por Alvaro Vargas Llosa em 19 de março de 2008
Resumo: A América do Sul está mais pobre do que poderia estar se a estrutura institucional e política sob a qual o gás natural é explorado fosse favorável ao investimento privado competitivo e ao livre comércio doméstico e internacional.
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Poucas coisas ilustram melhor a tragédia das políticas latino-americanas populistas e nacionalistas do que a crise relacionada ao gás natural na América do Sul. Uma região com muitas reservas e governos que se descrevem como parceiros próximos está atolada numa crise energética e em disputas sobre cortes no fornecimento de gás natural. A população não pode contar com um serviço consistente.
O problema começou em 2002, quando políticos argentinos decidiram controlar o preço do gás natural – muitas jazidas do produto foram descobertas na país durante as duas décadas anteriores. Num cenário de recuperação econômica, a demanda explodiu. O gás natural se tornou uma parte crucial no mix energético da Argentina – lá a indústria automobilística o converteu em fonte de combustível em grande escala. Mas, como os preços controlados deram pouco incentivo a empresas estrangeiras numa época na qual o governo estava liderando uma campanha agressiva contra o capital privado, os investimentos secaram. Quando o fornecimento se tornou incapaz de atender à demanda, seguiram-se os cortes.
A Argentina foi forçada a reduzir exportações já contratadas para o Chile de 20 milhões de metros cúbicos por dia em 2003 para um décimo disso atualmente. Os chilenos, cuja sólida economia depende bastante das importações de energia, sentiram-se traídos pelos vizinhos, mesmo que os governos de esquerda dos dois países se chamem de aliados. A redução das exportações para o Chile não foi suficiente para resolver o problema na Argentina, que terminou importando outros combustíveis que eram mais caros e menos limpos do que o gás natural.
Na Bolívia, o capital privado tornou possível a descoberta de grandes reservas de gás natural nos anos 1990 – potencialmente 52 trilhões de pés cúbicos. Como um líder oposicionista na época, o atual presidente Evo Morales encabeçou um movimento contra o investimento privado no setor energético do país. Quando ele se tornou presidente, nacionalizou a indústria. Morales deu meia volta quando se tornou claro que o governo era incapaz de explorar as fontes naturais do país, mas o efeito de sua ação anterior já tinha interrompido muito do investimento privado.
Os compromisso de exportações para o Brasil, onde muitos Estados, incluindo São Paulo, dependem significativamente da energia boliviana, e para a Argentina foram afetados. A Bolívia reduziu suas exportações para a Argentina em um terço e triplicou os preços. Tensões entre os dois governos de esquerda logo surgiram.
Há duas décadas, o Peru descobriu importantes reservas de gás natural na região amazônica – atualmente acredita-se que essas jazidas sejam de 13 trilhões de pés cúbicos – o suficiente para abastecer o mercado doméstico e exportar durante décadas. Como o governo e grande parte da oposição demonizavam o investimento estrangeiro, a exploração dessas reservas começou somente há poucos anos. Nesse tempo todo, o Peru gastou recursos importando energia mais cara. O gás natural começou a alimentar o mercado doméstico de energia só recentemente.
Quando uma usina cara for construída pra liquefazer o gás, o Peru será capaz de embarcar o combustível para o México. Entretanto seria mais fácil e mais barato exportá-lo para o Chile, vizinho do Peru, exceto que rancores históricos surgidos na Guerra do Pacífico, no século 19, tornam politicamente impossível que o presidente peruano Alan García considere essa possibilidade.
A Venezuela tem as maiores reservas de gás natural na América do Sul, ainda que não tenham sido exploradas significativamente por causa da obsessiva concentração do governo no petróleo. Isso em detrimento dos países latino-americanos cujos governos se tornaram subservientes a Caracas por motivos que não são apenas ideológicos, mas também práticos: o petróleo venezuelano subsidiado ajuda a compensar o déficit energético que vai continuar a atormentar esses países por anos.
Porém, como a indústria petroleira está nas mãos ineficientes e corruptas do governo e é usada como instrumento político do poderoso Hugo Chávez, a produção caiu bem abaixo dos 3 milhões de barris por dia. Em algum momento, a Venezuela será forçada a dar meia volta em seus compromissos de fornecer petróleo para as Américas Central e do Sul, bem como para os países caribenhos.
Essa situação absurda – um continente repleto de gás natural e ainda encurralado numa grave crise energética – é o resultado de políticas que prometeram proteger os tesouros nacionais do capitalismo estrangeiro predatório. A região está mais pobre do que poderia estar se a estrutura institucional e política sob a qual o gás natural é explorado fosse favorável ao investimento privado competitivo e ao livre comércio doméstico e internacional. E ela também está menos integrada e estável do que estaria se um mercado sem demagogia tivesse tido condições de florescer.
O populismo e o nacionalismo tiveram o mesmo efeito sobre os latino-americanos que as nacionalizações, os controles de preços e a tributação predatória supostamente deveriam evitar.
Publicado pelo Diário do Comércio em 18/03/2008
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