quarta-feira, 19 de março de 2008

“O Cerco Estratégico” no Grande Jogo

por Jeffrey Nyquist em 19 de março de 2008

Resumo: O que é que os ataques de 11 de setembro pretendiam conquistar? Os inimigos dos Estados Unidos compreendem até que ponto o país está dividido. Em qualquer conflito, a divisão tende a se intensificar, ainda mais se a direita acusa a esquerda e a esquerda acusa a direita.

© 2008 MidiaSemMascara.org


No clássico chinês, A Arte da Guerra, Sun Tzu diz: “[A]quele que domina as artes da guerra sobrepuja as forças inimigas sem entrar em batalha, conquista as cidades alheias sem sitiá-las e destrói as outras nações sem levar muito tempo”. Isto é conseguido por meio de um processo que os antigos estrategistas chineses chamavam de “cerco estratégico”. É uma abordagem que o inimigo não pode detectar; foi o tipo de estratégia adotada por Mao Tse-tung e Nikita Krushchev durante a Guerra Fria; foi o tipo de estratégia usada para orientar os serviços de segurança chineses e russos por volta de 1960. É uma abordagem que envolve uma estratégia de “coexistência pacífica” e “détente”. É uma estratégia de agressão passiva, de inimizade mascarada e cooperação traiçoeira. Ela continua até hoje, ainda que o Ocidente de nada suspeite. Ela foi descrita em 1984 pelo desertor da KGB, Anatoliy Golitsyn, quando ele escreveu: [O]s estrategistas comunistas estão equipados – na consecução de sua política – para engajarem-se em manobras e estratagemas muito além da imaginação de Marx ou da capacidade prática de Lênin, e de uma forma impensável para Stalin. Dentre os estratagemas inimagináveis há a encenação de uma falsa liberalização no Leste da Europa...”.

Nos anos 1950, a Rússia e a China foram economicamente excluídas e isoladas pelo Ocidente. Estavam vastamente superadas tecnologicamente por ele, cercadas por bases americanas e circundadas por alianças militares tais como a OTAN e a SEATO. A Rússia desejava romper esse cerco e a China desejava a industrialização. De acordo com esses desejos, Joseph Stalin planejou uma invasão da Europa Ocidental. Na Ásia, os chineses invadiram o Tibete e os norte-coreanos [com suporte chinês] invadiram a Coréia do Sul. Mao Tse-tung falava até em construir uma marinha para uma invasão aos Estados Unidos continentais. Mas os planos agressivos dos ditadores deram em nada. Stalin morreu misteriosamente em 1953 e, com ele, seu plano de guerra irrealizado. A agressão norte-coreana foi frustrada pelos Estados Unidos em 1950 e as ambições da China passaram a girar em torno do mal-engendrado “grande salto para frente” de Mao. Os chineses e russos careciam dos meios econômicos e da tecnologia para levar seus planos adiante. A fim de romper o isolamento e obter a tecnologia e o capital necessários, eles começaram por reorganizar-se internamente – primeiro com a denúncia de Krushchev dos crimes de Stalin, depois com a reorganização da polícia secreta e, finalmente, com uma política externa mais flexível. Na Rússia, esta foi a primeira desestalinização. Na China, Mao encontrou-se com o presidente Nixon e uma grande “abertura” começou. Em ambas as instâncias o mesmo princípio estava em vigor. Tal como explicou Sun Tzu: “Toda arte da guerra baseia-se no logro e na ilusão. Conseqüentemente, quando capazes de atacar, devemos parecer incapazes; ao usarmos nossas forças, devemos parecer inativos; quando estivermos próximos, devemos fazer o inimigo acreditar que estamos longe; quando distantes, devemos fazê-lo crer que estamos próximos. Mantenha iscas para atrair e seduzir o inimigo. Finja estar em desordem e esmague-o”. O mundo comunista estava fingindo a desordem interna e essa operação foi redobrada nos anos 1990, até que o Ocidente se declarasse o vencedor da Guerra Fria.

Nenhum dos movimentos em ziguezague dos líderes russos e chineses indicava um abandono dos velhos objetivos. Yeltsin anunciou um fim às armas russas, mas quando hoje vemos a aparição de novos tipos de tanques, aviões, submarinos e ICBMs, concluímos que a indústria bélica russa usou os anos 1990 para lançar novos planos e deitar novas fundações para uma nova geração de armamentos modernos que sobrepujariam o arsenal ocidental. Conquista e triunfo ainda são predominantes na mente oriental. Mas, primeiramente, os desvios de direção, a fraude e a ilusão seriam usados em grande escala. Conforme a estratégia delineada, a desinformação seria disseminada em toda parte; grãos de confusão seriam semeados; países-alvo seriam infiltrados; agentes de inteligência estrangeiros recrutados e infiltrados em postos importantes; parte da grande mídia seria corrompida; e as instituições financeiras, penetradas. O ataque teria lugar em muitos níveis, simultaneamente. Viria de mais de uma direção ao mesmo tempo, utilizando toda abordagem concebível. Seriam assinados acordos com grupos do crime organizado para carregar influência política junto com influência criminosa, no Canadá, México e nos Estados Unidos. O ataque teria um vetor econômico, um vetor teológico nas igrejas, um vetor no crime organizado, um vetor educacional e assim por diante. A sociedade (em especial, a americana) em si era o alvo principal, em vez de concentrações de tropas ou bases de mísseis ocidentais. O tráfico de drogas seria usado como um canal maior para a disseminação da corrupção financeira, através da lavagem de dinheiro. Guerrilheiros marxistas na América Latina seriam financiados através do tráfico de drogas. Com a corrupção crescente, políticos e funcionários de segurança pública poderiam ser chantageados, enquanto instituições financeiras seriam roubadas e a autoridade solapada. Tudo isso foi organizado décadas atrás pelo maior serviço secreto do mundo (i.e., a KGB), aquele com o maior acúmulo de experiência institucional na história. As fraquezas e falhas naturais na sociedade ocidental seriam exploradas, exacerbadas e manipuladas para fins estratégicos.

A Rússia e a China são países atrasados, atravancados por ineficientes burocracias estatais. Mas faça a você mesmo as seguintes perguntas: Como um estado consegue controlar a maior área de terra do planeta? Como um estado consegue governar a maior população do planeta? O sucesso de um país pode ser medido pela extensão de seu território e pelo número de indivíduos a ele submetidos. No Ocidente, medimos o sucesso em termos de PNB[1] e padrão de vida. Por esses padrões de economia ou de poder de compra, os russos não têm nem a metade do poderio dos franceses. Todavia, se colocássemos Rússia e França numa disputa militar, a França duraria apenas algumas horas. O PNB não é uma medida de poder, mas uma medida de consumo. Durante a II Guerra Mundial, a economia russa era consideravelmente menor do que as economias combinadas dos países do Eixo (Alemanha, Itália, Romênia, Hungria e Bulgária). Mas a produção de guerra russa era muitas vezes maior. Sua capacidade de travar uma guerra era maior. A despeito do sucesso inicial dos exércitos do Eixo, a Rússia os derrotou, em uma batalha após a outra.[2]

Uma tribo em meio a outras não conquista vastos territórios sem uma sofisticada cultura estratégica e um espírito guerreiro. No período chinês dos “estados beligerantes”, apenas um estado com a cultura estratégica mais sofisticada poderia emergir no topo. As astuciosas qualidades desse estado eram comunicadas para toda a China. E a China tem indelevelmente estampada na memória aquele ideal estratégico. A China foi unificada por ação estratégica e não por acordo político. E agora ela está aumentando suas forças para “se expandir além das fronteiras”. Sua enorme população e solo poluído requerem uma política de expansão. Isto é algo que a China não poderia realizar nos anos 1970, 80 ou 90. Uma vez que a China tem sido mais fraca que os Estados Unidos, o lado americano precisa ser antes enfraquecido pelo método do “cerco estratégico”. O comércio deve ser usado para encorajar a desindustrialização americana. A aliança com a Rússia deve ser fortalecida. Novas armas devem ser disponibilizadas. Uma nova aliança comunista deve ser construída, incluindo países tais como a Venezuela e a Bolívia. Os Estados Unidos devem ser desorganizados por meio de uma propaganda engenhosa, de guerra psicológica e sabotagem econômica, através do terrorismo sem rosto até o terror vermelho. Os EUA devem ser isolados de seus aliados e jogados na desordem. Ho Yanxi certa vez explicou: “Quem sabe sitiar não faz o cerco com um exército, mas usa a estratégia para frustrar e impedir os oponentes, fazendo com que eles derrotem a si mesmos e destruam-se, em vez de conduzi-los através de uma longa e incômoda campanha militar”. Explorar as divisões no interior do campo inimigo é fundamental.

Ao mesmo tempo, os americanos foram desviados em sua estratégia – ou seja, desviados para o Oriente Médio. Foram também desviados por querelas internas. Num livro intitulado The Enemy At Home [O inimigo em casa: a esquerda cultural e sua responsabilidade pelo 11 de setembro], Dinesh D’ Souza diz que há duas Américas: a da esquerda e a da direita. Ele cita Jonathan Franzen neste contexto: Metade do país acredita que Bush está se empenhando numa cruzada contra o Mal, enquanto a outra metade acredita que Bush é o Mal”. Dentro dos EUA há divisões. Linhas divisórias se transformaram em linhas de batalha, i.e., de ricos versus pobres (luta de classes), negros versus brancos (guerra racial), homem versus mulher (ideologia feminista), filhos versus pais (cultura da juventude), democratas versus republicanos, etc. À medida que a sociedade americana torna-se mais hedonista, mais individualista, mais “auto-realizável”, há menos coesão e unidade, mais neurose e dependência química; menos freqüência à igreja e mais compras; menos civilidade e mais ideologia; mais retórica aguda e menos acuidade estratégica. Os eleitores tornaram-se politicamente estúpidos. Eles não conseguem distinguir candidatos autênticos dos inautênticos. Escolhem de acordo com os critérios mais superficiais. Logo, são as pessoas superficiais que preenchem o palco político.

Os russos e chineses assistem ao processo de desintegração política americano. Eles observam a economia americana quando, em conseqüência, ela tropeça pelo caminho. Especialistas dizem que as perdas no setor de hipotecas imobiliárias já excedem meio trilhão de dólares, e o dólar está seriamente enfraquecido. Bancos estão em apuros. Isso é apenas o começo de uma crise mais ampla – a crise antevista por Karl Marx e Friedrich Engels, na qual o capitalismo seria finalmente desacreditado e derrubado por revolucionários socialistas. Enquanto isso, a longa marcha pela educação superior americana colocou marxistas e simpatizantes socialistas na vanguarda. A mídia e a cultura estão permeadas por uma maré montante de antiamericanismo e de mentiras anticapitalistas. Desse modo, os Estados Unidos não podem empreender com eficácia a chamada “guerra ao terror”.

Tal como ressalta Dinesh D’ Souza em seu livro, os Estados Unidos não identificaram corretamente o seu inimigo na guerra em curso. Nós não sabemos absolutamente nada sobre os objetivos do inimigo. O que é que os ataques de 11 de setembro pretendiam conquistar? Olhando para a atual situação, lúgubre e desanimadora, podemos dizer que os ataques de 11 de setembro atingiram seu real objetivo? Os inimigos dos Estados Unidos compreendem até que ponto estamos divididos. Em qualquer conflito, a divisão tende a se intensificar. A confusão reina em todos os lados quando a direita acusa a esquerda e a esquerda acusa a direita. Hoje, é impossível comunicar informação estrategicamente importante porque os ouvidos de todos estão conectados a bobagens ideológicas. O desertor da KGB Alexander Litvinenko avisou que a Rússia estava por trás do terrorismo da Al Qaeda. Ele declarou isto em linguagem clara, para que todos entendessem. Ele disse que Ayman al Zawahiri era agente da KGB de longa data e que soube disso através de colegas da KGB envolvidos no treinamento de Zawahiri. Quando Litvinenko foi envenenando com polônio-210, há um ano, a imprensa ignorou completamente os alertas e acusações que causaram a sua morte. Ele foi descartado como se fosse um espião obscuro envolvido em negócios obscuros.

O logro e a ilusão continuam e os logrados permanecem desviados, divididos e iludidos.

[1] NT: PNB: Produto Nacional Bruto difere do PIB por se lhe acrescentar as remessas de lucros recebidas pelo país – através de suas empresas e indivíduos – a partir de empreendimentos no exterior. A Embraer, para citar um exemplo brasileiro e por suas características e operações nacionais e transnacionais, inclusive na China, agrega valor ao PIB e também ao PNB do Brasil.

[2] NT: Os recursos naturais e humanos da Rússia soviética sem dúvida eram imensos, malgrado os comandantes russos não terem demonstrado qualquer apreço pela vida de seus soldados, que morriam a taxas muito maiores que as dos exércitos do Eixo. Os comandantes soviéticos simplesmente tinham mais homens para sacrificar, à vontade, mesmo que os comunistas tenham tido que apelar para o “patriotismo” na luta contra os nazistas. Tampouco é possível esquecer os constantes e insistentes apelos de Stalin a Roosevelt e a Churchill para que estes apressassem o “segundo front”; além disso, os EUA forneceram aos russos uma quantidade enorme de material bélico, incluindo munição, aviões antitanque, caminhões, aço e produtos químicos. Até agosto de 1945, uma ajuda material americana equivalente a US$50,6 bilhões (em valores da época) tinha sido enviada a britânicos e russos.

© 2008 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: MSM

Nenhum comentário: