. Só no marco desse "diálogo político", forjado sob critérios confusos, a noção de "fortalecer a democracia" tem algum cabimento, porém como uma noção subordinada e secundária.

No artigo 3 do tratado constitutivo, que fixa os "objetivos específicos" da Unasul, não aparece nem uma só vez a palavra democracia. Entretanto, esse artigo inclui 21 parágrafos onde se fala de tudo, menos de democracia. Esta palavra é citada uma só vez no artigo precedente, onde se evoca laconicamente o princípio de "fortalecer a democracia", e isso é tudo. Por outro lado, a noção que se repete várias vezes ao longo deste tratado é a misteriosa "redução (ou superação) das assimetrias" (Ver em: http://www.integracionsur.com/sudamerica/TratadoUnasurBrasil08.pdf). O chefe de fato da Unasul, Hugo Chávez, se esforça para destruir os intercâmbios econômicos entre a Colômbia e a Venezuela. Isso talvez seja o que ele chama de "reduzir as assimetrias".

Nos debates que precederam a assinatura do tratado da Unasul, a ambigüidade frente ao conceito de democracia também esteve presente. Na declaração da primeira cúpula sul-americana de presidentes, em 2000, em Brasília, foi utilizada uma fórmula importante e promissora que fala de configurar "uma área singular de democracia, paz e cooperação solidária". Todavia, essa fórmula desaparecerá curiosa e completamente das declarações subseqüentes (ver as declarações emitidas nas reuniões de 2002 em Guayaquil, de 2004 em Cuzco, de 2006 em Brasília e 2008 em Cochabamba).

Em vez de estabelecer o critério de que cada Estado deverá respeitar a democracia representativa, o tratado constitutivo diz, bem ao contrario, que "cada Estado adquire os compromissos segundo sua realidade". Quer dizer, a democracia representativa na Unasul é uma noção de segunda classe, espúria, revisável, duvidosa. Portanto, sua aplicação e defesa depende de terceiros fatores, como este da curiosa "realidade" de cada Estado.

Os exemplos de como a Unasul vê a democracia e a adapta à "realidade de cada Estado" são conhecidos. Rafael Correa expulsa a patadas os membros do Congresso equatoriano que se opõem a seus planos. Evo Morales entra em conflito com a metade da Bolívia, detém os prefeitos dissidentes (como no caso de Leopoldo Fernández) e propicia massacres como o de Pando, para depois acusar seus adversários disso. Na Venezuela, Hugo Chávez desconhece os resultados das eleições que não lhe são favoráveis, encarcera sindicalistas, instaura a censura de imprensa, tortura, dispara contra manifestantes desarmados, expropria empresas estrangeiras, destrói a economia, enche os cárceres de opositores e apóia as FARC, um movimento terrorista estrangeiro.

O fracasso dos padrinhos da Unasul é duplo. Não só fracassaram com a Unasul, senão que fizeram fracassar também a OEA, posta por eles nas mãos do marxista chileno Insulza, a quem prometeram também a presidência do Chile. Mais preocupado em não perder tais apoios, Insulza se entendeu com Caracas ante cada crise. Os resultados disso tudo o mundo os viu.

Esse organismo de reputação e legitimidade duvidosa era o que se queria constituir em tribunal, ante o qual o presidente Uribe devia ir pedir perdão e permissão para assinar um acordo militar com os Estados Unidos. Esse organismo pretende impedir a segunda reeleição do presidente Uribe e até quer vetar a candidatura do ex-ministro Juan Manuel Santos. A Unasul é um organismo que nasceu morto e que é incapaz de trazer soluções para a América do Sul. A via segue sendo a da união pan-americana, com todos os países do continente. A OEA terá que ser reconstruída e posta nas mãos de gente razoável.


* Jornalista colombiano vivendo atualmente na França.

Tradução: Graça Salgueiro

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