quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Lidando com Externalidades

por João Luiz Mauad em 26 de fevereiro de 2008

Resumo: Embora se espere que os políticos ajam de acordo com o “interesse público”, suas decisões envolvem a utilização de recursos alheios, e não dos seus próprios. E é aí que mora o problema.

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Externalidade é o conceito utilizado pelos economistas para definir as conseqüências (custos ou benefícios a terceiros) não-intencionais derivadas das ações humanas, sejam elas individuais ou, principalmente, de governo.

O conceito de externalidade é uma das pedras angulares da ciência econômica e sua origem remonta aos tempos de Sir Adam Smith, cuja metáfora mais famosa – "a mão invisível" – é justamente um exemplo de "externalidade positiva". Segundo o mestre escocês, cada indivíduo, tendo em vista unicamente o seu próprio ganho, é levado, como que guiado por uma mão invisível, a promover um fim que não fazia parte de suas intenções, qual seja, o interesse geral da sociedade.

Em frente ao meu apartamento, há uma bela casa com piscina. Recentemente, foi construído um edifício residencial no terreno ao lado. O novo prédio, provavelmente, gerou lucros (intencionais) ao construtor, emprego e renda a um sem-número de pessoas envolvidas direta ou indiretamente no projeto, bem como o virtual aumento de bem-estar aos compradores dos novos apartamentos. Os custos e benefícios derivados das ações econômicas dos indivíduos e empresas que tomaram parte na empreitada, assim como o incremento do bem-estar dos adquirentes, estão refletidos nos preços pagos e recebidos por cada um, os quais, por sua vez, são ditados pelas leis da oferta e da demanda. Portanto, presume-se que todas as partes, direta e voluntariamente envolvidas em determinada transação econômica, estão beneficiando-se dela.

No caso mencionado, entretanto, houve uma terceira parte, não envolvida direta ou intencionalmente na transação imobiliária, porém afetada de forma negativa pela construção. Os moradores da bela casa ao lado perderam várias horas de sol diárias em sua piscina, além de mais um pouco da sua privacidade, já um tanto comprometida pelos prédios em frente, inclusive o meu. Muito poucos são aqueles que jamais passaram por situações desagradáveis semelhantes, sem que muito pudessem fazer além de tentar o improvável consolo de uma indenização amigável ou judicial.

Na ausência de externalidades significativas, como no exemplo acima, as ações econômicas dos cidadãos, como bem inferiu Adam Smith, tendem a promover o interesse geral da sociedade, ainda que interesses particulares localizados possam ser afetados negativamente. Há casos, no entanto, onde as externalidades negativas são de tal ordem e os terceiros prejudicados tão numerosos, que o empreendimento passa a ser desinteressante para a sociedade. Alguns economistas chamam a isso de "falha de mercado". O exemplo clássico é a implantação de indústrias poluidoras do ar em zonas residenciais. Dependendo do caso, por maiores que possam ser os benefícios derivados da atividade industrial, como a geração de empregos, aumento da arrecadação de impostos e da atividade econômica como um todo, o custo da poluição (consequência não-intencional) será mais significativo.

Os economistas divergem sobre a melhor forma de lidar com as ditas "falhas do mercado". Alguns defendem a intervenção dura e coercitiva do governo, enquanto outros, mais liberais, acham que os indivíduos e a sociedade são perfeitamente capazes de criar mecanismos e instituições privadas para a resolução desses problemas.

Há inúmeros potenciais meios de promover o interesse geral quando as externalidades estão envolvidas. A solução de mercado mais efetiva para a correção do problema se dá através da “internalização” dos custos e benefícios de terceiros. No caso citado, os construtores deveriam indenizar o dono da casa vizinha pelo prejuízo causado. Tal custo deveria fazer parte do orçamento inicial do empreendimento. No entanto, “internalizar” custos e benefícios não é assim tão simples, especialmente porque os valores envolvidos são de difícil dimensionamento, na maioria das vezes por tratarem-se de valores subjetivos.

Na verdade, os efeitos indiretos das transações humanas são muito difíceis de quantificar e precificar, além de muitas vezes envolverem preferências individuais da população inteira. Freqüentemente, os interesses são conflitantes e não há como estabelecer quais preferências devem prevalecer e quais devem ser deixadas de lado. Normalmente, todas as partes envolvidas pretendem “puxar a brasa para a própria sardinha”, uma característica humana há muito conhecida.

Portanto, quando as externalidades são significativas e é pouco provável que se possa chegar a um consenso sobre valoração das preferências individuais, um outro método é posto em prática, não somente para tentar agregar as escolhas individuais, como para impor a solução da maioria. Grosso modo, a política é o meio utilizado para agregar estas escolhas e o governo, com seu poder coercitivo, a ferramenta.

Embora se espere que os políticos ajam de acordo com o “interesse público”, suas decisões envolvem a utilização de recursos alheios, e não dos seus próprios. E é aí que mora o problema. Como os recursos não lhes pertencem e seus donos são dispersos, os incentivos para a sua boa utilização são fracos. Em contraste, eles serão assediados diuturnamente por grupos de interesse e pressão muito bem organizados, cujos ganhos advindos de uma decisão política que lhes seja proveitosa são normalmente imensos. Não por acaso, estes grupos de interesse – grandes empresas, sindicatos, etc. – são os maiores contribuintes de campanhas eleitorais.

O melhor exemplo de externalidade negativa, derivada de ações políticas equivocadas, são as leis protecionistas. Os ganhadores são grupos concentrados (sindicatos de empresas e trabalhadores), com alto poder de influência junto a políticos e burocratas, enquanto os perdedores são todos os consumidores, que pagarão preços mais caros pelos produtos cuja importação esteja taxada. O prejuízo individual de cada consumidor muitas vezes é até pequeno, mas a conseqüência em termos de agregados econômicos é devastadora.

Quanto mais liberal é o governo, menor é a sua tendência para interferir nos assuntos do mercado. Os liberais estão perfeitamente cientes de que, ao contrário das ações individuais no mercado (cujo alcance é limitado), as ações de governo – especialmente as normativas e regulamentadoras – possuem uma capacidade quase ilimitada de produzir externalidades, cujos efeitos se espalham sobre uma multidão incontável de pessoas. Mas o pior de tudo – mesmo! – é que leva muito mais tempo para corrigir os danos causados por uma ação equivocada de governo do que os prejuízos causados pelas ações e escolhas dos indivíduos no mercado.

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