Mídia Sem Máscara
| 22 Setembro 2010
Artigos - Cultura
A Escola do Recife destaca-se, hoje, pela continuidade de alguns resistentes. Em meio a uma cultura abarrotada de marxismos e positivismos de toda ordem, a Escola do Recife ainda conta com grandes nomes, resistentes à essa onda revolucionária que toma conta do homem de nosso tempo.
A Escola do Recife, berço de grande produção intelectual desde o final do século XIX merece lugar de destaque na cultura brasileira. Homens como Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Silvio Romero, Clóvis Beviláqua, Pontes de Miranda, Capistrano de Abreu, e mais notadamente Gilberto Freire ofertaram para o Brasil análises extraordinárias sobre a sociedade, o poder, a miscigenação de nossa gente, o homem comum brasileiro, o engenho, a urbanização, os fatores de formação de nossa nacionalidade, em suma, temas da mais alta relevância que ocuparam o imaginário desses autores. Nem todos eles nasceram no Recife, embora todos pertençam à esta que foi uma das grandes potências do saber num país onde os grandes centros produzem "vaidades", enquanto as periferias procuram expressar formas simbólicas de sua própria existência histórica por meio da formação intelectual. Nascida no seio da antiga Faculdade de Direito do Recife, aliás, primeira Faculdade de Direito do Brasil, datada de 1827, por Decreto do Imperador D. Pedro I, a Escola representou a verdadeira fundação de uma geração de juristas, sociólogos, politólogos, filósofos e antropólogos que analisaram o Brasil como poucos.
Por gerações e gerações, as reflexões dos mestres do Recife influenciaram não apenas a produção cultural do norte e nordeste do Brasil, mas os grandes centros de produção intelectual. Veja-se, por exemplo, a enorme influência das obras de Pontes de Miranda, por exemplo, nas mentalidades de juristas da Escola de São Paulo, ou mesmo, no Rio de Janeiro. Olhe-se, ainda, para o papel decisivo que Gilberto Freire teve nas Escolas de Sociologia de São Paulo (antes de sua invasão por Stalinistas camuflados) e de Minas Gerais. Vejamos, também, a importância que teve um Clóvis Beviláqua para a produção do Direito Civil clássico brasileiro. E muitos outros exemplos, como as análises de Tobias Barreto sobre o Segundo Império e a Primeira República, que são dignos de nota.
O domínio das preocupações do Recife que ocuparam e ainda ocupam as mentalidades de incontáveis intelectuais brasileiros é salutar. Por exemplo, quando Gilberto Freire trata da sociedade brasileira e seu processo de industrialização não só retrata o próprio Brasil daquele momento, senão também alcança o imaginário da cultura brasileira sobre aquele período até hoje. É dizer: em Freire assistimos não uma "criação da sociologia", mas uma exposição do conjunto concreto das experiências da sociedade brasileira, de modo que a história brasileira se traduz, no âmago do espírito do autor, em uma filosofia da existência brasileira.
Tal sintonia podemos também perceber na acurada análise de Joaquim Nabuco. E veja-se que não estou sendo preciso com as datas. De um Freire, autor do período republicano, volto a Nabuco, "Um estadista do Império", para usar um jargão biográfico. Nele, há uma profunda sensibilidade entre os valores cristãos e a situação do Império de seu tempo. Como deputado, por exemplo, visitou o Vaticano no intento de conseguir, junto ao Sumo Pontífice, o êxito de todo abolicionismo: a libertação dos escravos. Foi, legitimamente falando, um estadista, isto é, alguém que perseguiu o bem comum sem se deixar pelas resistências de suas paixões. Elevou suas virtudes morais e intelectuais acima de suas resistências contingentes! E demonstrou isso em suas obras, particularmente na sua "Minha Formação".
Ainda, é interessantíssimo notar o papel de um Graça Aranha na Semana de Arte Moderna, realizada logo no início da Primeira República. Concordemos ou não com suas análises sobre a Estética da arte moderna, fato é que Graça Aranha, menos por seu racionalismo, mais por sua versão ao "dinamismo sem fundamentos" da arte de seu tempo, destaca-se como grande propulsor de uma arte brasileira em conexão com a literatura, bem como sua "continuidade" no imaginário estético nacional. Ademais, Aranha rompe com a Academia brasileira de Letras em 1924, já demonstrando que aquela instituição "já não era lugar para os grandes homens do Brasil, mas espaço para murmurações e fofocas entre pseudo-intelectuais movidos mais por paixões do que por valores". Nada muito distante do que temos hoje!
A Escola do Recife destaca-se, hoje, pela continuidade de alguns resistentes. Em meio a uma cultura abarrotada de marxismos e positivismos de toda ordem, a Escola do Recife ainda conta com grandes nomes, resistentes à essa onda revolucionária que toma conta do homem de nosso tempo. Nomes de autores contemporâneos como o de Nelson Saldanha, Ângelo Monteiro, ou ainda o historiador José Antônio Gonsalves de Mello, já falecido, tornam possível que a Escola do Recife não se acabe. Continua, inabalável, frente aos desafios de nossa era. A acurada abordagem de Nelson Saldanha sobre a história das Idéias Políticas no Brasil, ou então as obras de Monteiro, são exemplificações de uma autêntica transfiguração na forma da linguagem de um amplexo de experiências que simbolizam a vida brasileira no século XX. Também é mister considerar a historiografia de Gonsalves de Mello, sobretudo pelo tratamento empírico dado ao Brasil Holandês, não apenas por sua "interpretação da realidade histórica do momento", mas por suas extraordinárias fontes, fruto de anos dedicados à descoberta dos fatos que originaram a situação de judeus, cristãos velhos e cristãos novos no Recife, demonstração de um "cirurgião" da vida social dos povos migrados para a cidade.
Concluindo, afirmo meu apreço pelo Recife e por sua extraordinária contribuição para a cultura brasileira. Estejamos ou não em sintonia com os posicionamentos de seus intelectuais, não há dúvida de que os autores da Escola eram e ainda são homens dignos, responsáveis por suas idéias e sinceros em suas análises. Sejam eles racionalistas, empiristas, realistas, aristotélicos, kantianos, tomistas ou até mesmo modernistas, procuram lançar observações honestas sobre os temas de que tratam.
Semanas atrás, tive a oportunidade de visitar o Recife e lá permanecer por alguns dias. Fiquei maravilhado com a cidade, sobretudo com o centro histórico. Que cidade fantástica. Como toda cidade brasileira, ainda falta um pouco de preservação. Mas já se iniciou um grande movimento de recuperação pelo Recife antigo, seja através da restauração de seus prédios, como também pelo fomento à cultura histórica local.
Porém, como nem tudo é perfeito, eu pude visitar um sebo e, nesse, conheci um livreiro, que me deu um depoimento bastante triste. Disse ele que a Fundação Joaquim Nabuco, outrora espaço de divulgação dos autores do Recife, hoje está tomada pelos revolucionários e pela camarilha marxista, lamentavelmente. E informou ele que, a produção cultural realizada hoje pelo instituto já não condiz com o caráter cultural do passado, mas por obrigações decorrentes de acordos e incentivos estatais, que vinculam à consciência dos seus participantes.
Elementar, meus amigos, elementar...
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