terça-feira, 12 de maio de 2009

A Colômbia não pode esquecer os seqüestrados

Mídia Sem Máscara

Oxalá que notas como esta se convertam no estímulo para convidar os leitores e os colombianos em geral, de dentro e fora do país, para que a partir desta data se inicie através de Facebook, pela Internet, pelos meios de comunicação, nos colégios, nos círculos sociais, nos sindicatos, etc., uma ampla, permanente e incansável campanha de exigência aos terroristas das FARC para que libertem os seqüestrados sem nenhuma contra-prestação.

Após uma longa conversa com o sargento Amaón Flórez, um dos 15 libertados na “Operação Xeque”, e depois de ler os livros de Frank Pinchao, Eladio Pérez, Clara Rojas, Juan Carlos Torres, o dos três gringos, e de repassar a ampla quantidade de vídeos de YouTube acerca do tema, resta no ambiente um sabor amargo de impotência, ira contida e inexplicável argumentação acerca da guerra cruel, desapiedada e sanguinária que nos assedia.

Estes são apartes do impactante testemunho de Amaón:

“Jojoy e os demais terroristas das FARC são mentalmente degenerados. O tempo quase todo tivemos uma corrente no pescoço. Nos acorrentavam por parelhas. A cada duas horas nos acordavam à noite para verificar se ainda estávamos acorrentados, pois como eles pernoitavam, faziam isso mesmo conosco. Quando caminhávamos pela selva, íamos acorrentados uns aos outros com o risco de morrer enforcados, caso algum dos dois perdesse o equilíbrio. Do mesmo modo acontecia quando navegávamos nos bongos [1] dentro dos caudalosos rios.

O mais humilhante, degradante e inumano era quando íamos fazer as necessidades fisiológicas. Escoltados por três ou quatro terroristas que se colocavam em triângulo ao nosso redor, ao ar livre e sem nenhum respeito pela intimidade das vítimas, devíamos defecar em um buraco que chamavam de chonto. Por pudor, o companheiro de corrente se voltava e olhava para o outro lado, e depois trocávamos de posição. Era tão asquerosa essa situação que, para evitar esse espetáculo, alguns de nós suportamos fortes obstruções intestinais no princípio do cativeiro.

Quando caminhávamos pela selva nos arriavam como se fôssemos animais selvagens. Padeci oito vezes de impaludismo, porém amiúde os terroristas me negaram os medicamentos. Durante muito tempo o companheiro de corrente foi meu tenente Malagón. À noite dormíamos debaixo de um toldo velho e rasgado por onde a água passava.

Não posso esquecer a atitude machista e dominante dos guardas, cada vez que íamos realizar alguma atividade. Sempre apontavam seus fuzis contra nós, com a inerente ameaça de morte.

Além do dano físico e do tempo valioso de vida perdido nas selvas, acrescenta-se a deterioração psicológica das pessoas. As sensações de ansiedade, desgosto, se transmitem aos familiares. Embora quase todos fôssemos solteiros, sei que os casados tiveram alguns problemas complexos com seus familiares. No meu caso particular, encontrei muitas novidades, algumas boas e outras más entre os familiares.

Passado o desdobramento midiático da libertação, os seqüestrados começamos a encarar a nova e repentina realidade. Como é óbvio, cada um a recebeu e reagiu de acordo com sua personalidade. O projeto de vida de cada um de nós dependerá da força espiritual e moral individual, e também do nível de intensidade do dano que nos causaram.

Tanta humilhação, tanta pressão psicológica, tanta violação aos nossos direitos humanos, geraram situações explosivas e de dificuldades de convivência entre os seqüestrados, ao que se acrescenta que os bandidos maquinavam a forma de gerar indisposições entre nós. E alguns caíram nessa armadilha.

Como soldado, detesto o envolvimento em assuntos de política; por isso, cada vez que lembro que enquanto nós estávamos seqüestrados e maltratados na selva, como por desgraça continuam outros companheiros de infortúnio, havia e há dirigentes políticos ganhando ave-marias com rosário alheio. Fazendo campanha política pessoal. Essas são verdadeiras víboras, pessoas calculistas e de procedimento baixo que não merecem nem governar nem legislar um país. E o que não dizer de tipos como Rodríguez Chacín, que tem fornecido dinheiro às FARC para que comprem armas com as quais assassinam o povo colombiano ou intimidam os seqüestrados? Será que esses desalmados que se prestam para essas porcalhadas não sentem nada?”

Terminada a conversa nos despedimos, com o augúrio de que o inteligente e muito comedido sargento Amaón Flórez aperfeiçoe os amplos conhecimentos de inglês e francês, que termine de viver a lástima do drama padecido e que oxalá logo encontre o tal ideal amoroso em companhia de alguma moça virtuosa.

Enquanto isso, o coronel Mendieta e centenas de seqüestrados mais continuam metidos na espessura da selva, submetidos a vexames superiores ou iguais aos relatados pelos libertados. Porém, o triste do assunto é a indiferença da sociedade colombiana frente à sorte dos que a serviram e hoje carecem do valioso dom da liberdade, porque foram seqüestrados por um grupo terrorista, que em contraste com seu discurso propagandista viola todos os direitos fundamentais de suas vítimas.

Oxalá que notas como esta se convertam no estímulo para convidar os leitores e os colombianos em geral, de dentro e fora do país, para que a partir desta data se inicie através de Facebook, pela Internet, pelos meios de comunicação, nos colégios, nos círculos sociais, nos sindicatos, etc., uma ampla, permanente e incansável campanha de exigência aos terroristas das FARC para que libertem os seqüestrados sem nenhuma contra-prestação.

Reflito em torno a esta guerra que muitos não querem reconhecer. Lembro que no Cantão Norte de Usaquén estão detidos vários oficiais por haver cometido o delito de salvar a Colômbia de uma agressão narcoterrorista; que nesse momento há milhares de soldados, oficiais e sub-oficiais que estão expondo suas vidas em honra de defender a liberdade dos colombianos os quais, em contraste, não apreciam os sacrifícios nem muito menos valorizam na verdadeira dimensão os que lhes permitem que sejam livres.

Lembro que não se vêem resultados concretos frente ao tema da FARC-política. Escuto na rádio comentar que Alfonso Cano acaba de enviar aos seqüestrados uma carta mentirosa e calculada, na qual pretende bajulá-los para justificar as torturas às quais os submetem, porém que, além disso, nega com marcado cinismo.

Parece incrível a audácia de Piedad Córdoba ao buscar o apoio de congressistas norte-americanos no acordo humanitário que, tal como está estabelecido pelas FARC e seus propagandistas, é uma montagem obscura contra a Colômbia e a institucionalidade republicana, enquanto que um cardeal colombiano lhes faz o jogo desde Roma, e um magistrado desorientado expede uma sentença inócua e descontextualizada acerca do serviço militar obrigatório. Ou enquanto que muitos colunistas de opinião ou os repórteres são tímidos e às vezes conchavados frente às atuações dos terroristas.

É o tropicalismo de quem tem os pés na terra e a cabeça nas nuvens, em sua extensa dimensão, coberto pela apatia e pela indiferença generalizada.

Lembro o Libertador Simón Bolívar quando disse em 1828, em Bucaramanga, que a Colômbia está perdida por duas gerações. Porém, são muitas mais. Do mesmo modo que as múltiplas doenças que acometem nossa pátria.

Em síntese, há muito por fazer para que as FARC libertem todos os seqüestrados sem contra-prestações. Ademais, porque isto é um mandato popular expedido em 4 de fevereiro de 2008 em todo o mundo.


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Nota:

[1] Espécie de canoa usada pelos índios da América Central, grande, de fundo plano que se utiliza para o transporte fluvial.

* Analista de Assuntos estratégicos – www.luisvillamarin.co.nr

Tradução: Graça Salgueiro

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