quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Análise a bem da conveniência

por Jeffrey Nyquist em 13 de fevereiro de 2008

Resumo: Por que admitir uma ameaça quando as melhores cabeças políticas sabem que não há nada que possa ser feito a respeito? É melhor racionalizá-la até que caia no esquecimento, pois notícias negativas geram preços mais altos para o petróleo, deixam o mercado nervoso e consumidores insatisfeitos.

© 2008 MidiaSemMascara.org


Inteligência nacional e grande estratégia não são assuntos para os vacilantes ou para os fracos de propósito e mente. E ainda assim, ao escolher seus analistas de inteligência a partir do aglomerado acadêmico de nossos professores de esquerda, estabelecendo-os como burocratas enclausurados, o governo dos Estados Unidos produziu análises de inteligência agindo como alcoviteiro ao favorecer desígnios escusos e uma grande estratégia nacional baseada em wishful thinking. Se há um problema sério no mundo, tal como as intenções futuras do Partido Comunista Chinês em Pequim, dos rapazes da CIA ou da DIA [1], você não ouvirá uma avaliação do pior cenário possível. Esses sujeitos espertos sabem muito bem como proceder com base na cultura política americana e com o que aprenderam de seus ex-professores. Eles derivam sua epistemologia do regime de shopping center, sua ética, da televisão, e sua integridade, dos políticos. Estes são os mesmos políticos que não dirão que os comunistas governam a China. A palavra “C...” não é para ser usada. É uma daquelas negações, quando examinadas mais de perto, que poderiam sugerir que nossa política comercial com a China é estúpida e perigosa.

Quando você quer fazer algo estúpido e perigoso, a racionalização torna-se essencial. De fato, quando uma nação inteira quer fazer algo estúpido e perigoso, a fim de desfrutar de certo tipo de consumo, a racionalização pode tornar-se burocratizada com um selo oficial de “verdade”. E é aí que entram nossos analistas de inteligência. Tal como o restante de nossa sociedade, eles ficaram moles. Suas análises afirmam que o termo “conspiração comunista” não tem nenhum uso adequado. Segundo eles, um comunista não é um conspirador revolucionário e um governo comunista não é uma máquina totalitária com propensão à conquista global. Tais idéias são um revés à Guerra Fria, à qual uma vez deram crédito a neandertais como Harry Truman, Dwight Eisenhower e JFK. Nós hoje somos sofisticados demais para acreditar numa “ameaça comunista”. Portanto, não devemos dizer que Hugo Chávez é um comunista, ainda que ele ame Fidel Castro e se compare a Mao. Nós tampouco desejaríamos dizer que os velhos comunistas voltaram ao poder na Rússia. E não quereríamos insistir no fato de que a Rússia produziu um novo modelo de ICBM [2]. O analista de inteligência dos dias de hoje diria que isso se deve à psicologia russa, nada tendo a ver com qualquer cenário de guerra. A propósito, não há nenhuma razão para que nós tenhamos tantas armas.

A sofisticada análise de inteligência de nosso tempo se baseia no insight sociológico especial do shopping center. Lá no fundo, você vê que todo mundo quer ir às compras. Até Hitler queria ir às compras. Isto é algo que Neville Chamberlain entendeu bem, mas que Winston Churchill nunca entendeu por completo. Se você parte da premissa de que todo mundo quer ir às compras e que todos querem comprar o que os varejistas americanos têm a oferecer, então você está diante do caminho para a paz, a paz na vila global – rumo à globalização de todos em tudo. Portanto, a guerra está se tornado obsoleta. Uma guerra nuclear, especialmente, está muito longe do horizonte. Talvez os romanos tenham destruído países, exterminado nações e salgado a terra a fim de que nada lá jamais crescesse novamente, mas o regime de shopping center encontrou uma maneira melhor de lidar com inimigos (i.e., simplesmente desejar que eles sumam).

O tempo está a favor do regime de shopping center. Tudo que temos a fazer é esperar que os filmes americanos, que a nossa televisão e a nossa pornografia infiltrem-se pelo resto do mundo. Tudo o que temos a fazer é libertar as mulheres nos países islâmicos e, em conseqüência, libertar o poder político do consumidor. De acordo com esta lógica, a China já foi transformada e o controle do Partido Comunista Chinês é meramente nominal. Tanto quanto o preeminente regime de shopping center, onde os consumidores há muito substituíram os cidadãos, os EUA dão o exemplo e apontam o caminho. Portanto, nenhum político americano ousa reconhecer que a China pretende destruir os Estados Unidos como grande potência, exterminando, se necessário, 100 milhões de americanos num ataque nuclear recíproco, além de ter combinado seus enormes recursos humanos com o poderio dos mísseis russos a fim de vencer a próxima guerra mundial. Isso você não ouvirá dos analistas de inteligência e nem verá escrito nas memórias dos desertores, porque a cadeia alimentar política começa com aquele que vai às compras – e que é também um eleitor – e avança pelas entranhas do sistema até o Congresso e à Casa Branca, e, então, até os burocratas que “servem” e “analisam”.

O pior cabeça-dura do sistema oficial de análise sabe que o público de shopping não deve ficar alarmado, e que a paranóia de extremistas domésticos não deve ser alimentada. O que os políticos querem são “boas notícias” logo de saída. Eles querem soluções positivas. Ele querem aparecer bem diante de consumidores e varejistas. Então, se não há uma resposta esperta e macia para um problema, se a resposta é “sangue, suor e lágrimas”, então o problema não existe. De fato, nem deveria existir.

O problema da Rússia, com seu enorme arsenal nuclear e um governo liderado pela KGB, deveria ter mandado ondas de choque e alarme por toda a Washington e há muito tempo. Todos sabem que as reformas na Rússia falharam. O que ninguém pode admitir, contudo, é que as reformas deram ao velho complexo militar-industrial soviético tempo e dinheiro para construir uma nova geração de armas. A Rússia agora tem uma nova geração de ICBMs, enquanto os Estados Unidos dependem de mísseis antigos. A Rússia tem ICBMs móveis, transportáveis por estradas pavimentadas ou por ferrovias. Os EUA não têm nenhum. A Rússia renunciou ao CFE (Tratado de Armas Convencionais na Europa) e a OTAN não sabe o que fazer. Os consumidores nunca entendem ou não têm interesse nesse tipo de rumores distantes, então os políticos que concorrem à presidência não irão discuti-los. Você não ouvirá um grande debate acerca da crescente ameaça russa ou sobre qual candidato estaria mais bem preparado para lidar com ela. Os consumidores não estão interessados, Os analistas, por sua vez, precisam negar que as novas armas russas e o futuro incremento de seu poderio na Europa possam desordenar o equilíbrio de poder global. O “sofisticado” analista de hoje em dia sabe que os Estados Unidos se preocupam em comprar, e comprar tem a ver com otimismo econômico. Se certos fatos conflitam com o otimismo econômico, então o analista precisa afastar a explicação de tais fatos.

Tome o problema do Irã. Os fanáticos islâmicos em Teerã vêm tentando obter a capacidade de fabricar armas nucleares. Talvez eles queiram fabricar somente umas dez ou doze bombas por ano. Talvez queiram ter até mil bombas. Por que não? Por que aqueles que inspiraram os homens-bomba assassinos não deveriam ter também bombas nucleares? Afinal, uma bomba é apenas uma bomba. Ela só explode. Ademais, os iranianos só podem atingir Israel e partes da Europa. Levará ainda vários anos até que eles possam lançar foguetes nucleares sobre Nova York ou Washington, D.C. Portanto, é uma vergonha que alguém nos EUA se preocupe com o Irã, especialmente desde que nossas débeis tentativas de intimidar o Irã falharam.

Há muitas dores de cabeça associadas a um bombardeio ao Irã, e os americanos não têm tropas nem dinheiro suficientes para uma invasão. Dar apoio moral ao povo iraniano, aos organizadores democráticos entre os milhões de iranianos exilados, não é sexy o suficiente – pois não atrai nem encanta os consumidores e viciados em televisão. Tudo isso é sabido em Washington. O cínico sempre enxerga o fundo da nua e crua realidade de uma coisa. E, sendo cínicos, nossos analistas da CIA sabem que os políticos querem que o problema do Irã “vá embora”. Portanto, é apenas uma questão de alterar a análise pela omissão de certos detalhes, montando uma conclusão sobre suposições não declaradas.

A recente Estimativa da Inteligência Nacional (NIE) referente ao Irã é um exemplo característico. Por uma questão de conveniência, nos dizem que o programa nuclear iraniano não é mais uma ameaça militar. Por que admitir uma ameaça quando as melhores cabeças políticas sabem que não há nada que possamos fazer a respeito? É melhor racionalizá-la até que caia no esquecimento. Afinal, notícias negativas vindas do Oriente Médio já nos custaram preços de petróleo mais altos. Os consumidores não gostam disso. Más notícias desse tipo fazem o mercado ficar nervoso e o dólar mais fraco. E, assim, nossos analistas de inteligência estão determinados a ajudar a economia americana, a retardar o colapso em seus estágios iniciais. É uma tarefa maravilhosa, não é? Análise a bem da conveniência.

[1] NT: Defense Intelligence Agency (Inteligência militar).

[2] NT: ICBM: Míssil Balístico Intercontinental.

© 2008 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: MSM

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