quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Heleno diz: "Não houve interferência em resgate com as Farc"

11/02

A verdade sufocada

EFE - Terra

Helicóptero brasileiro usado no resgate dos reféns das Farc

Aloisio Milani

Dezoito brasileiros em dois helicópteros estiveram diretamente no front da operação de resgate humanitário de cinco reféns seqüestrados pelas Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc), grupo guerrilheiro colombiano.

Em Manaus, longe do território colombiano, estava um general de Exército que comandou todos os preparativos para a participação brasileira na negociação do conflito que inflama a Colômbia - o comandante militar da Amazônia, Augusto Heleno Pereira.

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Heleno conta a Terra Magazine detalhes da operação que transformou por 8 dias o grupo de pilotos e técnicos de aviação, treinados para a guerra, em agentes humanitários sob as orientações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Durante a conversa, o general de quatro estrelas se exime de qualquer comentário político sobre as Farc - sua ação armada ou posição do Brasil no evento:

- Como militares, não estávamos envolvidos politicamente. Estávamos trabalhando com a Cruz Vermelha, fazendo valer todo o histórico deles como entidade neutra para ter êxito numa missão de resgate humanitário. Essa era nossa missão.

Heleno conta que os dois helicópteros Cougar e suas tripulações viajaram completamente desarmados, uma exigência da negociação. "Partimos do princípio de que a negociação anterior foi positiva, que foi bem sucedida", explica.

O general ainda desmente que aeronaves colombianas teriam interferido na ação de resgate, como relatou o repórter colombiano Jorge Enrique Botero à Telesur, canal multiestatal liderado pela Venezuela.

- Não houve interferência na missão. Não fomos atrapalhados. Li as notícias de que aviões teriam seguindo os helicópteros, mas o único ruído da história foi o próprio relato do repórter que comentou isso. Tudo aconteceu dentro do estabelecido.

Ontem, uma televisão colombiana divulgou trechos de um vídeo sobre a libertação. No vídeo, a tripulação brasileira aguarda a entrega dos reféns ao lado da aeronave.

A seguir, a entrevista completa:

Terra Magazine - Como surgiu a operação de resgate? Como o Comando Militar da Amazônia foi convocado?

Augusto Heleno - Fomos acionados inicialmente sem saber o que iria acontecer. Não sabíamos que haveria uma operação de resgate humanitário de reféns na Colômbia. Aos poucos fomos tomando conhecimento da missão. A primeira decisão - e isso nem foi decisão nossa - foi uma determinação do Ministério da Defesa bastante lógica: deveriam ser usados os helicópteros Cougar, porque eram facilmente identificáveis como helicópteros que não eram comuns naquela zona de ação. As aeronaves estavam sob o comando do coronel Achiles Furlan, do 4º Batalhão de Aviação do Exército.

E iriam com bandeira brasileira?

Não. Passamos algum tempo discutindo se os helicópteros seriam totalmente pintados com o emblema da Cruz Vermelha ou se apenas receberiam adesivos que descaracterizassem os helicópteros como tipicamente militares. Acabou-se chegando a decisão que viria um técnico para colocar somente os adesivos.

Como foi a preparação da tripulação?

Tomamos conhecimento de onde seria a missão, o primeiro estágio da missão, os pilotos determinaram a melhor rota, decidimos fazer algumas escalas, porque nós teríamos três tanques suplementares no interior do helicóptero por questões de segurança. Isso aumenta bastante a sua autonomia, mas em compensação diminui a disponibilidade de carga.

E qual foi, em resumo, a rota utilizada?

Partimos de Manaus em direção à Tefé, depois seguimos para a bacia do Rio Negro para São Gabriel da Cachoeira. Após um novo abastecimento, fizemos um pouso técnico para reabastecimento em Querari, onde temos um pelotão especial de fronteira, exatamente na divisa da Colômbia. A essa altura já haviam embarcado em São Gabriel da Cachoeira alguns membros da Cruz Vermelha Internacional e a senadora Piedad Córdoba (parlamentar da oposição à Álvaro Uribe). Dali, fomos para a cidade de Florença e partimos para a primeira fase da missão, como sabe. Depois, partimos para Villavicenzo, onde fizemos a segunda fase da missão.

Qual a maior dificuldade? O entendimento do espanhol ou a região dos vôos?

Em termos técnicos, temos muita experiência em sobrevôo na selva, mas voar a grandes altitudes sobre os Andes demandou um treinamento especial com oxigênio. Dá para dizer que tecnicamente esse foi o maior desafio.

A tripulação tinha algum plano de ação para situações de conflito com as Farc?

Não nos preocupamos com esse aspecto porque a missão que nos foi confiada era uma missão tipicamente humanitária, em que o componente político e mesmo o componente operacional não tinha sido considerado. Partimos do princípio de que a negociação foi positiva, que foi bem sucedida. Não havia como numa missão desse tipo termos um Plano Bravo para uma emergência que necessitasse uma atuação operacional. Porque também seria a violação do acordo feito que era voar desarmado. Então partimos realmente para uma missão humanitária. Não tínhamos nenhum plano Bravo, porque não era o caso, apesar de saber que remotamente tínhamos algum risco na missão.

A ação do Ministério da Defesa da Colômbia, com helicópteros disfarçados da Cruz Vermelha para combater guerrilheiros das Farc, não foi levada em conta como um precedente perigoso?

Não levamos em conta. Porque se nós começássemos a questionar se o acordo seria respeitado, que a missão seria realmente humanitária, aí não iríamos cumprir a missão - um resgate de reféns no interior da selva colombiana em clareiras provavelmente. Se fôssemos entrar nesse tipo de consideração teríamos que levar helicópteros de escolta, gente armada, aí ia violentar tudo que sido acordado. Partimos desde o princípio de uma situação de neutralidade.

Houve relatos do canal Telesur de que o governo colombiano atrapalhou a operação com sobrevôos atrás dos helicópteros brasileiros. O comandante Achiles Furlan, que estava na operação, lhe relatou isso?

Não houve qualquer interferência na nossa missão. Também li as notícias de que aviões teriam seguido os helicópteros, mas o único ruído da história foi o próprio relato do repórter que comentou isso. Tudo aconteceu dentro do estabelecido. Não houve surpresas para nós nesse caso.

Como o senhor, general treinado e preparado para a guerra, avalia uma ação humanitária num conflito armado com questões políticas em jogo? E ainda sob as ordens da Cruz Vermelha?

A Cruz Vermelha é respeitada no mundo inteiro. Ela tem um papel na história das guerras, onde ela aparece como um elemento moderador, um elemento de esperança de vida, então tem uma bagagem muito grande. Obviamente que, em situação de guerra e de combate, essa situação da Cruz Vermelha se torna muito mais difícil. Ou seja, viver uma situação de guerra e, ao mesmo tempo, respeitar todos os parâmetros da Cruz Vermelha, dos quais ela não abre mão. Mas no caso não estávamos envolvidos politicamente. Nós estávamos trabalhando com eles, praticamente fazendo valer toda essa bagagem da Cruz Vermelha para ter êxito numa missão de resgate humanitário. E isso foi bom.

O senhor tem notícia ou está negociando outros possíveis resgates?

Estamos preparados para qualquer missão. Se aparecer outra desse tipo, iremos. Aguardamos qualquer oportunidade que envolva a necessidade de helicópteros, experiência e capacidade técnica.

Terra Magazine

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