sexta-feira, 11 de abril de 2008

Entendenda como o contribuinte brasileiro sustenta o Cinema Nacional - I

por Felipe Atxa em 10 de abril de 2008

Resumo: Por que grande parte dos investidores potenciais não se entusiasma com a possibilidade de investir nas produções brasileiras, sem lançar mão de um centavo do próprio bolso, diminuindo o restante do imposto a pagar e ainda podendo vir a lucrar quando o filme chegar à etapa de comercialização?

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A questão do financiamento público dos filmes brasileiros se assemelha a uma discussão entre duas crianças, decidindo o que fazer com o salário mensal dos pais – sem permitir, contudo, que os últimos possam influenciar na discussão. Burocratas e cineastas decidem como o dinheiro dos “pais” – no caso, os contribuintes brasileiros – será gasto por eles mesmos.

Para poder “falar mal”, contudo, é necessário primeiramente compreender como funcionam as leis, no final das contas redigidas e aprovadas por políticos eleitos pelo povo que ignora o tema.

A legislação fiscal elaborada para beneficiar os filmes brasileiros é, disparadamente, a mais vantajosa do mundo, tanto para quem investe (o patrocinador/investidor) como para quem recebe (o cineasta brasileiro). Quem coloca dinheiro nos filmes não corre risco nenhum: seu aporte já sai compensado pela renúncia fiscal. O produtor, por sua vez, está comprometido apenas com sua própria capacidade de fazer contatos e captar mais recursos, quase que infinitamente, sem para isso ter de transformar seus filmes em sucesso de bilheteria. Através do mecanismo criado pela Lei do Audiovisual, por exemplo, o investidor tem um retorno automático de 125% sobre o valor utilizado como aporte ao filme escolhido, pois deduz do que iria pagar de IR 100% do valor incentivado e ainda recebe um “bônus” de aproximadamente 25%, pois pode lançar o mesmo valor ainda como sua despesa operacional[1]. A operação toda, por sua vez, é feita por intermédio de uma distribuidora de títulos e valores, fiscalizada rigorosamente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ou seja: é seguro, transparente e vantajoso para todos os envolvidos (exceto, provavelmente, para o restante da sociedade).

E, no caso, quando os filmes efetivamente “dão bilheteria”? Aí, o ganho proporcional é imenso para os investidores (que ficam com cerca de 30% das receitas líquidas) e para os cineastas (que ficam com os 70% restantes). Fruto dessa terrível distorção é a parcela reservada ao Estado, que financiou (a fundo perdido) a brincadeira toda: caso o filme dê lucro (convém lembrar que o mesmo já está pago pelo incentivo, então cada ingresso vendido é dinheiro em caixa), nada retorna a ele, exceto a parcela referente a tributos resultante das operações financeiras decorrentes do processo de produção e distribuição do filme. O que significa, trocando em miúdos, que se o filme for muito barato, como a carga tributária brasileira é notadamente alta, o valor renunciado pelo governo em incentivo fiscal pode ser automaticamente compensado com os impostos e taxas incidentes sobre as receitas brutas. Acontece que, para completar o circo de horrores com dinheiro público, os filmes brasileiros são – em 99% dos casos – produtos ruins e muito caros, mesmo para os padrões internacionais.

A despeito de tudo isso, por que uma grande parte dos investidores potenciais não se entusiasma com a possibilidade de investir nas produções brasileiras – usando para isso um dinheiro que não pode usar em outra coisa (visto que seria recolhido, de toda forma, como imposto de renda), sem lançar mão de um centavo do próprio bolso, diminuindo o restante do imposto a pagar e ainda podendo vir a lucrar quando o filme chegar à etapa de comercialização?

Os motivos são alguns. Em primeiro lugar, a imagem do filme brasileiro como negócio é a pior possível: são décadas de falta de credibilidade, uma tradição de desperdício e assustadores relatos de má utilização das verbas. Os filmes, por sua vez, têm pouco ou nenhum apelo comercial para a quase totalidade do público – e, antes que possa ser acusado de “comercialismo”, sua contribuição estética para a cinematografia mundial é, de forma geral, tímida demais para que possa justificar semelhante mediocridade financeira (salas vazias, baixas vendas internacionais, etc.). Os orçamentos dos longas, por sua vez, são absurdamente altos (inclusive para padrões internacionais, quando levamos em conta toda a produção de fora de Hollywood). Isso transforma o jogo de investir nos filmes numa rodada para poucas (e gigantescas) empresas, uma vez que o limite de dedução de imposto para aplicação em incentivo fiscal é de somente 4%. Investidores e patrocinadores medianos (inclusive pessoas físicas, que também podem usar o incentivo fiscal) se desinteressam de virar sócios em proporções tão desvantajosas, enquanto as estatais e concessionárias de serviços públicos, com seus “conselhos culturais” e “comissões de notáveis”, apenas contribuem para perpetuar o modelo fracassado de distribuição de verbas – “repartindo o bolo” entre figurões, celebridades, atores de telenovela aposentados e toda sorte de filhos, irmãos, primos e cunhados de cineastas do século passado.

Alguns exemplos que valem a pena ser considerados: o excepcionalmente bem-sucedido e brilhante drama alemão “A Vida dos Outros”, vencedor, entre outros prêmios, do Oscar de Melhor Produção Estrangeira, teria custado apenas 2 milhões de dólares (pouco mais de 3,5 milhões de reais). O igualmente sucesso de público e crítica “Quatro meses, três semanas, dois dias”, produção romena ganhadora da Palma de Ouro em Cannes, custou apenas 600 mil euros (pouco menos de 2 milhões de reais).

[1] Cumpre ressaltar que, além da dedução direta do imposto devido, as empresas poderão excluir do lucro líquido para fins de determinação do lucro real o total dos investimentos, ou seja, sem necessitar adicioná-los na base de cálculo do imposto de renda. Ilustrando com um exemplo: uma empresa apresentou R$ 100 milhões de lucro fiscal tendo um imposto de renda a 15% (R$ 15 milhões) e adicional, a 10% de R$ 9,976 milhões, sendo que o IRPJ total devido será R$ 24,976 milhões. Entretanto, caso a empresa tenha efetuado um investimento em um filme registrado na Ancine no valor de R$ 400 mil, o valor do lucro fiscal irá para R$ 99,6 milhões, tendo um imposto de renda a 15% (de R$ 14,940 milhões) e adicional, a 10% de R$ 9,936 milhões e dedução com o incentivo de até 3% do imposto de renda devido no valor de R$ 400 mil. Assim, o IRPJ total devido será R$ 24,476 mil. Com isso, a empresa terá uma redução do IRPJ a pagar no valor de R$ 500 mil. Ou seja, a empresa investiu R$ 400 mil em incentivo fiscal e recolheu R$ 500 mil a menos de imposto de renda, obtendo um lucro de R$ 100 mil, ou seja, um retorno de 125%, como anteriormente explicado. (http://www.piscopoadvocacia.com.br/index.php?modulo=noticias_mat&id_mat=58).

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