segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O caráter do homem público

Mídia Sem Máscara

As virtudes exigidas do homem público, como honestidade, transparência, cultura, honradez, seriedade e respeito, estão seriamente abaladas. Nem mesmo o povo mais as reconhece.

Dou uma passeada pelas ruas de Belém e eis que me deparo com a placa do retrato de um cidadão, candidato a deputado estadual aqui em nosso estado. A história desse homem público, médico, é bem nebulosa: foi acusado de abusar sexualmente de uma menina de nove anos de idade. No entanto, a despeito deste indivíduo ter sido condenado a 21 anos de prisão pelo crime, e ser foragido da polícia, o Tribunal Regional Eleitoral deu parecer favorável à sua candidatura. O molestador de crianças agora pode ser eleito de novo, para ter imunidade, com o beneplácito do povo ignóbil.

Que a opinião pública não se espante em ver tamanho disparate, demonstra a corrupção moral do eleitorado e, mesmo, das instâncias do judiciário. No Brasil, criou-se uma estranha forma de ver a justiça: o voto redime os criminosos, dá-lhes imunidade e impunidade.

O mesmo princípio se dá ao ex-ministro da fazenda Antonio Palocci, cujo crime foi o de violar as contas de um pobre caseiro, para destruir-lhe a reputação. Os petistas investem em Palocci, porque o empresariado confia no sujeito. Há quem diga que a "burguesia" mande neste país. Que nada! Os burgueses, na velha máxima de Lênin, vendem a corda que vão enforcá-los. O que passa pela cabeça deste empresariado quando repassa crédito a um homem que invade contas alheias, senão uma espécie imbecilizadora de síndrome de Estocolmo? Os empresários idiotas preferem acreditar na numerologia maquiada dos mercados do que nos eventos da realidade. É como se no juízo desses imbecis cabeças de vento, a economia fosse dissociada da política e de uma realidade em volta. Para essas bestas, a economia pode ir bem, enquanto tudo pode caminhar mal. O deslumbramento econômico em detrimento da realidade é uma estranha forma de alienação, de materialismo histórico sublimado na cabeça do povo. A idéia falaz de que o bem estar econômico é um referencial absoluto de todo o bem estar é uma dessas idiossincrasias típicas, não somente da democracia, mas do mundo moderno, materialista, cujo horizonte psicológico e moral parece se estreitar no mero hedonismo e imediatismo. Paradoxalmente, os mesmos materialistas reverberam invectivas contra a "sociedade de consumo", o consumismo ou a efemeridade de conceitos e valores em nossa sociedade, como se não possuíssem culpa no cartório. Não são eles os arautos do relativismo moral e das seduções materiais, como elementos? Não são eles que destruíram, ao menos, no espírito dos políticos, da cultura e de uma boa parte do povo, os valores da transcendência? A democracia moderna, neste aspecto, possui o mesmo espírito das ditaduras totalitárias.

Não é de se espantar que o homem comum das democracias, apegado mesquinhamente ao seu dinheiro, aos seus bens materiais e aos seus confortos momentâneos da prosperidade, possa aceitar a mentira sistemática, o cerceamento das liberdades individuais, a censura, a bestialização cultural e intelectual e o rebaixamento moral da sociedade, tudo em nome dessa falsa ilusão de segurança econômica. A massa, por assim dizer, sente-se satisfeita por saciar as necessidades mais primitivas, contentando-se com uma situação próxima da animalidade. Quando o governo Lula, demagogicamente, fala de prosperidade econômica, do feijão com arroz, dos bens de consumo, da maneira bem vulgar que é característica deles, enquanto a violência explode nas ruas, a educação chega a níveis das cavernas, no antro de analfabetos funcionais ou quando o SUS é declarado o melhor serviço de saúde pública do mundo, mesmo muita gente morrendo em fila de hospital, sabe que está lidando com gente idiotizada e estúpida. Ou melhor, contribui culturalmente para esse fim. O vazio ético, moral e intelectual é visível na realidade política brasileira. É pior, visível, inclusive, entre seus eleitores.

O homem público da democracia brasileira (e não só brasileira) é o reflexo dessa doença espiritual disseminada em toda uma sociedade. Se os gatunos e vigaristas de sempre estão cada vez mais fortalecidos, as candidaturas de figuras exóticas ou mesmo criadas pela TV e pela mídia como Netinho e Tiririca são seriamente cotadas por uma boa parte dos eleitores. A tendência, ao que parece, é decair mais e mais o nível das figuras públicas, até chegarmos ao grotesco (isto, se não chegamos!). As virtudes exigidas do homem público, como honestidade, transparência, cultura, honradez, seriedade e respeito, estão seriamente abaladas. Nem mesmo o povo mais as reconhece. Pelo contrário, os critérios estão distorcidos. Política virou balcão de negócios ou um circo. Um espetáculo de propaganda, desinformação e falsificação em massa.

O futuro da democracia brasileira parece incerto. A desmoralização clara da classe de homens públicos ameaça, como um câncer, afetar a credibilidade das instituições. Na verdade, existe um grupo político que está preparado para desacreditá-las. Inclusive, promove a corrupção sistemática, a degradação e aparelhamento da administração pública e o ataque frontal aos valores democráticos, em particular, às liberdades civis e individuais. Na prática, o governo atual ataca os aspectos libertários da democracia e corrompe os seus elementos legitimadores, como o voto, tornando-o arma opressiva contra a própria democracia. Quando o voto se torna simulacro da falta de consciência de um povo, que participa compulsoriamente da política, que parece alheia aos seus próprios fins; quando na sociedade política há uma distância maior entre governantes e governados, uma vez que o próprio eleitor desconhece ou ignora quem elege; ou quando mal existe o reconhecimento público de parâmetros éticos e morais para se eleger os potentados, quando estes são conhecidos, esta democracia estará com os dias contados.

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