sexta-feira, 11 de abril de 2008

O monstro do Zimbábue

por Alvaro Vargas Llosa em 10 de abril de 2008

Resumo: O grande desafio, quando Robert Mugabe deixar o poder no Zimbábue, será quebrar o ciclo de tirania ao estabelecer fortes limites para o próximo presidente.

© 2008 MidiaSemMascara.org


A derrota de Robert Mugabe nas recentes eleições no Zimbábue é o começo do fim do tirano octogenário do país. Apesar de o governo afirmar que o líder oposicionista Morgan Tsvangirai ficou abaixo do porcentual de 50% dos votos que evitaria outro turno, só uma grande fraude no segundo turno, seguida pela proibição a manifestações, vai manter o homem que tem governado o país há três décadas um pouco mais no poder.

Joseph Conrad poderia estar descrevendo o regime de Mugabe quando a personagem Marlow, em O Coração das Trevas , disse sobre uma companhia de marfim: "imprudente sem ousadia, ganancioso sem audácia e cruel sem coragem".

Muitas lições podem ser aprendidas com Mugabe. A primeira é que, na maioria das vezes, o anticolonialismo africano se degenerou numa mistura de racismo, marxismo e populismo para se tornar algo parecido com a exploração contra a qual ele foi criado. De todos os guerrilheiros que se tornaram líderes em seus países após a independência, Mugabe está entre os piores.

Seus primeiros anos foram confusamente razoáveis -- ele manteve atitudes pela reconciliação, propriedade privada e relações adultas com o mundo exterior. Só quando foi desafiado politicamente é que ele começou a disfarçar sua tirania com a "respeitabilidade" ideológica do socialismo e nacionalismo.

Se havia o massacre de milhares de membros da tribo Ndebele nos anos 80 ou, nesta década, uma violenta campanha de desapropriação de terras contra os brancos - cuja maioria tinha comprado as terras legalmente - a denúncia de Mugabe sobre uma guerra neocolonial com agressões a seu país era uma mentira perfeitamente calculada com o objetivo de justificar sua vilania.

A segunda lição é que ... é muito difícil para um país aprender com as lições dos outros. Quando, em outubro de 2001, Mugabe levou o país de volta ao socialismo marxista, países como a Tanzânia já tinham fracassado seguindo o mesmo roteiro. Por outro lado, a vizinha Botsuana se tornou uma história de sucesso ao construir uma democracia sob o Estado de direito baseado em algumas tradições aborígines e permitindo que o livre comércio renovasse um país que em 1965 era o terceiro pior do mundo. A terceira lição é que, apesar dos protestos pan-africanos, os africanos oprimidos por outros africanos podem esperar pouca solidariedade do resto da região na luta contra os ditadores.

Durante anos, um grupo de governos, liderado pela África do Sul, legitimaram as atrocidades de Mugabe. O presidente e 13 outros líderes do Sul da África legitimaram as eleições manipuladas de 2002, adicionando mais um insulto aos ataques sofridos por milhares de oposicionistas que foram mortos, espancados ou, sob um esquema de planejamento urbano chamado Operação Restauração da Ordem , expulsos de suas casas e de seus negócios.

A lição final é que não há garantia definitiva de que a região não vai ter uma recaída no despotismo ou na miséria econômica. Na última década, tornou-se freqüente a opinião pública internacional elogiar o progresso político-econômico dos países africanos. Alguns dos elogios eram justificados, mas muitos países escorregaram de volta para o autoritarismo.

O governo da Nigéria manipulou as eleições de 2007 e no começo deste ano o déspota do Quênia recusou-se a aceitar sua derrota. Os dois países foram aclamados como modelos de transição política -- a Nigéria por causa da Constituição de 1999, que pavimentou o caminho para um governo civil, e o Quênia porque o líder oposicionista Mwai Kibaki foi capaz de vencer as eleições e se tornar presidente depois que o presidente Daniel arap Moi pediu demissão em 2002. É uma demonstração da coragem do Movimento por Mudança Democrática do Zimbábue e de seu líder, Tsvangirai, por quem o Partido Zanu-PR , de Mugabe, foi derrotado nas eleições parlamentares e o próprio ditador vencido na eleição presidencial.

Muitos desafiantes teriam desistido diante de uma poder tão esmagador. Isso de forma alguma é uma garantia de que Tsvangirai será tolerante, justo e neutro caso ele se torne presidente. Mas a prioridade número um do Zimbábue é expulsar o tirando do poder e desmantelar seu terrível aparelho de segurança, cujos membros são conhecidos como securocratas . Tsvangirai parece ser, por enquanto, a melhor esperança para o que venha a acorrer.

O grande desafio, quando Mugabe deixar o poder, será quebrar o ciclo de tirania ao estabelecer fortes limites para o próximo presidente. Isso vai exigir um ato de sacrifício extremo para o novo líder - frear seus próprios poderes como novo dirigente de um país que não tem instituições dignas desse nome. Nesse sentido, o verdadeiro inimigo não é Mugabe, mas um legado de barbarismo político.



Publicado pelo Diário do Comércio em 09/04/2008

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