Mídia Sem Máscara
| 19 Maio 2009
Artigos - Cultura
Massacre da Praça da Paz Celestial faz 20 anos e memórias de ex-líder do PC chinês vêm à tona por meio de livro que desmente a versão oficial.
O ex-número um do Partido Comunista que se negou a dar a ordem de disparar contra os estudantes deixou um relato post-mortem dos acontecimentos de Tiananmem. Do fundo de sua tumba, Zhao Ziyang vem uma vez mais sacudir a manga dos dirigentes da China Popular.
Três semanas antes do vigésimo aniversário de Tiananmen, o anúncio da publicação das “Memórias” inéditas do chefe do Partido Comunista chinês, destituído nessa época, é um chamativo descobrimento. O ex-número um do PCCh havia se oposto à repressão do movimento estudantil de 1989.
A história mesma destas “Memórias” é uma novela. Depois de ter sido afastado da direção comunista, Zhao será confinado em uma residência vigiada durante quinze anos até sua morte em Pequim, em 17 de janeiro de 2005. O livro é o fruto de mais de trinta horas de gravação realizado em segredo: os cassetes foram entregues clandestinamente a alguém de seu círculo íntimo e tirados também discretamente do país. O documento será publicado em maio de 2009 em inglês, sob o título “Prisioneiro do Estado”, pela editora Simon & Schuster.
A versão chinesa é quase um assunto de família. O filho de Bao Tong, ex-braço direito de Zhao Ziyang, que passou sete anos na prisão depois de 1989, publicará a obra
Testemunhar para a história
De fato, Zhao Ziyang desbarata a versão oficial de que havia uma conspiração “contra-revolucionária” e de que era inevitável a repressão de um “bando de gângsteres”. Em seu relato pode-se ler: “Eu havia dito nessa época que a maioria das pessoas só nos pedia para corrigir nossas imperfeições e não queria derrocar o sistema político”.
Após ásperos debates e não poucas vacilações, tudo se precipita em 18 de maio, quando toma-se a decisão de impor a lei marcial. Zhao se nega a votá-la. “Disse a mim mesmo que, aconteça o que acontecer, me negarei a ser o secretário geral do Partido que mobilizou a tropa para disparar contra os estudantes”, escreve.
O que seguiu se verá em um emocionante filme. Lembremos essas incríveis imagens onde se vê Zhao Ziyang quando chega ante os estudantes na Praça Tiananmen, durante a noite de 19 de maio de 1989. Ele exorta os estudantes a voltar às suas casas e se desculpa ante as câmeras. “Chegamos demasiado tarde”, termina por admitir com lágrimas nos olhos. Na noite de 3 para 4 de junho, o dirigente reformista viveu esse drama muito de perto. “Eu estava sentado na entrada de minha casa com minha família, quando ouvi abundantes tiros”, conta ele. “Essa tragédia que ia transtornar o mundo não tinha podido ser evitada”.
Porém, Zhao não testemunha unicamente para a história. Ele queria também passar uma mensagem para a China do futuro, sobre uma transição gradual para uma democracia à ocidental. “Realmente, o sistema ocidental de democracia parlamentar é o que provou ter a maior vitalidade”, diz ele. “Se não tomarmos esta direção, nos será impossível tratar das conseqüências da passagem à economia de mercado na China”. Esse ano, em várias oportunidades, os dirigentes chineses haviam afirmado que essa evolução para o perverso sistema político ocidental não fazia parte da agenda.
As “Memórias” de Zhao têm, pois, todas as possibilidades de circular discretamente na China, sem se converter, sem dúvida, em um êxito de vendas clandestino, pois os esforços oficiais para que as gerações mais jovens esqueçam esses acontecimentos da história têm sido muito eficazes.
* Correspondente em Pequim do “Le Figaro”
Tradução para o espanhol: Eduardo Mackenzie
Tradução para o português: Graça Salgueiro
Fonte: Le Figaro
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