Empresário acusado de ser o operador do mensalão foi agredido por integrantes da facção criminosa paulista e obrigado a pagar “pedágio” para sair vivo do presídio de Tremembé, no interior de São Paulo
Maria Clara Prates e Edson Luiz
Enviados especiais
São Paulo — O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza — acusado de ser o operador do mensalão, esquema de pagamento de propina para a base aliada do Palácio do Planalto em troca de aprovação de projetos de interesse do governo — vive hoje sob ameaça de morte de integrantes do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Depois de ter ficado preso por pouco mais de três meses na Penitenciária II do Presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, a 138km da capital, por força de um processo no qual é acusado de integrar uma quadrilha que praticava extorsão, fraudes fiscais e corrupção, Marcos Valério, mesmo em liberdade, está sendo extorquido pela organização, nascida nas cadeias paulistas na década de 1990, e traz no corpo as marcas da violência do grupo que lhe exigiu dinheiro durante o tempo em que esteve preso.
Vinte quilos mais magro, ele vive hoje totalmente recluso, depois de ter parte dos dentes da frente quebrados e cortes profundos no corpo feitos por estiletes, de acordo com fontes da Polícia Civil de São Paulo. Ele foi preso em 11 de outubro, por força de mandado de prisão expedido pelo Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo e ficou encarcerado até 14 de janeiro. Para conseguir sair do presídio de Tremembé com vida, Marcos Valério precisou fazer um acordo com o advogado Jeronymo Ruiz Andrade do Amaral, considerado o chefe do departamento jurídico do PCC, organização para a qual trabalha desde 2000.
Pedágio
O acerto entre eles aconteceu em 9 de janeiro, numa conversa que se estendeu por cerca de 40 minutos, no parlatório da Penitenciária II do presídio, onde os carcereiros não têm acesso, somente presos e advogados. O valor pago pela “proteção” da organização é segredo guardado a sete chaves, mas fontes da Polícia Civil relatam que Marcos Valério era obrigado a desembolsar o que chamam de “pedágio”. Jeronymo, assim como o empresário, estava preso na Penitenciária II de Tremembé depois de ter sido preso em flagrante tentando levar para integrantes do PCC, encarcerados na unidade prisional de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, componentes de telefones celular.
A prisão de Jeronymo aconteceu em 2 de abril, depois que ele se recusou a passar pelos raios x da revista. Ele trazia um processo e as peças estavam escondidas entre as folhas. Para entrar no presídio, ele pediu uma visita para ver o detento Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, apontado como um dos generais do PCC, além de outros dois presos da facção. O advogado trazia duas placas de circuito, dois visores de cristal líquido e duas baterias, com os quais era possível fazer dois celulares. O encontro entre Jeronymo e Marcos Valério foi amplamente divulgado, mas somente agora a Polícia Civil paulista descobriu o real motivo. A justificativa de primeira hora foi que o advogado teria ido apenas visitar o empresário de quem ficou amigo depois da temporada juntos em Tremembé.
Medo
O acordo de Marcos Valério com o PCC, entretanto, está saindo caro. As extorsões não tiveram fim nem com a libertação do empresário. E pior. Agora também sua família está sob a mira do grupo criminoso. Os telefonemas ameaçadores são constantes e a tensão durante a prisão de Valério chegou a níveis tão insuportáveis que a mulher dele, Renilda de Souza, pediu socorro ao advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça do governo Lula. Foram pelo menos três encontros até a concessão de habeas corpus pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, antes mesmo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgar o mérito do pedido apresentado anteriormente.
Marcos Valério se recusa a falar sobre as agressões, até para os amigos mais próximos, e seu advogado Marcelo Leonardo nega que elas tenham acontecido. “Eu que o acompanhei de Tremembé até Belo Horizonte não sei de nada disso”, afirmou, sustentando que o encontro entre Valério e o advogado do PCC foi apenas uma gentileza. “Ele foi rever outros presos também, mas a conversa com meu cliente teve repercussão, porque ele é o mais famoso”, concluiu.
Marcelo Leonardo demonstrou ainda preocupação com a vida dele, dizendo que a divulgação das informações da Polícia Civil paulista o colocaria
Arquivo
Importantes delegados da Polícia Federal consideram que as ameaças do PCC ao empresário, na verdade, vêm ao encontro a interesses de vários outros grupos, no entanto, em outro universo: o da política. De acordo com a PF, ao operar o mensalão, Marcos Valério reuniu informações que são consideradas estratégicas tanto para políticos do atual governo como da oposição e ainda para empresários e banqueiros, suspeitos de envolvimento. Até agora, o empresário falou pouco sobre o esquema e mandou recados, como quando ele pediu uma audiência com o delegado Luiz Flávio Zampronha, há dois anos, e não falou uma palavra sequer sobre o assunto, reunindo a imprensa apenas para dizer que se manteve calado. Portanto, integrantes da PF acreditam que a mira do PCC sobre Marcos Valério interessa a muito mais gente do que se imagina e, de fato, sua vida está em perigo.
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