Percival Puggina
23/02/2009
Síndrome de Estocolmo é o nome atribuído a um fenômeno psicológico diagnosticado, pela primeira vez, após um assalto com sequestro ocorrido na capital sueca nos anos 70. Ao longo do período de cativeiro, que durou seis dias, os reféns desenvolveram, em relação aos sequestradores, uma relação afetiva que acabou interferindo, até mesmo, na acuidade de seus depoimentos como vítimas e testemunhas do crime. Tal síndrome, em síntese, resulta de uma operação mental inconsciente, gerada com o objetivo de proteger a psique, mediante a ilusão de que não há um perigo real na situação a que o sequestrado fica exposto.
Desde muito tempo, observando certos atores na cena política brasileira, percebo que idêntico fenômeno se manifesta entre eles. Trata-se de um apego emocional que não se dirige a pessoas, mas a certos períodos históricos em que estiveram envolvidos, ainda que tais períodos tenham sido de sofrimento e de anomalia institucional. Os tempos não lhes foram bons, mas esses senhores e senhoras estruturaram suas biografias sobre as dificuldades do momento. Boa parte da esquerda brasileira, por exemplo, demonstra, por atitudes, o quanto era feliz e não sabia nos anos que ela mesma denominou “de chumbo”. A agitação e a propaganda lhes concederam uma aura de vanguarda dos direitos humanos, liberdades públicas e justiça social (embora muitos tenham pegado em armas para lutar por um comunismo que é, em tudo, o contrário disso). Um pouco mais de fantasia e uma persistente repetição convenceram a muitos de que haviam sido a encarnação do bem na luta contra o mal.
Na eleição da “abertura política”, o PMDB (esquerda da época e primeiro beneficiário daquele momento histórico) elegeu, sozinho, a maioria do Congresso e todos os governadores estaduais, à exceção de Sergipe. Foi uma das mais contundentes vitórias eleitorais da vida republicana, seguida de um fracasso com raras exceções no subseqüente exercício do poder. Decorridas mais de duas décadas, muitos líderes nacionais do PMDB padecem a nostalgia e vivem do dividendo que lhes ficou daqueles tempos. Trazem-nos permanentemente à memória de quem os escuta, não como advertência, mas por saudade, mesmo, e por falta de méritos posteriores.
O PT surgiu nesse período, como força política à esquerda da esquerda. Longe do trono, acabou tomando para si os dividendos da disputa anterior à sua própria existência. Foi mestre nessa apropriação. Era inevitável que chegasse ao poder. Chegou. E foi o que se viu. E é o que se vê. Hoje, amplos segmentos do partido tornam visível a saudade que sentem daqueles anos iniciais em que eram felizes e não sabiam. Viviam na alva pureza dos ideais e não sujavam as vestes com a poeira e com o barro do poder.
Há uma parcela do PT, radicada no Rio Grande do Sul, que viveu seu período de ouro na oposição ao governo de Antônio Britto. Foram anos terríveis na política estadual, quando só por falta de hábito (não de vontade), as forças em confronto não pegaram em armas. Ódio para provocar a explosão é que não faltou. Os gaúchos se dividiram entre petistas e antipetistas. Não por acaso, na eleição seguinte, o partido elegeu o governador e suas maiores bancadas no Congresso e na Assembléia Legislativa. E foi o que se viu.
Restou a nostalgia do período em que, ao seu comando, a militância ganhava as ruas com bandeiras vermelhas e as carregava com fervor religioso e ódio fundamentalista. Nesse fervor e nesse ódio muitos eram felizes e não sabiam. Turbulências que, curiosamente, deixaram saudades... Esse sentimento, essa peculiar Síndrome de Estocolmo, se exibe em surtos periódicos, como acaba de acontecer nos episódios que envolveram o ex-deputado Cézar Busatto. É uma enfermidade e tem diagnóstico conhecido.
Revista Voto, edição de fevereiro/2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário