terça-feira, 21 de setembro de 2010

O falido Welfare State finlandês

Mídia Sem Máscara

Kaj Grussner | 21 Setembro 2010
Artigos - Economia

Eu não pretendo encerrar o assunto, mas há algumas coisas que se deveria saber sobre esta utopia mística, "o melhor país do mundo" - a Finlândia.

Os progressistas americanos muitas vezes são ávidos em promover o Estado de bem-estar social europeu como um argumento a favor de governos grandes, e isto não foi diferente no debate sobre o sistema de saúde. Eles apontam para os países europeus, muitas vezes os países nórdicos social-democratas, como modelos, com seu sistema universal de saúde, sistema educacional público, generosa rede de proteção social e todas as pessoas felizes que lá vivem.

Esta linha de raciocínio ganhou significativo impulso quando a Newsweek proclamou que a Finlândia era o melhor país no mundo para se viver, seguida de perto pela Suécia e a Suíça. E é claro que eles são felizes. Afinal de contas, não há pobreza nestes grandes países, o povão é educado, e as pessoas em geral não têm nenhuma preocupação, porque o governo benevolente sempre está lá para resolver todos os problemas.

Muitas pessoas tentaram desfazer este mito, mas ele ainda persiste. Eu não pretendo encerrar o assunto, mas há algumas coisas que se deveria saber sobre esta utopia mística, "o melhor país do mundo" - a Finlândia.

Educação Governamental

Como outros países escandinavos, a Finlândia gosta de se gabar de seu sistema de educação pública. Todas as escolas são geridas pelo governo, até as universidades. Os alunos finlandeses não pagam mensalidades. Pelo contrário, os alunos, na verdade, ganham mais de 400 euros por mês para se formar, além de empréstimos estudantis, refeições, etc. A educação gratuita é vista como um direito e, como é um direito, deve ser acessível. Para isto, a Finlândia tem 20 universidades e 27 faculdades politécnicas. Este é um país com cerca de 5.3 milhões de habitantes, dos quais 1 milhão vivem na área metropolitana da capital, e no qual apenas cinco outras cidades têm uma população superior a 100 000 habitantes.

Alguém poderia achar ótimo que haja tantos centros de ensino superior em um país com tão poucos habitantes, uma prova de que seu povo é educado e civilizado. Poucas coisas poderiam estar mais longe da verdade.

Antes de tudo, a razão para haver tantas universidades é a política regional. Os políticos compram votos com a criação e a manutenção de empregos governamentais em áreas estagnadas - o truque mais velho da cartilha.

Em segundo lugar, a enorme quantidade de universidades e faculdades politécnicas rebaixa o nível geral da educação, porque não é possível uma população tão pequena manter um alto padrão de educação em tantos lugares diferentes. Simplesmente não há um número suficiente de gente competente para ser remanejada, isto para não falar do fato de que muitas das universidades e politécnicas estão localizadas em locais menos do que desejáveis. Muito poucas universidades finlandesas podem afirmar que possuem um padrão realmente alto de ensino. E, é claro, o ensino de Economia é medíocre de uma ponta a outra.

Em terceiro lugar, um ensino superior tão acessível atrai milhares de pessoas todos os anos em busca de um diploma, embora elas não tenham nada a ver com o mundo acadêmico. Isto produz um grande número de bacharéis, mestres e PhDs que não têm nenhum valor para o mercado de trabalho, porque eles estudaram literatura, história da arte, estudos da religião ou algo assim. Em muitos casos, eles nem escolheram seu curso porque realmente acharam que ele poderia lhe render um emprego; eles o escolheram porque parecia divertido ou porque era mais fácil de entrar do que a faculdade de direito ou o curso de medicina.

O desemprego entre as pessoas com estudo se tornou um problema crônico. O outro lado da história é que a Finlândia há muito tem sofrido de um problema agudo de falta de pessoas com habilidades profissionais: carpinteiros, encanadores, mecânicos e assim por diante - pessoas que possam de fato oferecer um serviço de valor. Esta carência, previsivelmente, empurrou para cima os preços e retardou a oferta.

Sistema de Saúde Universal

Como os outros países escandinavos, a Finlândia tem um sistema de saúde universal. Esta é apenas uma das coisas de que muitos gostam de se gabar. Entretanto, o sistema de saúde é ruim, mesmo para os padrões do sistema de saúde universal.

Antes de mais nada, não é um sistema de pagante único, do modo que se imaginaria que um sistema de saúde gerido e financiado pelo governo fosse - ou seja, no qual o Estado central gere e arca com o sistema. Ao invés disto, o sistema de saúde é municipal. É claro que nem todo município pode arcar com um hospital ou mesmo com um posto de saúde. É por esta razão que a Finlândia está dividida em uma miríade de distritos de saúde, cada um servido por hospitais e postos de saúde localizados em algum dos municípios que compõe cada distrito. Isto pode parecer razoável. Afinal de contas, que diferença faz se o sistema de saúde é nacional ou municipal? Acontece que faz, e muita.

Um dos maiores problemas de um sistema de saúde municipal é que ele é muito restritivo. Só pessoas que estejam registradas no distrito podem usar os serviços de saúde lá. Se o caso for uma emergência, a pessoa tem o direito de receber tratamento, mas assim que ela sair da UTI , ela terá que se transferir para um hospital em seu próprio distrito. Isto levou a muitos casos em que pessoas foram levadas para lá e para cá, às custas do contribuinte, para cumprir estas regras administrativas.

Um dos exemplos mais bizarros disto ocorreu quando uma mulher adoeceu na capital, Helsinki. Ela recebeu tratamento de emergência, mas assim que a emergência terminou, ela teve que ser transferida de volta para seu próprio distrito, que era em Rvaniemi, mais de quinhentas milhas ao norte. Não se esqueça de que só porque uma pessoa está fora da sala de emergência, isto não quer dizer que ela esteja muito bem e pronta para ser liberada. Por causa do modo como o sistema de saúde municipal está montado, uma pessoa doente teve que ser transferida para um hospital diferente, a mais de 500 milhas de distância.

Uma das leis mais básicas da sociedade é que, quanto mais áreas administrativas houver em um Estado, mais burocracia se criará. Todos estes distritos de saúde devem ter suas próprias administrações, as quais, por sua vez, têm que ficar em contato com as autoridades da saúde em cada município do distrito e eles todos têm que planejar tudo com os administradores de cada hospital e posto de saúde. E aí é preciso ter autoridades de saúde, todo um departamento cheio deles, no nível nacional, por cima de tudo.

Como você pode imaginar, a eficiência não é um dos principais atributos do sistema de saúde finlandês. Estudos têm mostrado excessos de médicos em alguns lugares, com carências correspondentes em outros. Muito poucos dos municípios conseguem arcar com os serviços de saúde que a lei determina. Centros de saúde foram e são fechados o tempo todo, mas nenhum administradror é jamais dispensado. O governo central tem que transferir dinheiro para os distritos, para mantê-los em funcionamento de forma contínua. Em outras palavras, a Finlândia parece ter um sistema de saúde financiado e gerido por um Estado central, mas na realidade tem um sistema municipal, que resultou em ainda mais burocracia.

Qualquer país que queira um sistema universal de saúde não deveria olhar para a Finlândia como exemplo a seguir. Uma das verdadeiras tragédias deste fiasco é o fato de que a Finlândia tem alguns dos melhores hospitais particulares do mundo, mas por causa de nosso sistema universal de saúde, pouquíssimos cidadãos finlandeses chegam a se beneficiar deles.

Com Licença para Roubar

Como consultor fiscal, eu me envolvi frequentemente em batalhas legais com as autoridades fiscais, representando meus clientes e tentando proteger seus direitos. Nestas lutas, eu me deparo com a arrogância e, em alguns casos, com a pura malícia do fiscal do imposto de renda, completamente explícita. Eu nunca deixo de me impressionar com a ignorância e a insensibilidade deste departamento estatal em particular.

Invariavelmente, as autoridades fiscais não se importam com a lei, no raro caso de elas sequer a conhecerem. Não só isto, mas fica claro que eles consideram cada centavo como sendo seu, e só podendo ser retido pelo contribuinte à sua discrição. E chega a acontecer de eles fabricarem argumentos patentemente falsos e sem qualquer base legal que seja, a fim de impor várias outras sanções. Quando os contribuintes contestam suas alegações absurdas, eles simplesmente ignoram as contestações e continuam como se nada tivesse acontecido - muito embora a constituição determine que todas as decisões tomadas por uma agência governamental sejam baseadas na lei e detalhadamente explicadas.

Isto, entretanto, não parece se aplicar às autoridades fiscais, e tampouco outros princípios legais. Em todas as outras matérias, uma pessoa é considerada inocente até que se prove sua culpa, mas se o fiscal da receita acusa uma pessoa de algo, é ela que tem que provar sua inocência. Se não conseguir, ela é culpada e são as autoridades fiscais que decidem se ela não conseguiu.

Este tipo de comportamento certamente é familiar ao público americano, depois que o IRS o submeteu a todos os tipos de violações. Entretanto, estas violações, que não acontecem com menos frequência na Finlândia do que nos Estados Unidos, desmentem a aura de utopia que parece envolver os estados de bem-estar social-democratas do Norte da Europa.

Os estatistas podem estar muito satisfeitos com os altos impostos, mas mesmo eles tendem a esmorecer quando ouvem falar do estrago causado aos indivíduos privados e suas famílias pelas autoridades do fisco. E, claro, são os indivíduos privados e os pequenos negócios que mais têm sofrido, porque eles raramente têm o conhecimento ou os recursos para se defenderem. Os bilionários e as grandes corporações ao menos têm a chance de lutar; as pessoas comuns, não. Eis aí a sociedade da compaixão.

Em um sistema como este - com um código fiscal muito vago; autoridades fiscais isentas de qualquer responsabilidade por sua conduta; e despesas legais onerosas e nunca restituídas, advindas de litígios com as autoridades fiscais - os direitos dos contribuintes são rotineiramente violadas. As autoridades não têm interesse em dar a sentença correta, então, a menos que o caso não seja completa e totalmente óbvio, elas decidem em favor do estado.

Em seguida, o contribuinte pode escolher entre pagar o imposto adicional, e muitas vezes ilegal, ou gastar tempo e dinheiro contestando a decisão. E como estas autoridades fiscais podem e de fato ignoram rotineiramente os argumentos do contribuinte, até o mais trivial dos casos pode ser recorrido até Tribunal Superior Administrativo, a corte mais alto do país. Se o contribuinte não tiver sorte, pode levar até dez anos para resolver uma disputa, a um custo de dezenas de milhares em custos legais. E se ele vencer, ele não é ressarcido pelo tempo e dinheiro gasto defendendo seus direitos, nem as autoridades fiscais responsáveis são punidas por sua conduta. Por este motivo, a maioria das disputas é resolvidas pela aplicação de precedentes, e os casos precedentes foram em grande parte pagos pelos contribuintes. Em outras palavras, o Estado aprova legislações vagas e aí faz o contribuinte a pagar por sua interpretação.

Dívida Crescente

A realidade e o futuro do Estado de bem-estar finlandês não é muito brilhante. A crise na Grécia e nos outros países do PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália e Espanha), trouxe à tona uma discussão muito necessária sobre o estado das finanças públicas na Europa. Pela primeira vez em muito tempo, os políticos estão realmente falando sobre a necessidade de cortar gastos governamentais. Embora isto seja indubitavelmente positivo, mesmo os políticos que de fato advogam o corte de gastos não parecem compreender o que isto realmente significa.

Os déficits e a dívida nacional crescentes não são resultado de uma carência de arrecadação de impostos. Na Finlândia, a taxa de imposto de renda marginal máximo por pessoa é de mais de 50% . Uma taxa de valor agregado é cobrada sobre todos os bens e serviços, em todos os níveis de produção. A taxa de impostos sobre bens de consumo e serviços normais foi recentemente aumentada de 22 para 23%. Como nos Estados Unidos, há uma grande quantidade de outras taxas e encargos cobrados sobre tudo sob o sol.

O que trouxe o Estado de bem-estar finlandês tão próximo da calamidade fiscal foi seu crescimento sempre crescente de gastos. Mesmo durante os quinze anos anteriores ao colapso de 2008, um período considerado de contínuo crescimento econômico, a dívida nacional não foi paga. Em 1994, a dívida nacional finlandesa foi de 51.7 bilhões de euros. Em 2007, ela subiu para €56.1 bilhões. No fim de 2009, a dívida disparou para €64.3 bilhões, e no fim de junho de 2010, ela subiu para €69.8 bilhões. Isto a pesar do fato de que a arrecadação de impostos havia permanecido estável e até subido, de 2000 a 2009. As cifras mostram que os gastos governamentais durante o mesmo tempo subiram de €33 bilhões, em 2000, para €46.9 bilhões, em 2009. Osgastos previstos em 2010 e 2011 são de €52.5 bilhões e €50.4 bilhões, respectivamente. Estima-se que a dívida nacional atingirá €85 bilhões no fim do ano fiscal de 2010.

Conclusão

A Finlândia é, e há muito tempo tem sido, um cartão postal do Estado de bem-estar social utópico da social-democracia européia e agora foi denominada como o melhor país do mundo, em uma re-elaboração bizarra do prêmio de Pessoa do Ano para Ben Bernake.

Na Finlândia, acreditam os progressistas, um Estado grande funciona. Um sistema de saúde universal e um ensino público e "gratuito", também. E se a Finlândia consegue, os Estados Unidos também conseguem. A falha neste argumento é que a Finlândia na verdade não consegue, não mais do que Obama consegue manter suas promessas.

O Estado finlandês de bem-estar social chega a um preço pelo qual não podemos pagar. O sistema de saúde é grosseiramente ineficiente e custoso e dificulta o acesso das pessoas ao tratamento médico de excelência oferecido pelo setor privado. A educação pública também é muito cara e está sempre com pouco dinheiro. Os livros escolares são repassados de geração em geração, todos aprendendo as mesmas falácias que os outros, antes deles, bastando apenas que sejam legíveis.

A idéia de um direito de todos a um diploma universitário resultou em um número muito alto de pessoas com curso superior, mas seus diplomas muitas vezes não têm valor no mercado de trabalho. Devido aos altos impostos e a combinação dos riscos legal e financeiro de contratar pessoal, uma taxa de desemprego de 8 por cento é considerada normal. E eu não sei se eu já disse, mas o sistema previdenciário é um golpe da pirâmide igualzinho ao sistema de segurança social dos Estados Unidos e está a beira do colapso.
A dívida pública do país já alcançou níveis alarmantes. E o que é pior, nunca houve um período de tempo prolongado durante o qual a maior parte da dívida fosse sistematicamente paga. No máximo, ela ficou bastante estável, disparando em quase 50% nos últimos anos, se as projeções se verificarem. A falência virá, a menos que mudanças significativas sejam feitas.

Eu, entretanto, quero muito terminar com uma nota positiva. Em sucessivas pesquisas, o povo finlandês tem apoiado maciçamente cortes nos gastos do governo como um meio de pôr sob controle as finanças públicas. Anteriormente, os finlandeses não se importavam em pagar impostos, mas agora estão acordando para o fato de que aumentar impostos não é mais uma opção viável.

Ano que vem, nós finlandeses vamos às urnas eleger um novo parlamento. Eu espero que o resultado da eleição reflita esta importante e recente descoberta.


Kaj Grüssner é consultor fiscal na Finlândia. Veja seu blog (em sueco). Escreva Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. para ele. Veja os arquivo de artigos de Kaj Grussner.



Tradução de Larry Martins, do blog Dextra.

Artigo no original Aqui.

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