sábado, 12 de abril de 2008

Entendenda como o contribuinte brasileiro sustenta o Cinema Nacional - Final

por Felipe Atxa em 11 de abril de 2008

Resumo: Muito antes de ser uma questão cultural ou cinematográfica, o problema do financiamento público dos filmes brasileiros e a relação entre os cineastas e o erário público é moral.

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Enquanto isso, quanto custam filmes brasileiros, dramas similares, de repercussão, qualidade artística e vendas infinitamente menos expressivas? Vejamos numa tabela comparativa:



Não é preciso ser nenhum gênio das finanças para perceber que alguma coisa está muito errada com os orçamentos em dinheiro público usados por nossos cineastas para produzir seus filmes. E não só isso: a comparação entre os filmes propriamente ditos é altamente desfavorável às produções brasileiras: basta assistir e tirar a prova – enquanto ambos os filmes europeus são pequenas jóias, os brasileiros citados beiram o risível.

A saída lógica, responsável e possível dentro de nosso contexto político para corrigir essas distorções seria uma só: limitar a verba pública disponível para cada produção a um limite razoável para a indústria cinematográfica nacional e compatível com a estrutura de custos do setor em nível internacional: ou seja, algo nunca superior a 1 milhão de reais reembolsáveis. As despesas que excedessem a esse teto teriam de ser automaticamente suportadas pelos produtores dos filmes, que deveriam ainda optar por qual modalidade de remuneração iriam obedecer: hoje, quem produz um filme brasileiro ganha altos cachês quando está fazendo o filme, e depois lucra com suas receitas de bilheteria, home-vídeo, vendas para televisão, etc. Ou seja: é um “empregado” remunerado do filme ao mesmo tempo em que é titular de suas receitas. A solução óbvia para essa distorção seria: ou o realizador cinematográfico se auto-remunera enquanto produz com dinheiro público (e as receitas líquidas voltam para o Estado, de forma a remunerar o verdadeiro “investidor” do filme) ou ele não pode receber salários, e ganha apenas na bilheteria.

As críticas recorrentes, por parte de cineastas e outros produtores culturais, às leis de incentivo, são infundadas, mas previsíveis: infundadas, porque somente são ouvidos pela mídia laudatória os diretos beneficiados pela legislação – ou seja, quem vive do incentivo fiscal há anos; e, previsíveis, porque a inerente má formulação dos mecanismos (essa máquina de privilégios, crédito fácil que não precisa ser pago) acaba por naturalmente se deteriorar e, especialmente, gerar uma onda de descrédito por parte da sociedade. A resposta, contudo, a contradições como essas, tem sido a criação de um novo paradigma de financiamento, ainda mais distorcido e benéfico apenas a quem legisla em causa própria. Vejamos: durante boa parte do século XX, os filmes brasileiros deviam ser financiados pelos próprios empresários do setor (como, de resto, deve ser a regra em qualquer parte do mundo), o que resultou na parcela mais mercadologicamente saudável de nossa cinematografia: a chanchada, os filmes de gênero, etc.; o governo militar tratou de transformar o modelo, “aperfeiçoando” uma empresa de financiamento e distribuição (a Embrafilme), onde nasceu o monstro de duas cabeças que domina o Cinema Nacional até hoje, um híbrido assustador de burocratas e realizadores, revezando-se entre a produção propriamente dita e os cargos públicos que determinam quem recebe o dinheiro; o esgotamento da Embrafilme trouxe o mecanismo de incentivo fiscal que, agora, a mesma classe sindical que se locupletou de seus efeitos pretende substituir por um outro: aquele que elimine o “intermediário” (no caso, o patrocinador de direito privado) e permita que, novamente, o dinheiro seja acessível diretamente do órgão público, facilitando ainda mais a farra generalizada e eliminando qualquer possibilidade de “concorrência”. Ou, usando uma ferramenta tão ao gosto de nosso atual presidente (a metáfora): depois de comer a laranja, as sementes e a casca, os cineastas brasileiros reclamam que o “modelo da fruta” está “esgotado”.

Muito antes de ser uma questão cultural ou cinematográfica, enfim, o problema do financiamento público dos filmes brasileiros e a relação entre os cineastas e o erário público é moral. Por mais que se admita a idéia algo distorcida de que é dever do Estado patrocinar o projeto pessoal de um grupo de poucas centenas de pessoas, é preciso que se estabeleça um limite a esse privilégio – limite esse que respeite a situação de penúria a qual estão submetidos todos os serviços essenciais oferecidos ao contribuinte brasileiro (especialmente aqueles referentes à segurança pública e o acesso a um sistema judiciário funcional) e que considere o esforço sangrento feito por toda a população para sustentar o orçamento público através do recolhimento de seus impostos.

[1] http://sif.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do?method=detalharProjeto&numSalic=014525

[2] http://sif.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do?method=detalharProjeto&numSalic=070253

[3] http://sif.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do?method=detalharProjeto&numSalic=050196

[4] http://sif.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do?method=detalharProjeto&numSalic=040267

Leia também Entendenda como o contribuinte brasileiro sustenta o Cinema Nacional - I

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